Como um gênio pode ser tão ingênuo? Livros tentam decifrar compra do Twitter por Musk
Por Gary Sernovitz*
Bloomberg — Todos já conhecem o resumo da história: Elon Musk adorava tuitar, viu seu patrimônio líquido quintuplicar em dois anos para US$ 250 bilhões com o valor crescente da Tesla e da SpaceX, comprou casualmente 9% das ações do Twitter em abril de 2022, concordou em fazer parte do conselho, ficou irritado com o conselho, fez uma oferta (com um preço de brincadeira) para fechar o capital da firma, tentou desistir quando percebeu que pagou demais e comprou a firma quando percebeu que devia.
Em seguida, Musk fez declarações sobre a importância da rede social para o futuro da liberdade de expressão, entrou na sede do Twitter carregando uma pia, demitiu a maioria dos funcionários, deparou-se com os mesmos velhos problemas de moderação de conteúdo, tornou-se muito mais direitista e construiu uma plataforma com menos anunciantes, menos usada, mais cheia de bugs — e, no final das contas, a rede social não se chamava mais Twitter, mas sim X.
Os livros sobre uma história tão amplamente coberta em tempo real têm o desafio de fornecer mais do que esse resumo. Eles também enfrentam a questão central que todos os interessado em acompanhar a trajetória de Elon Musk tentam responder: como um gênio pode ser tão ingênuo?
Três livros publicados neste ano se apresentam como capazes de enfrentar o desafio: Limite de caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter, dos repórteres Ryan Mac e Kate Conger; Extremely Hardcore: Inside Elon Musk’s Twitter, de Zoë Schiffer; e Battle for the Bird: Jack Dorsey, Elon Musk, and the $44 Billion Fight for Twitter’s Soul, de Kurt Wagner, da Bloomberg. Os dois últimos não têm edição brasileira.
Cada livro tem seus pontos fortes: Schiffer tem mais raiva, e faz retratos mais completos das pessoas que trabalhavam no Twitter quando Musk chegou; Wagner tem mais sentimento, foca em Musk e na liderança zen esquisita de Jack Dorsey e no que o Twitter poderia ter sido; Conger e Mac têm as fofocas financeiras mais divertidas.
Há uma diversão sombria ao longo dos livros, mas não há um enredo sinuoso: as coisas começaram ruins, e depois pioraram.
Limite de Caracteres detalha cenas chocantes de amigos e seguidores de Musk, sem cargos claros no Twitter ou mesmo sem trabalhar claramente na firma, fazendo exigências aos funcionários em telefonemas e reuniões. (O membro mais onipresente do grupo tinha dois anos: o filho de Musk, também chamado X).
Todos os três livros retratam a redução de pessoal do Twitter, desde um expurgo inicial desleixado de cerca de 3.000 funcionários e 4.000 terceirizados até Musk demitir funcionários à queima-roupa porque não gostou, por exemplo, dos dados apresentados sobre o declínio da popularidade de seus tuítes.
Ainda é surpreendente como uma aquisição de US$ 44 bilhões, com consultoria do Morgan Stanley e financiamento de instituições de bom senso como a Fidelity, pode ser tão descuidada em termos de execução e estrutura. Musk e sua equipe renunciaram a todos os processos de due dilligence no Twitter, ofereceram um acordo de compra favorável ao vendedor antes mesmo de serem solicitados e contraíram US$ 13 bilhões em dívidas para uma firma que havia gerado US$ 36 milhões de Ebitda no último trimestre em que ela tinha capital aberto.
A Bloomberg estima que o investimento pessoal de mais de US$ 25 bilhões de Musk no Twitter vale agora menos de US$ 6 bilhões.
O que ele estava pensando? Todos os livros sobre o Twitter apresentam teorias, principalmente na superfície. “Musk passou a amar o Twitter”, escrevem Conger e Mac, “e acreditava que as pessoas que o administravam haviam desviado a plataforma do caminho. Ele iria fazê-las pagar”.
