De iPhone a IA: o segredo da fabricante de vidro ‘queridinha’ do Vale do Silício
Em seu escritório de canto na imponente sede de aço e vidro da Corning Inc., em Corning, Nova York, o CEO Wendell Weeks mantém posicionado um pequeno pedaço de papel amarelado em uma moldura de madeira escura bem atrás de sua mesa. O documento, datado de 17 de novembro de 1880, é o pedido feito por Thomas Edison à Corning Glass Works, no valor de US$ 311,97, para a produção do vidro para sua nova e arriscada invenção: a lâmpada.
“Eu guardo isso para nunca esquecer: Se alguém vier até você com uma ideia que parece pequena, mas que tem o potencial de tornar o mundo um lugar um pouco melhor, diga sim”, diz Weeks. “Muitas ideias não dão certo, mas as que dão são realmente boas.”
A fabricante de vidro, cuja trajetória remonta há 173 anos, demonstra esse conceito de forma consistente. O criador de marcas icônicas de utensílios de cozinha, como Pyrex e CorningWare, também desenvolveu vidro para telescópios, os primeiros tubos de imagem de TV e janelas de vidro resistentes ao calor para naves espaciais. Ela atendeu ao pedido de Steve Jobs, da Apple, para criar o Gorilla Glass, o vidro sensível ao toque e resistente a quebras que envolve seu smartphone. Além disso, criou os cabos de fibra óptica que conectam grande parte da Internet e aqueles que hoje alimentam a revolução da IA.
Essas inovações ajudam a explicar por que o CEO de uma firma localizada no interior do estado de Nova York, com apenas US$ 13 bilhões em receita em 2023, conquista a admiração e a amizade de alguns dos maiores nomes do mundo dos negócios, desde magnatas do Vale do Silício, como Jeff Bezos, da Amazon, até líderes da Motor City, como Jim Farley, da Ford. Jony Ive, ex-chefe de design da Apple, afirma que há poucos parceiros por quem ele tem consideração maior, um grande elogio vindo do homem que criou o iPhone, aparelho responsável por transformar o setor. “Como designer e criativo, é uma grande honra trabalhar com alguém como Wendell”, diz Ive. “Ele fica totalmente absorvido ao trabalhar com você em busca de resolver desafios difíceis, às vezes aparentemente impossíveis.”
Um fracasso formativo
No entanto, a jornada não foi sempre fácil para o CEO da Corning, de 65 anos e com mais de 2 metros de altura. Nos anos 1990, Weeks assumiu o cargo de vice-presidente da Corning e foi designado para liderar um novo empreendimento em fibra óptica, voltado a atender à crescente demanda da Internet. Essa inovação impulsionou a avaliação de mercado da Corning, que atingiu quase US$ 100 bilhões no auge da bolha da Internet, em 2000.
A bolha estourou no ano seguinte, fazendo com que o preço das ações da firma despencasse de cerca de US$ 100 para US$ 1. Mas Weeks demonstrou sua coragem ao continuar comprometido com o empreendimento após a crise das pontocom. Mesmo depois de a Corning perder 99% de seu valor de mercado e ter que demitir metade de seus colaboradores, Weeks manteve sua confiança na solidez da estratégia e seguiu desenvolvendo a tecnologia de fibra da firma.
Ele se lembra de ter implorado à liderança da firma para não demiti-lo e, em vez disso, deixá-lo ficar para resolver a situação: “Eu disse: ‘Estou me acorrentando ao volante aqui. Serei zelador ou algo assim, mas vou ficar até que isso seja resolvido. E eles responderam: “Bem, não será como zelador. Gostaríamos que você assumisse a presidência.”
Desde então, a grande aposta da Corning na fibra óptica deu frutos e hoje representa 30% da receita da firma. Graças ao crescimento da IA, gigantes da tecnologia como a Microsoft estão migrando para as fibras ópticas novas e aprimoradas da Corning, a fim de dar suporte a data centers de hiperescala e à IA generativa, que exigem muito mais fibra do que a utilizada no passado e com capacidades de velocidade muito mais altas.
