PF quer explicações de Cid por “lacunas” em delação; ex-auxiliar de Bolsonaro pode perder benefícios
Ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid corre o risco de perder os benefícios da delação premiada firmada com a Polícia Federal (PF), após terem sido constatadas lacunas na colaboração durante as investigações sobre a tentativa de golpe de Estado, disseram à Reuters duas fontes da corporação com conhecimento do caso.
Um dos buracos na delação é que Cid não relatou ter oferecido R$ 100 mil a um militar para ajudar na ida de pessoas à Brasília, para protestar contra o resultado das eleições, em novembro de 2022, segundo as fontes. A PF descobriu a oferta de recursos quando teve acesso à troca de mensagens de Cid com o militar.
Segundo a polícia, há indícios de que esses recursos poderiam ser usados também para custear o emprego de uma força militar especial para dar um golpe contra o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de forma a manter Bolsonaro no poder.
Outro fato não revelado pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, conforme as duas fontes, foi o vídeo, encontrado pela PF nos arquivos de Cid, de uma reunião ministerial em julho de 2022, em que Bolsonaro cobrou que seus auxiliares diretos agissem antes das eleições de outubro e propôs elaborar uma nota conjunta com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em uma tentativa para angariar credibilidade a questionamentos infundados sobre fraude nas urnas eletrônicas.
“Tem muita coisa que apareceu na investigação que o Cid não tinha apresentado e vamos atrás disso”, disse essa fonte. “Se ele não esclarecer esses pontos e outros, o colaborador poderá sim perder os benefícios”, reforçou outra fonte do alto comando da PF. Ele disse também que, em breve, Cid será convocado a depor para explicar as “várias” lacunas do caso.
Procurado, o advogado do ex-ajudante de ordens, Cézar Bittencourt, não respondeu de imediato a pedido de comentário. Em entrevista à Folha de S.Paulo, após a operação da PF na semana passada, o defensor disse que foi erro da PF não ter perguntado tudo que queria saber a Cid.
“Quem tem de perguntar são as autoridades. Se você quer saber, eles fazem um rol de perguntas, centenas delas. Por horas e horas, lá, dando depoimentos. Eu vou lembrar? Vou ter que lembrar de detalhes de uma coisa?”, questionou Bittencourt. “Quem tem que lembrar é quem investiga. Chama-se investigação. Eles investigam. Se alguém errou, falhou, foram eles”.
Sobre o vídeo da reunião de Bolsonaro com ministros, uma das fontes da PF disse que houve acesso ao material a partir de um e-mail vinculado a Cid. A corporação, conforme a fonte, não sabe se foi ele próprio quem acessou ou se alguém se valeu da senha dele.
Uma versão editada do vídeo, com a supressão de trechos polêmicos da fala de Bolsonaro e auxiliares, chegou a ser veiculada nas redes sociais e foi usada por bolsonaristas para minimizar as declarações do então presidente.
Delação premiada
O ex-auxiliar de Bolsonaro foi preso em maio do ano passado, durante uma operação da PF que investigava fraudes na carteira de vacinação do ex-presidente e de aliados. Após prestar três depoimentos, Cid fechou um acordo de delação com a polícia. A colaboração foi homologada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em setembro.
O militar foi então colocado em liberdade provisória por Moraes, que impôs uma série de condicionantes, como uso de tornozeleira eletrônica e se apresentar semanalmente à Justiça.
Ao final do processo, se a colaboração de Cid for julgada adequada, ele poderá ter uma redução ou até mesmo extinção da pena, mas o benefício dependerá da avaliação da Justiça, com base na opinião dos investigadores, de quanto sua contribuição ajudou de fato.
Segundo uma das fontes da PF, a delação de Cid ajudou, mas não foi essencial, para a operação deflagrada neste mês. A corporação cumpriu mandados de busca e apreensão contra Bolsonaro e quatro ex-ministros de seu governo por suspeita de tentativa de golpe de Estado.
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