Lula vê “oportunidade histórica” em acordo Mercosul-UE: “Texto moderno e equilibrado”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) celebrou o acordo comercial firmado nesta sexta-feira (6) entre o Mercosul e a União Europeia (UE), que vinha sendo discutido havia mais de três décadas.
Ao discursar durante a 65ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, em Montevidéu (Uruguai), Lula classificou o acordo fechado com os europeus como uma “oportunidade histórica” para os dois blocos.
O acordo, que ainda precisa passar pelo crivo formal dos países que compõem os dois blocos, constituirá uma das maiores áreas de livre comércio bilateral do mundo. Mercosul e UE reúnem cerca de 718 milhões de pessoas e economias que, somadas, alcançam US$ 22 trilhões, aproximadamente.
“Esta cúpula tem um significado muito especial. Ela marca a conclusão da negociação do acordo Mercosul-UE, no qual nossos países investiram um enorme capital político e diplomático por mais de três décadas. Estamos construindo uma das maiores áreas de livre comércio do mundo”, destacou Lula.
Assista ao discurso de Lula na cúpula do Mercosul:
O presidente afirmou ainda que o acordo firmado nesta sexta “é bem diferente daquele anunciado em 2019”. “As condições que herdamos eram inaceitáveis. Foi preciso incorporar ao acordo temas de relevância para o Mercosul. Conseguimos preservar nossos interesses em compras governamentais”, disse o presidente brasileiro.
“Alongamos um calendário de abertura do nosso mercado automotivo, resguardando a capacidade de fomento do setor industrial. Criamos mecanismos para evitar a retirada unilateral de concessões alcançadas na mesa de negociação”, enfatizou Lula.
“Após dois anos de intensas tratativas, temos hoje um texto moderno e equilibrado que reconhece as credenciais ambientais do Mercosul e reforça nosso compromisso com o Acordo de Paris”, complementou.
Segundo o presidente da República, “a realidade geopolítica e economia global nos mostra que a integração fortalece nossa sociedade e promove nossa inserção mais competitiva no mundo”. “Nossa agenda externa está reposicionando o Mercosul no comércio internacional”, afirmou.
Sem citar, especificamente, o episódio envolvendo o recente boicote do Carrefour às carnes produzidas pelos países que compõem o Mercosul – em crise que já foi superada –, Lula afirmou que “não aceitaremos que tentem difamar a reconhecida qualidade e segurança dos nossos produtos”. “O Mercosul é um exemplo de que é possível conciliar desenvolvimento econômico com responsabilidade ambiental”, destacou.
Para Lula, o bloco “tem uma oportunidade histórica de liderar a transição energética e enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas”.
Também participaram do encontro desta sexta os presidentes Javier Milei (Argentina), Santiago Peña (Paraguai), Luis Lacalle Pou (Uruguai) e Luis Arce (Bolívia).
Três décadas de espera
Costurado desde o fim dos anos 1990, o acordo comercial entre os dois blocos teve sua primeira etapa concluída em 2019, ainda sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Desde então, os termos passaram à fase de revisão por parte dos países envolvidos, mas pouco havia se avançado até aqui.
As tratativas em torno de um acordo comercial entre Mercosul e UE atravessaram os governos de pelo menos cinco presidentes da República no Brasil: além de Lula e Bolsonaro, também Fernando Henrique Cardoso (1995-2022), Dilma Rousseff (2011-2016) e Michel Temer (2016-2018).
Países como a França, do presidente Emmanuel Macron, trabalharam até o último minuto contra o acordo Mercosul-UE, principalmente, por questões políticas domésticas. O tratado é visto com ceticismo na França, pois há preocupação com riscos de enfraquecimento do setor agrícola no país.
Ainda segundo o governo francês, caso o acordo se concretize nos termos atuais, firmas francesas que seguem leis ambientais mais duras em seu país terão de competir com companhias que não estão submetidas aos mesmos padrões.
Leia a íntegra do discurso de Lula:
“Cumprimento o Presidente Lacalle Pou pela organização desta Cúpula e pela condução dos trabalhos na presidência do MERCOSUL neste semestre.
Saúdo o companheiro Luis Arce, que representa a Bolívia, pela primeira vez, como Estado Parte do MERCOSUL.