Com uma capitalização de mercado de US$ 41 bilhões, o valor das ações da Corning subiu cerca de 50% desde janeiro. Em outubro, a firma anunciou um acordo plurianual de US$ 1 bilhão com a AT&T para fornecer essa fibra de última geração, e Weeks estabeleceu a meta de acrescentar mais de US$ 3 bilhões em vendas anuais nos próximos três anos. “No final das contas, estávamos certos quando apostamos que seria preciso ter muito mais fibra”, analisa Weeks, rindo. “Só erramos por uma ou duas décadas.”
A provação da firma na virada deste século moldou o estilo de liderança de Weeks, comentou Jeff Bezos, fundador da Amazon, que conheceu e fez amizade com o CEO da Corning quando ele se juntou ao conselho da Amazon em 2016. “Meu palpite é que Wendell foi bastante moldado pela experiência de quase morte de Corning”, disse Bezos à Fortune. “E isso o tornou um líder muito melhor.”
De Scranton à Corning
Weeks juntou-se à Corning 132 anos após o início da trajetória de 173 anos da firma. Fundada em 1851 pelo comerciante Amory Houghton Sr., a firma teve início como Bay State Glass Co., uma modesta fábrica localizada em Massachusetts. Houghton a transferiu alguns anos depois para o Brooklyn, antes de se estabelecer no interior de Nova York, em Corning, em 1868, e mudar o nome da firma de forma a refletir o nome da cidade. A firma desmembrou os negócios Pyrex e CorningWare em 1998, mas os nomes e a tecnologia que ela criou permanecem até hoje. A família Houghton abriu o capital da firma em 1945 e vendeu sua participação controladora em 2005.
O caminho que Weeks percorreu para se tornar o CEO de uma firma da Fortune 500 não foi linear. Ele nasceu em Scranton, Pensilvânia, onde seu pai era encanador e sua mãe secretária na escola primária local. Nenhum dos dois fez faculdade e ambos eram alcoólatras, diz ele.
Em busca de uma maneira de escapar do caos, Weeks se matriculou na Universidade Lehigh, onde estudou finanças e contabilidade. Ele diz que fez isso porque “meu pai faliu, e eu queria ter certeza de que sempre entenderia questões financeiras, mesmo não sendo muito bom nisso”. Depois de se formar em 1981, Weeks iniciou sua carreira como auditor na Price Waterhouse, da qual a Corning era cliente. Ele logo percebeu que as pessoas com quem interagia na Corning eram exatamente o tipo de pessoa que ele queria ser: estáveis, comprometidas, gentis e voltadas para a família. Em 1983, ele foi contratado como controlador na Corning, onde assumiu a difícil tarefa de ajudar a fechar uma antiga fábrica e reestruturar os negócios industriais. Em suas próprias palavras: “Prefiro muito mais contratar do que demitir pessoas.”
Depois de fazer um breve desvio de trajeto para estudar na Harvard, onde cursou administração de firmas, Weeks retornou à Corning em 1987 para desenvolver uma estratégia para vidros e cerâmicas especiais, dedicando suas horas vagas ao estudo de livros didáticos de ciências para adquirir o conhecimento técnico necessário para fazer o trabalho. Ele foi nomeado CEO em 2005 e presidente do conselho em 2007.
Weeks nunca se formou em ciências, mas durante seu tempo na Corning, obteve 44 patentes nos EUA em seu próprio nome. Essas incluem patentes para os “Valor Glass Vials”, frascos resistentes a fissuras que desempenharam um papel crucial na viabilização da administração das vacinas contra a COVID, e para o vidro dobrável utilizado em painéis internos de automóveis.
A abordagem de Weeks à resolução de problemas é o que o diferencia, explica Jay Y. Lee, presidente executivo da Samsung, que desenvolveu forte laços de amizade com Weeks graças à parceria de mais de 50 anos entre a gigante da tecnologia e a Corning, que, entre outras invenções, fabricou monitores de LCD e vidros dobráveis para smartphones para a firma.
