Governo espera encolhimento do mercado de títulos isentos, mas sem impacto sobre setores beneficiados
Uma semana após as duas resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) que restringiram as regras para 5 modalidades de investimentos isentos de tributação (LCI, LCA, CRI, CRA e LIG), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já observa impactos no mercado financeiro.
Segundo uma fonte da equipe econômica ouvida pelo InfoMoney, nos últimos dias o Ministério da Fazenda ouviu relatos de operadores que negociam os títulos sobre um fechamento dos spreads (juros adicionais que um ativo de crédito oferece em relação ao dos títulos públicos, considerados de baixo risco) entre 40 e 50 bps.
“Imaginávamos que fosse assim, mas não que aconteceria tão rápido”, admitiu a fonte. “O incentivo é voltado para a empresa do agronegócio e para a empresa do setor imobiliário, mas, como havia uma oferta de título muito grande, inclusive de empresas que não eram dos setores, o investidor podia escolher, e o preço dos títulos caía. O investidor tinha muito poder de barganha”, disse.
“Quando restringimos a oferta, o preço imediatamente sobe e o benefício agora não vai mais ser compartilhado tanto com o investidor e vai ser direcionado efetivamente para o agronegócio e para o setor imobiliário. Então, o incentivo vai começar a cumprir mais seu papel”, continuou.
A decisão do CMN restringe os lastros elegíveis para as emissões de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs), assegurando que os instrumentos auxiliem no financiamento dos dois setores. No caso dos últimos três ativos, também foram feitos ajustes nos prazos de vencimento, fechando portas para emissões mais curtas.
O movimento foi antecipado um mês atrás por reportagem do InfoMoney, que revelou um desconforto de integrantes do governo com o que entendiam como distorções no mercado de títulos isentos, em meio a emissões cada vez mais frequentes de bancos e empresas não diretamente relacionadas com o agronegócio ou o setor imobiliário. Além de operações com lastro duplicado, em que instituições financeiras utilizavam recursos captados da poupança (também isentos) para emitir novas LCIs e LCAs.
O crescimento destes produtos impunha um peso cada vez maior sobre as contas públicas na forma de renúncias fiscais do governo federal. Segundo o Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT), elaborado pela Receita Federal, o governo deve deixar de arrecadar R$ 51,31 bilhões em Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) com rendimentos isentos e não tributáveis em 2024. Títulos de crédito do setor imobiliário e do agronegócio respondem por R$ 6,56 bilhões das renúncias de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).
No mercado, o momento mais difícil para os fundos (especialmente a categoria dos multimercados), com uma onda de resgates no ano passado, ajudou a aumentar a pressão sobre os investimentos isentos. Num cenário de juros ainda em dois dígitos no Brasil, gestores passaram a militar contra o que entendiam como uma concorrência desleal desses ativos.
“Chegamos a mais de R$ 1 trilhão de [estoque de] títulos [isentos]. O crédito imobiliário real e do agronegócio real não chega a esse volume”, pontuou a fonte da equipe econômica. “Era uma situação que precisava de um freio de arrumação”, resumiu.
Segundo ela, em geral, a reação à medida tem sido positiva – inclusive entre aqueles que foram afetados pelas restrições. “Muita gente reconhece que o objetivo do incentivo fiscal estava sendo desvirtuado”, disse.
“Houve uma compreensão de que a medida era justa e adequada e que, se nada fosse feito, chegaríamos a um nível de renúncia fiscal absurdo. Todo o mercado migraria para isso e não teríamos mais tributação de renda fixa no Brasil”, argumentou.
O governo espera que as medidas produzam um encolhimento no mercado de títulos isentos – e um impacto fiscal “significativo”, que ainda está sendo calculado pela Receita Federal. Apesar disso, a avaliação é que os ganhos de eficiência para a política pública com as mudanças introduzidas pelas duas resoluções do CMN farão com que os setores beneficiados não percam recursos.
Como disse um player deste mercado, a expectativa é que as empresas “puro sangue” do agro e do mercado imobiliário possam finalmente “beber água limpa”.
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