A ilusão financeira que está destruindo sua paz (e como escapar dela)
Você já se pegou rolando o feed das redes sociais, observando a vida aparentemente perfeita de amigos, conhecidos ou influenciadores e sentindo um aperto no peito sobre suas próprias finanças? Ou, talvez, mesmo com uma vida financeira estável, você sente que “não é o suficiente” ou que está sempre “atrasado” em relação aos outros?
Se a resposta for sim, você pode estar experimentando um fenômeno cada vez mais comum na sociedade contemporânea: a dismorfia financeira. Há tempos me interesso e leio sobre isso, e recentemente, ao ouvir um podcast do antropólogo Michel Alcoforado tratando do tema, achei oportuno trazê-lo aqui para a coluna.
O fenômeno da dismorfia financeira
A dismorfia financeira pode ser compreendida como um desencontro entre a realidade financeira de um indivíduo e a sua percepção sobre ela, mesmo quando esta é estável.
Não se trata de um diagnóstico clínico, mas seu impacto é bastante real em nossas vidas. Pense, por exemplo, na dismorfia corporal, onde a pessoa não consegue aceitar a imagem que vê no espelho e, via de regra, sempre se acha mais magra, mais gorda ou mais velha do que realmente é, ou enxerga defeitos que não existem. A dismorfia financeira age de forma similar, distorcendo nossa percepção sobre as finanças pessoais.
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Diferente da ansiedade financeira, que é o temor de não ter ou não alcançar o suficiente, a dismorfia está relacionada a uma distorção na forma como se compara a própria situação financeira com a dos outros.
Alguém pode possuir uma boa reserva financeira, mas ainda assim sentir que não é o bastante ou que não pode utilizá-la de forma significativa. Por outro lado, há quem gaste excessivamente, mas se recuse a reconhecer a gravidade de sua situação financeira.
Na ansiedade financeira, o medo pode fazer com que a situação pareça pior do que realmente é, mas a pessoa não distorce a realidade de suas finanças. Com a dismorfia, há uma crença desvirtuada sobre o quanto os outros têm e onde você se encaixa nessa comparação.
No Brasil, a pesquisa “Dismorfia Financeira”, realizada pelo Will Bank em parceria com o Qualibest, revela que impressionantes 90% dos brasileiros apresentam algum sentimento que pode estar ligado à esse fenômeno e quase 48% das pessoas usam palavras negativas ao falar de sua vida financeira.
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Grande parte disso deve-se a fatores culturais, tabus e crenças equivocadas quanto a status, sucesso e realização. Isso demonstra a urgência de que esse tema também esteja na pauta dos educadores monetários.
A influência inevitável das redes sociais
As mídias sociais tornaram-se um terreno fértil para comparações financeiras totalmente descoladas da realidade. Elas não apenas refletem a cultura, mas a moldam ativamente, equiparando riqueza a valor.
Algoritmos dão prioridade a conteúdo visualmente atraente e aspiracional, mostrando estilos de vida luxuosos, viagens exóticas, consumo de gadgets (dispositivos eletrônicos) altamente tecnológicos e grifes cujos valores chegam a ser ofensivos, se considerada a realidade de mais de 90% das pessoas no mundo. Essa exposição cria uma noção distorcida do que é normal ou alcançável.
O consumo em larga escala de vídeos com esse tipo de conteúdo cria em muitas pessoas o desejo de recriar esses estilos de vida e, com isso, estabelece-se um círculo vicioso: as armadilhas de comparação levam à ansiedade, consumismo e, consequentemente, ao endividamento, arrependimento e ao medo quanto à estabilidade financeira, que por sua vez, geram mais ansiedade.
Nada é o que parece
A questão é que as redes sociais, e especialmente o perfil de influenciadores, não refletem a vida real. Normalmente é um recorte onde produtos e estilos de vida exibidos são frequentemente patrocinados ou presenteados por marcas. Em geral, aquilo é o trabalho do influencer: induzir as pessoas a consumirem produtos e serviços.
E mesmo quando não se trata de uma publi feita por um influencer, o que está no feed de amigos e conhecidos nunca é o panorama completo. Por trás de viagens perfeitas, fotos em restaurantes gourmet e produtos da moda, estão as dívidas no cartão de crédito, eventualmente uma permuta, ou mera ostentação com bens de terceiros e, invariavelmente, insegurança e uma imensa necessidade de obter validação social.