“Ele arregaça prontamente as mangas e trabalha ao lado de seus colegas sempre que surge um problema complexo ou uma questão desafiadora a ser resolvida,” diz Lee, por e-mail. “Ele motiva a todos a darem o seu melhor na busca pelas soluções mais eficazes.”
O CEO da Amazon, Andy Jassy, valoriza a franqueza e a capacidade de apresentar novas perspectivas. “Ele fala tudo diretamente para você”, comentou Jassy à Fortune. “Ao longo dos anos, recorri várias vezes a Wendell em busca de sugestões e conselhos, e percebi que as conversas sempre me levavam a perspectivas bem diferentes daquelas que eu tinha no início.”
Juntando os pedaços
Jim Flaws, ex-diretor monetário da Corning que trabalhou com Weeks durante a crise das pontocom, observa que Weeks adota uma abordagem prática de “quebrou? Conserte!”. Para ilustrar isso ele conta uma história: naquela época, o código de vestimenta do escritório era bastante casual, mas, para demonstrar seu comprometimento com a recuperação da firma após a turbulência, Flaws e Weeks se comprometeram a usar ternos e gravatas diariamente até que a firma alcançasse o sucesso novamente. “Queríamos demonstrar a seriedade daquilo”, disse Flaws. (Weeks continua usando terno e gravata todos os dias, mesmo com o código de vestimenta da firma permanecendo mais casual.)
Essa também é uma das anedotas favoritas de Bezos sobre Weeks. “Foi algo muito deliberado e interno dizer: ‘Estamos voltando ao básico. Também estamos muito otimistas com o futuro. Estamos retornando às nossas raízes”, diz Bezos. “Não somos uma startup no Vale do Silício. Somos uma firma importante com mais de 100 anos de existência. Somos inovadores, mas também discretos.”
Após o impacto significativo sofrido pela firma com o estouro da bolha das pontocom, Weeks e Flaws fizeram, em 2002, três grandes apostas que continuam gerando resultados até hoje: eles dobraram o valor que a Corning estava investindo em pesquisa e desenvolvimento, investiram no desenvolvimento de telas planas de LCD e criaram novos filtros de cerâmica para reter a poluição e os gases de escape dos caminhões.
Cinco anos mais tarde, surgiu a próxima grande oportunidade da firma. Em 2007, Steve Jobs, fundador da Apple, entrou em contato com Weeks após uma breve apresentação feita por um amigo em comum. Jobs explicou que estava desenvolvendo um novo tipo de celular, o iPhone, cuja parte frontal seria composta inteiramente por uma tela. Jobs enfrentava dificuldades para encontrar um vidro que pudesse cobrir o aparelho sem quebrar ou arranhar com facilidade. Ele questionou se a Corning conseguiria fabricar um vidro altamente resistente e entregá-lo em um prazo inferior a seis meses. O conselho da Corning resistiu, mas o CEO deu andamento ao projeto assim mesmo, e conseguiu.
O Gorilla Glass, o vidro amplamente utilizado na tela do iPhone e na maioria dos smartphones ao redor do mundo, é considerado uma das invenções mais significativas da história moderna. Sem ele, a revolução dos smartphones não teria sido possível.
“Naquela época, estimávamos que alcançaríamos cerca de US$ 50 milhões em vendas de produtos para o iPhone”, lembra Weeks. “Steve também não achava que seria tão grande.” Desde então, o Gorilla Glass já gerou mais de US$ 20 bilhões em receita para a firma, sendo utilizado em mais de 8 bilhões de dispositivos em todo o mundo, fabricados tanto pela Apple quanto por outras firmas.
A próxima grande aposta da Corning
Agora, com sua inovação mais reconhecida prestes a completar duas décadas, a Corning está novamente mudando de rumo, desta vez focada em desenvolver os “tubos” essenciais para a expansão da inteligência artificial generativa.
Em 1970, a firma desenvolveu a fibra óptica, um vidro de alta pureza, da espessura de um fio de cabelo humano e capaz de transmitir sinais de luz ao longo de grandes distâncias. Antes disso, o cobre era o material predominante para utilização em cabos — e ainda hoje é amplamente utilizado para energizar a Internet em muitas residências. Hoje, transmitir um filme, postar em uma rede social ou interagir com um aplicativo de IA generativa no celular é possível graças à conectividade de fibra óptica em um data center.