Também dou as boas-vindas ao presidente José Raúl Molino, do Panamá, que passa a ser o primeiro Estado Associado do MERCOSUL na América Central.
É com satisfação que acolhemos entre nós a Presidenta da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen.
Exalto, de maneira muito especial, o povo uruguaio, pelas eleições que conduziram Yamandú Orsi à presidência da República.
Num contexto de fortes ataques à democracia em diversas partes do mundo, o Uruguai demonstra que a política pode ser feita sem ódio e violência.
Presidente Lacalle Pou,
Esta Cúpula tem um significado especial.
Ela marca a conclusão das negociações do Acordo MERCOSUL-União Europeia, no qual nossos países investiram enorme capital político e diplomático, por quase três décadas.
Estamos criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, reunindo mais de 700 milhões de pessoas.
Nossas economias, juntas, representam um PIB de 22 trilhões de dólares.
O Acordo que finalizamos hoje é bem diferente daquele anunciado em 2019.
As condições que herdamos eram inaceitáveis.
Foi preciso incorporar ao Acordo temas de alta relevância para o MERCOSUL.
Conseguimos preservar nossos interesses em compras governamentais, o que nos permitirá implementar políticas públicas em áreas como saúde, agricultura familiar e ciência e tecnologia.
Alongamos o calendário de abertura do nosso mercado automotivo, resguardando a capacidade de fomento do setor industrial.
Criamos mecanismos para evitar a retirada unilateral de concessões alcançadas na mesa de negociação.
Estamos assegurando novos mercados para nossas exportações e fortalecendo os fluxos de investimentos.
Após dois anos de intensas tratativas, temos hoje um texto moderno e equilibrado, que reconhece as credenciais ambientais do MERCOSUL e reforça nosso compromisso com os Acordos de Paris.
A realidade geopolítica e econômica global nos mostra que a integração fortalece nossas sociedades, moderniza nossas estruturas produtivas e promove nossa inserção mais competitiva no mundo.
Nossa agenda externa está reposicionando o MERCOSUL no comércio internacional.
No final de 2023, concluímos o acordo comercial com Singapura, o primeiro com um país asiático.
Hoje, também lançamos as bases para a futura liberalização comercial com o Panamá, por onde passam 6% do comércio mundial.
Com os Emirados Árabes Unidos, as negociações estão avançando rapidamente e devem ser concluídas ainda em 2025.
A possibilidade de ampliar a cooperação econômica e tecnológica com a China, Japão, Vietnã e outros mercados da Ásia resultará em benefícios para todos os membros do bloco.
Senhoras e senhores,
Com a entrada da Bolívia, o MERCOSUL se constitui na sétima economia do planeta, com um PIB combinado de quase 3 trilhões de dólares.
O comércio entre nós mobiliza a expressiva soma de 55 bilhões de dólares.
75% dessa cifra é de produtos de alto valor agregado.
Nossa pujança agrícola e pecuária nos torna garantes da segurança alimentar de vários países do mundo, atendendo a rigorosos padrões sanitários e ambientais.
Não aceitaremos que tentem difamar a reconhecida qualidade e segurança dos nossos produtos.
O MERCOSUL é um exemplo de que é possível conciliar desenvolvimento econômico com responsabilidade ambiental.
O Brasil vai propor o lançamento de um programa de cooperação para a agricultura de baixo carbono e promoção de exportações agrícolas sustentáveis, o “MERCOSUL Verde”.
Nosso bloco tem uma oportunidade histórica de liderar a transição energética e enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
A exemplo do que ocorre com as inundações em várias regiões da Bolívia, todos já sofremos as consequências devastadoras de secas severas, incêndios e enchentes, com profundos impactos econômicos, sociais e humanos.
Alterações nos padrões de precipitação afetam a produção agrícola, os recursos hídricos e a biodiversidade em todos os biomas.
Os impasses verificados na COP 16 da Biodiversidade, em Cáli, e as dificuldades de se chegar a um texto de consenso na COP 29 do Clima, em Baku, acendem um alerta.
Não há alternativas ao planeta Terra.
O princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” é essencial para promover a justiça climática.
Isso não impede que cada um de nós contribua, como pode, para a meta de limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio.