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Lembre-se que quando você vê uma pessoa ostentando, o que está à mostra ali não é o quanto ela é rica, mas sim, o quanto ela gasta. E acredite, por mais estranho que possa parecer, na maioria das vezes, a relação é inversamente proporcional.
Essas trends que você vê diariamente nas redes, como “arrume-se comigo” ou “um dia na vida de um milionário”, “roupa de rica” e tantas outras bobagens análogas, reforçam a ideia equivocada de que para ter sucesso é necessário ter aquela vida. Com isso, vemos influencers enriquecendo à custa da normalização do consumo desenfreado que leva milhares de pessoas ao endividamento e a uma vida onde nada parece suficiente.
Acredite: quando o influencer diz que se você não tiver no pulso o relógio X ou Y, você é “um Zé Ruela”, ele não pensa isso de verdade. Mas ele sabe que ao te dizer isso, instiga sua vontade de adquirir os cursos dele, para aprender a prosperar e “deixar de ser Zé Ruela”. Esse é o jogo!
Impacto nas gerações mais jovens e a realidade dos dados
Em 2024, uma pesquisa da Qualtrics para a plataforma de gestão financeira Credit Karma, nos Estados Unidos, trouxe dados relevantes:
- Cerca de 45% da Geração Z e dos millennials são obcecados pela ideia de serem ricos (44% e 46%, respectivamente);
- 43% da Geração Z e 41% dos millennials sofrem de dismorfia financeira;
- Outros 48% da Geração Z dizem que se sentem financeiramente atrasados, juntamente com 59% dos millennials.
Os sentimentos ligados à disformia são menores entre as pessoas da geração X (25%) e baby boomers (14%), evidenciando que para os jovens, que ainda estão formando suas identidades financeiras, ver colegas ou influenciadores da mesma idade, supostamente prosperando financeiramente, pode gerar sentimentos de inadequação ou fracasso.
O estudo da Qualtrics apontou que 95% dos norte-americanos que sofrem de dismorfia financeira experimentam impactos negativos, como gastos excessivos, aumento de dívidas e redução das taxas de poupança.
Como lidar com a dismorfia financeira
O primeiro passo está em reconhecer a influência das mídias sociais e a tentação de se comparar aos outros. Reduzir a exposição a conteúdos que promovam o consumismo excessivo certamente irá aliviar a sensação de inadequação e fracasso.
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Pode ser necessário deixar de seguir alguns influencers ou estabelecer limites de tempo de tela para criar hábitos digitais mais saudáveis. Para isso, convém selecionar o que segue, dando prioridade para criadores que promovam educação financeira real, pautada em método, com transparência e sem conflitos de interesse. Também ajuda bastante não ser monotemático e incluir no feed, criadores cuja pauta não seja o consumo ou mesmo finanças.
E agora o mais importante, e que extrapola os hábitos digitais: reflita sobre seus objetivos monetários pessoais com base em seus valores individuais e não nas expectativas externas.
Traçar metas claras e realistas e alinhar os gastos com essas metas se torna essencial para retomar a autoconfiança e a sensação de controle sobre sua vida e suas necessidades genuínas.
Para superar a dismorfia financeira, que envolve distorção, é preciso enxergar a própria realidade, pois somente a partir dessa tomada de consciência que se consegue traçar um plano factível para alçar outros patamares.
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Lembre-se: não há nenhum problema em querer ser rico, ao contrário. Essa ambição, quando bem direcionada e transformada em meta, vai te levar longe. O problema é quando você confunde o desejo de ser com a ansiedade imediata de parecer que é.
Você continuará sendo bombardeado por apelos de consumo e promessas de ganhos milionários e vidas glamourosas nas redes sociais, mas quando você sabe verdadeiramente o que importa e quais metas está perseguindo, consegue neutralizar os efeitos desses ruídos e seguir sua rota, numa relação saudável e estratégica com o dinheiro e finanças.
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Esta notícia foi originalmente publicada em:
Fonte original
Autor: Estadão Conteúdo