No início deste ano, a Corning lançou seu “cabo óptico de última geração” e firmou um acordo multimilionário com a Lumen Technologies. Este contrato reserva 10% da capacidade global de fibra da Corning para cada um dos próximos dois anos com o objetivo de fornecer infraestrutura para data centers de clientes como a Microsoft.
De que forma essas fibras diferem daquelas que a Corning produzia no passado? Tudo se resume à densidade. A IA generativa exige 10 vezes mais fibra do que a utilizada atualmente, mas precisa caber no mesmo espaço, analisa Weeks. Essas novas fibras mais finas permitirão que a Lumen e outros clientes acomodem de duas a quatro vezes mais fibras nos dutos já existentes. Diferentemente do cobre, a fibra óptica oferece uma capacidade de dados praticamente ilimitada. Segundo Weeks, empregando um único par de fibras (uma para envio e outra para recebimento), metade da população mundial poderia se comunicar simultaneamente com a outra metade.
Entretanto, embora exista muita fibra, é improvável que a demanda do mercado por ela acabe tão cedo. “Desde que inventamos a fibra, já foi instalada uma quantidade suficiente dela no mundo para ir e voltar do Sol vinte vezes”, afirma Weeks. “E, mesmo assim, cerca de metade dos norte-americanos ainda não estão conectados diretamente por fibra… Pense em todo aquele cabeamento de cobre que você vê por aí, no futuro tudo isso será substituído por comunicações via fibra óptica. Então ainda estamos no início dessa curva tecnológica de longo prazo”.
Embora tenha sido a Corning que inventou o material, hoje ela não é a única firma que atua no mercado de fibra óptica original: Weeks está de olho nos concorrentes asiáticos, incluindo as japonesas Sumitomo Electric e Furukawa Electric Co. No entanto, as novas fibras e designs da Corning para aplicações de IA ainda estão sob patente.
Essa situação destaca a importância de a firma continuar inovando. Jim Farley, CEO da Ford, diz que aprendeu mais com Weeks do que com qualquer outro CEO. (A Corning fornece grande parte do vidro externo e interno que equipa os veículos da Ford.) “Ele está travando uma guerra termonuclear de inovação, e todos sabemos que a propriedade intelectual que está sendo desenvolvida em lugares como a China, o Vietnã, a Índia e ao redor do mundo é algo real”, disse Farley à Fortune. “Ele precisa estar sempre à frente, constantemente fomentando a inovação e tomando as decisões certas sobre em quais inovações apostar. Isso representa um risco para ele.”
William Kerwin, analista de ações da Morningstar, destaca que o principal risco para a Corning reside na intensidade de capital necessária para a produção de seus produtos, tanto em termos de fabricação quanto de pesquisa e desenvolvimento. Mas ele acredita que o plano de vendas de US$ 3 bilhões de Weeks para três anos seja realista graças à diversificação da Corning.
“Ela é uma firma que não se limita a um produto ou mercado”, explica Kerwin. “O vidro pode parecer algo muito simples, mas as inovações que eles conseguem realizar com ele, como aumentar sua durabilidade para telas de iPhone ou viabilizar a conectividade de data centers por meio de fibra óptica, são verdadeiramente impressionantes. Eles estão realmente levando a ciência dos materiais ao seu limite.”
Weeks diz que está apostando na IA generativa e em uma tendência para telas internas de carros em tela cheia para impulsionar os lucros no futuro. Depois de décadas no setor, a firma está mais focada em identificar a inovação certa do que em prever o momento exato do próximo sucesso de mercado para seus produtos.
“Se você tem um entendimento profundo de inovação, sabe que é quase impossível acertar o momento exato”, afirma Weeks. “Em vez disso, você precisa começar a trabalhar desde cedo em coisas que realmente importam e, então, estar preparado para escalá-las rapidamente quando perceber que é necessário agir com rapidez.” E é isso que estamos fazendo agora.”
Esta matéria foi publicada originalmente em Fortune.com
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Autor: darrellchamplin