Medida “absurda” de Trump tende a unir a sociedade na defesa do país, avalia Ricupero


A decisão do presidente Donald Trump de taxar em 50% todas as exportações brasileiras para os Estados Unidos é absurda, especialmente por atrelar a medida ao processo que o ex-presidente Jair Bolsonaro está sendo submetido no Supremo Tribunal Federal. Politicamente, isso pode até enfraquecer uma candidatura do ex-presidente ou de algum familiar nas eleições do ano que vem porque a medida tende a unir a sociedade brasileira na defesa do país. A opinião e de Rubens Ricupero, diplomata de carreira e ex-ministro da Fazenda no governo Itamar Franco
Em entrevista ao InfoMoney, Ricupero, que também foi embaixador do Brasil na Itália no governo Fernando Henrique Cardoso, disse não ver “nenhuma justificativa” nas tarifas recíprocas ao Brasil anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos. “Foi uma atitude absurda, irracional. O Brasil não fez absolutamente nada contra os Estados Unidos, nem contra o presidente Trump, essa atitude dele é inexplicável”, critica, destacando ainda que o presidente Lula não tem nenhuma autoridade sobre o STF para que os dois temas tenham sido associados.
Ricupero disse ainda achar prudente esperar um pouco para ver o que vai acontecer até o dia 1º de agosto, data definida para a validade das tarifas. “Nós sabemos que muitas vezes, as coisas que ele (Trump) anuncia, depois ou ele adia ou ele acaba não realizando”, afirma. Ele aposta que ainda pode haver alguma negociação da questão comercial pelos canais diplomáticos.
Confira entrevista com o ex-embaixador Rubens Ricupero:
InfoMoney – O que pode justificar as “tarifas recíprocas” ao Brasil anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump?
Rubens Ricupero – Não há nenhuma justificativa, foi uma atitude absurda, irracional. O Brasil não fez absolutamente nada contra os Estados Unidos, nem contra o presidente Trump. Essa atitude dele é inexplicável. A mensagem que ele mandou ao presidente Lula é uma intromissão, uma interferência nos assuntos internos do Brasil. E de uma maneira absurda, porque é dirigida ao Lula. Como nós sabemos, [Lula] não tem nenhuma autoridade sobre o Supremo Tribunal Federal. A mensagem do Trump fala na punição do Bolsonaro e fala também nas decisões do Supremo sobre as grandes firmas e plataformas. Como nós sabemos, o Bolsonaro foi condenado pela Justiça Eleitoral, não tem nada a ver com o Lula. E essas decisões sobre as plataformas são do Supremo Tribunal.
IM – O senhor acredita que o Brasil deve anunciar alguma retaliação, tarifária ou não tarifária, para poder negociar numa posição mais favorável?
RR – Acho que a primeira coisa que se tem que fazer é esperar um pouco para ver o que vai acontecer. Nós temos ainda 20 dias até o dia 1º de agosto. Nós sabemos, muitas vezes, as coisas que ele anuncia, depois ou ele adia ou ele acaba não realizando. Então, o primeiro ponto é esse: utilizar esse espaço de tempo que o Brasil tem, com os seus canais diplomáticos em Washington, verificar com a própria embaixada e com os contatos que possa ter com os setores do governo americano. E procurar averiguar até que ponto é possível separar uma coisa da outra, porque evidentemente a parte política é inegociável, não se trata de um assunto, como eu disse, que nem sequer tem competência do presidente Lula, além de ser assunto interno brasileiro, que tem a ver com as leis brasileiras.
Agora, a parte comercial, se pudesse se negociar de uma maneira correta, sem ameaças, sem nenhum tipo de pressão, seria possível, isso sim.
”IM – O senhor acredita que pode haver uma saída diplomática?
RR – Tudo é possível, sobretudo se houver uma negociação ordenada sobre os temas comerciais. Mas fora disso, como eu disse, desde que não haja nenhuma contaminação com a questão política, que é inegociável. Por isso mesmo o Itamaraty fez bem de devolver a mensagem. Porque ela não é aceitável. É baseada em pressuposto e intervenção nas questões brasileiras internas que o Brasil não pode aceitar.
IM – O senhor vê alguma relação entre a cúpula do Brics e o anúncio do Trump?
RR – Há uma certa coincidência no tempo, mas é interessante que na mensagem dele não mencione isso, ele menciona apenas o Bolsonaro. Então, eu acho que não dá para pular para essa conclusão que muita gente tem tomado. Eu não acredito que essa reunião do Brics teve muita relevância. Esses documentos, uma vez aprovados, 48 horas depois tendem a ser esquecidos. Eles não têm nenhuma influência sobre a realidade. Então, eu tenho dúvidas que tenha sido isso a motivação. Você tem que levar em conta o que ele diz. O que ele diz é sobre o Bolsonaro e sobre o Supremo Tribunal Federal, que são dois pontos que, como eu disse, são inaceitáveis.
IM – Existe algum precedente de politização de tarifas assim como está fazendo o presidente americano Donald Trump?
RR – Os americanos sempre procuraram utilizar o comércio para pressão em outras questões, mas desse tipo eu não me lembro, com essa brutalidade, com esse caráter de interferência aberta nos assuntos internos brasileiros, eu não me recordo de nenhum precedente.
IM – Esse apoio do Trump fortalece ou enfraquece o Bolsonaro ou uma possível candidatura ligada a ele?
RR – Eu acho que enfraquece muito, porque é contraproducente, tende a unir a sociedade inteira na defesa do país. E o Bolsonaro e o filho do Bolsonaro [o deputado Eduardo Bolsonaro, que está nos EUA] acabam aparecendo como pessoas que provocaram uma medida que afeta empregos no Brasil, afeta interesses firmariais, então, acaba tendo um efeito muito contraproducente.
IM – O senhor acredita que pode ser um tiro que saiu pela culatra?
RR – Eu acredito que sim, desse ponto de vista, se é pra ajudar, não vai ajudar em nada. Porque não vai, de forma alguma, atenuar a investigação contra o Bolsonaro. O processo contra ele já está correndo no Supremo Tribunal. E muito menos a condenação: ele já foi condenado pela Justiça Eleitoral. Então, não vejo possibilidade que isso tenha qualquer influência sobre esse tema.
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Autor: Marina Mota Silva