O Brasil já apresentou sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada, que abrange todos os gases de efeito estufa e setores econômicos.
Assumimos a meta ambiciosa para 2035 de reduzir emissões de 59 a 67% em relação a 2005.
O ano de 2025 será particularmente importante.
A América do Sul sediará a COP 30, em Belém do Pará, na Amazônia brasileira.
Com isso, nossa responsabilidade aumenta.
Convido os países do MERCOSUL e Associados e a União Europeia a apresentarem NDCs ambiciosas e a participarem ativamente nos esforços que levarão ao pleno êxito da COP 30.
Senhoras e senhores,
Um MERCOSUL forte e unido é um MERCOSUL interconectado com a América do Sul e com os grandes temas da agenda global.
Os projetos do FOCEM são estratégicos no esforço de redução das assimetrias e de maior aproximação entre nossos países.
Obtivemos este mês a aprovação, pelo Fundo, do financiamento do primeiro projeto brasileiro em 12 anos. O anel viário no município de Amambai, no Estado do Mato Grosso do Sul, vai estreitar os vínculos com o Paraguai.
O Brasil lançou o projeto “Rotas da Integração Sul-Americana”, com a previsão de investimentos em 190 obras no país e na região.
As rotas têm o papel de interiorizar o desenvolvimento e reduzir o tempo e o custo do transporte de mercadorias entre o Brasil e seus vizinhos, ligando o Atlântico ao Pacífico.
Quero agradecer a todos os países membros do MERCOSUL por sua participação na Cúpula de Líderes do G20 no Rio de Janeiro.
Tivemos apoio expressivo no lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
Nossa atuação conjunta foi fundamental para a aprovação de um Chamado à Ação para a Reforma da Governança Global.
É essencial corrigir a baixa representação da nossa região na ONU e nas organizações de Bretton Woods.
Caras amigas e amigos,
O MERCOSUL tem um elemento crucial que lhe dá força, para além de sua dimensão econômica e comercial: a sua gente.
Nossa tarefa é fazer com que a integração seja percebida como caminho eficaz para a conquista e efetivação de direitos.
Precisamos recuperar a participação social no bloco, que foi pioneiro na incorporação da sociedade civil nos debates governamentais.
Defendemos o fortalecimento do Instituto Social, bem como do Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos.
Esses órgãos não podem ter suas atividades estranguladas sob o pretexto de economia de recursos.
Promover a igualdade de gênero, o combate ao racismo, fomentar a educação e a justiça social não são gastos.
São investimentos no potencial humano dos nossos países.
Este é o modelo de integração que defendemos: orientado para a redução das desigualdades, dentro dos países e entre eles.
Indutor do crescimento sustentável, ao mesmo tempo em que é defensor dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito.
Um modelo que, diante de divergências e adversidades, fomenta o diálogo e a cooperação.
Foi nesse espírito que, há 33 anos, o pai do Presidente Lacalle Pou e os então presidentes do Brasil, da Argentina, e do Paraguai firmaram o Tratado de Assunção, que continua sendo instrumental para superar um passado de autoritarismo em nossa região.
A liberdade, em todas as suas manifestações, é componente essencial de uma democracia sadia.
Mas ela deve vir associada à proteção dos direitos e às liberdades de outros, e a da própria ordem política.
A democracia em sua plenitude é base para promover sociedades pacíficas, livres do medo e da violência.
Que tenhamos, no MERCOSUL, o senso de justiça e inclusão de Pepe Mujica.
Em um discurso histórico, na ONU, em 2013, ele disse e repito:
‘Sou do Sul e venho do Sul a esta Assembleia. Carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos pampas, nas depressões da América Latina, pátria de todos que está se formando.’
Presidente Lacalle Pou,
Desejo-lhe felicidades em seus novos caminhos a partir do próximo mês de março.
Reitero as boas-vindas ao companheiro Orsi, assegurando que o Brasil continuará a caminhar lado a lado com o Uruguai.
Desejamos sucesso à presidência de turno argentina que se inicia agora.
O MERCOSUL é, e continuará sendo, componente central da inserção internacional do Brasil.
Contem conosco para fortalecê-lo ainda mais.
Muito obrigado.“
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Autor: Fábio Matos