“Argentinos mais poderosos do mundo” se reúnem no Vaticano após troca de farpas
Javier Milei estava no meio de sua primeira entrevista televisiva como presidente eleito da Argentina quando um conselheiro lhe entregou inesperadamente um telefone celular. As câmeras pararam de filmar. O Papa Francisco estava na linha.
Os dois argentinos mais poderosos do mundo trocaram farpas durante a eleição que Milei venceu de forma esmagadora em novembro passado. O desbocado economista libertário referiu-se ao papa como um “esquerdista imundo” e “o homem do diabo na Terra”, acusando-o de interferir na política de sua nação profundamente católica. O papa, por sua vez, aproveitou uma entrevista na televisão antes das eleições para alertar contra “salvadores sem passado” como Adolf Hitler, comentários que Milei considerou como um insulto pessoal.
Mas a ligação, que o conselheiro de Milei, Ramiro Marra, contou recentemente à Bloomberg News, foi conciliatória e de congratulações, e deu início a um recuo que culminará quando eles se encontrarem pela primeira vez esta semana.
Milei sentou-se na primeira fila da Basílica de São Pedro neste domingo (11), enquanto Francisco canonizava a primeira santa da Argentina. Milei fez o sinal da cruz no início da cerimônia. O presidente e o papa realizarão uma reunião bilateral no Vaticano nesta segunda (12).
“Esse apelo marcou um antes e um depois”, disse Santiago Olivera, bispo militar da Argentina, que participará da missa ao lado do presidente e enfatizou a importância do encontro entre os dois chefes de Estado. “Além de ser argentino e de ser Santo Padre, é um homem que o mundo olha com grande devoção”.
Assim como o próprio presidente, a visita de Milei ao Vaticano não é convencional – e até inesperada. O líder libertário que subiu ao poder graças à inflação galopante embarcou numa longa viagem ao exterior em meio à tensas negociações legislativas sobre a sua proposta para reformar a economia atingida pela crise. Na semana passada, a oposição no Congresso incendiou o plano, forçando Milei a arquivá-lo.
Mas o encontro com o papa, cujo status de primeiro pontífice latino-americano lhe confere peso político, especialmente entre a população mais pobre do seu país natal, também poderá conferir ao presidente o tão necessário capital político num momento crucial. Milei enfrentou uma greve nacional mesmo antes de o Congresso ter descarrilado o seu projeto de lei, e agora enfrenta projeções de sofrimento econômico adicional como resultado da “terapia de choque” de austeridade que ele prescreveu.
“Esta é uma tentativa de normalizar relações internacionais pouco inteligentes em nome do governo”, disse Juan Negri, diretor de ciência política da Universidade Torcuato Di Tella, em Buenos Aires. “A Igreja atinge os níveis mais profundos da sociedade argentina, num contexto de elevada tensão social e de muita pobreza”.
Milei fez aberturas para outros alvos de sua ira de campanha desde que venceu as eleições, suavizando as críticas à China e ao Brasil – os dois maiores parceiros comerciais da Argentina. Mas a escolha de visitar Francisco é uma mudança consideravelmente maior, e outra na qual a fé de Milei desempenha um papel central na sua abordagem geopolítica.
Ela acontece após a viagem da semana passada a Israel, onde Milei prometeu transferir a embaixada da Argentina para Jerusalém e dançou ao lado de rabinos no Muro das Lamentações. Milei é católico, mas diz que pretende converter-se ao judaísmo e prometeu fortalecer os laços com Israel, mesmo em meio às crescentes críticas internacionais à guerra em curso em Gaza, especialmente por parte dos seus vizinhos latino-americanos.
“O pragmatismo de Milei no cenário internacional está muito mais relacionado à espiritualidade do que à realpolitik”, disse Camila Perochena, analista política e comentarista de televisão. “Ele não vai para o Brasil ou para a China.”
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