Reserva de Bitcoin no Brasil? ‘Maluquice’ e alto risco, dizem especialistas
O deputado federal Eros Biondini (PL-MG) apresentou nesta semana um projeto de lei que propõe a criação de uma reserva soberana de Bitcoin (BTC) no Brasil, limitada a até 5% das reservas internacionais brasileiras. O objetivo, segundo o parlamentar, é diversificar os ativos monetários do Tesouro Nacional e proteger os títulos do país em moeda estrangeira contra flutuações cambiais e riscos geopolíticos.
Uma das justificativas é que alguns países, como El Salvador, adotaram criptomoedas na gestão pública ou sinalizaram essa possibilidade, colhendo resultados políticos. A pequena nação da América Central, conhecida por reduzir a criminalidade com medidas extremas, registrou uma valorização de 115% no valor de suas reservas em Bitcoin, acumuladas desde 2021, que agora somam US$ 544 milhões.
A tramitação do projeto no Brasil ainda não começou. A proposta precisa passar pelas comissões e pelo plenário da Câmara dos Deputados antes de seguir para o Senado Federal e, posteriormente, para a análise do presidente da República. No entanto, especialistas consideram improvável que a iniciativa avance. Eles argumentam que, além de representar um risco significativo, o projeto pode comprometer as contas públicas do Brasil – que já não andam muito bem.
“Se a gente pegar uma economia como o Brasil hoje, que tem apresentado tipicamente déficits, e pensar que o país está separando parte do dinheiro para investir em Bitcoin, seria comparável com uma pessoa que está com dívida no cartão de crédito recorrente tirar uma parte do dinheiro que tem para investir esse dinheiro em criptomoedas. Não me parece muito razoável”, disse o economista Fernando Antônio de Barros Junior, professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP.
Segundo Barros Junior, o principal risco de utilizar uma criptomoeda privada como reserva está na volatilidade. Por ser um ativo que apresenta oscilações intensas, podendo subir muito em determinados momentos, mas também cair drasticamente, ele compromete a principal função de uma reserva: estar disponível para uso em situações de necessidade. Justamente quando o governo pode precisar desses recursos, falou, há a possibilidade de o Bitcoin estar desvalorizado, reduzindo significativamente o valor da reserva.
“São ativos que ainda não amadureceram o suficiente para serem considerados moedas de fato ou meios de troca amplamente aceitos. Acredito que existe um caminho para que isso aconteça no futuro, mas, de forma geral, vejo que hoje estamos em um estágio em que o governo deveria focar nas moedas digitais de Banco Central (CBDCs). Essas, sim, apresentam projetos promissores em várias partes do mundo. Já a ideia de um governo comprar moedas privadas me parece um movimento bastante arriscado.”
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“Maluquice completa”
O economista José Luis Oreiro, professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UNB), disse que o projeto é uma “maluquice completa” e um “jabuticaba brasileira”. Nenhum banco central respeitável – como o Federal Reserve (Fed), o Banco da Inglaterra, o Banco Central Europeu, o Banco do Japão ou o Banco da China – considera o Bitcoin como um ativo adequado para reservas, falou o especialista.
“Para isso acontecer (incluir Bitcoin no Tesouro), o Banco Central do Brasil teria que comprar criptomoedas, e isso exige expandir a base monetária. Ao fazer isso, a taxa de juros cairia abaixo da meta da Selic, obrigando o BC a realizar uma operação de esterilização, que consiste em vender títulos da dívida pública da sua carteira para neutralizar o efeito dessa expansão. Mas isso tem um custo”, falou.
“Esses títulos seriam vendidos ou emprestados ao sistema monetário brasileiro, gerando um impacto significativo. Com a taxa de juros atual, essa operação aumentaria os encargos da dívida pública, porque mais dívida estaria nas mãos do mercado. No fim das contas, isso elevaria os serviços da dívida pública e, consequentemente, o déficit nominal do setor público”, completou.
No projeto, o deputado menciona que o Bitcoin poderia proteger contra riscos geopolíticos. De acordo com Oreiro, se há um ativo com essa função é o ouro, cuja relevância já foi reconhecida pelo Banco Central do Brasil, que aumentou as reserva do metal. “Mas reserva de Bitcoin não faz nenhum sentido”, disse o economista, citando ainda que o critpoativo é ecologicamente incorreto por causa da mineração (processo de emissão de novos tokens), que exige muita eletricidade.
Bitcoin e governantes
O Bitcoin, criado no final de 2008, começou a chamar atenção de governantes há pouco tempo. Um dos primeiros foi o presidente de El Salvador, Nayib Bukele. Em 2021, além de anunciar que iria incluir a criptomoeda no tesouro do Estado, ele também transformou o BTC em moeda de curso legal, ao lado do dólar. A medida não agradou órgãos internacionais, como o FMI, nem a população local.
Outro país que se aventurou no volátil mundo das criptomoedas foi o Butão. Hoje, a pequena nação localizada entre a China e a Índia tem US$ 1 bilhão em criptomoedas, segundo dados firma de análise de blockchain Arkham. Economias grandes como Estados Unidos, China e Reino Unido também têm moedas digitais, fruto de apreensões de operações contra criminosos, mas as criptos não são usadas na estratégica econômica.
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Durante a corrida presidencial nos EUA neste ano, no entanto, o presidente eleito Donald Trump ventilou que o país pode dar um passo a mais com criptos durante sua gestão. Ele disse que deseja criar um estoque nacional de BTC, o que foi criticado por autoridades, e também falou que pretende transformar a nação em uma “superpotência” cripto. “O Trump fala muita coisa. Agora, se vai fazer ou não, é outra história. Além disso, o Fed tem independência nos EUA. Então o Trump pode até querer, mas se o Fed não topar a brincadeira, não tem reserva em Bitcoin”, disse Oreiro.
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Autor: lucasgmarins