Os livros deixam a cargo do leitor atribuir esse amor vingativo a alguma combinação de psicologia, farmacologia, arrogância e dinheiro. Mais recentemente, a maioria dos leitores acrescentaria uma explicação política: de acordo com uma análise do Wall Street Journal, Musk postou uma média de 61 vezes por dia este ano, e grande parte das mensagens tem conteúdo em apoio a Donald Trump. No entanto, os livros, em sua maioria, rejeitam a teoria de Musk como uma grande figura histórica.
O empresário é descrito mais com um Napoleão em Guerra e Paz, no qual Tolstoi se diverte em torná-lo pequeno e se deleita com as ironias dos limites de seu poder. A aquisição do Twitter parece ser a marcha de Musk em direção ao inverno de Moscou. Nada do que ele tenta parece funcionar. Isso é satisfatório em muitos níveis. Mas também dificulta a compreensão de como um gênio pode ser tão ingênuo, se Musk for apresentado como completamente ingênuo, sem nenhuma genialidade.
Portanto, temos de olhar para as biografias sobre Musk, que o tratam como uma grande personalidade: Elon Musk, de Walter Isaacson, de 2023, e Elon Musk: Como o CEO bilionário da SpaceX e da Tesla está moldando o nosso futuro, de Ashlee Vance, da Bloomberg, publicado em 2015.
Nenhum dos livros retrata Musk uma grande figura da história, com certeza, nem defende suas ações mais indefensáveis. Mas ambos os autores admiram claramente a força e a genialidade de Musk. E eles nos lembram por que estamos interessados em Elon Musk: suas realizações antes do Twitter; sua vida antes que o pacote de remuneração da Tesla abrisse o mundo de uma forma que só US$ 250 bilhões de dólares pode fazer; o que o fez ter sucesso.
Os dois livros detalham os sucessos de Musk. Eles estão enraizados na ciência dos materiais, lidando com a física de peças de automóveis, foguetes, robôs e vias neurais.
Ambos os livros retornam a um tema principal: a impiedosa engenharia de custos de Musk, seus esforços para “excluir, excluir, excluir” peças desnecessárias e a sabedoria recebida e a inércia avessa ao risco.
Foi isso que permitiu que ele criasse firmas de manufatura vencedoras – nos Estados Unidos, entre todos os lugares – em setores altamente regulamentados e antiquados. Suas firmas superaram momentos de quase morte por causa da liderança física de Musk como um soldado-general, demitindo os desocupados, andando na linha de montagem, suportando a dor com as tropas, dormindo na linha, mobilizando-as com sua aceitação do risco – de uma decisão, de perder tudo.
Isaacson descreveu Musk na fábrica subotimizada da Tesla em Fremont, em 2018: “Um dia, depois de ficar em silêncio na frente de um conjunto de máquinas com problemas por alguns minutos, Musk tentou fazer a tarefa com suas próprias mãos. Era fácil para um ser humano. Ele deu uma ordem… ‘ tem setenta e duas horas para remover todas as máquinas desnecessárias’.” Ashlee Vance, convencido da implacabilidade e da “força de vontade” quase inigualáveis de Musk, cita Musk perto do final de seu livro: “O que importa para mim é vencer, e não de uma forma pequena”.
Em ambos os pontos de vista, vemos o gênio personificado de Musk tão parecido com o de um atleta – uma Caitlin Clark ou um LeBron James – quanto com o de um Steve Jobs. Em um ensaio de 30 anos atrás sobre estrela do tênis Tracy Austin, David Foster Wallace refletiu sobre o “verdadeiro mistério” dos grandes atletas e “se tal pessoa é um idiota ou um místico ou ambos e/ou nenhum”.
Foster Wallace concluiu: “aqueles que recebem e colocam em prática o dom do gênio atlético devem, forçosamente, ser cegos e burros em relação a ele – e não porque a cegueira e a burrice sejam o preço do dom, mas porque são sua essência”.
Queremos atribuir alguma estratégia ou visão à compra do Twitter por Musk. No entanto, esse pode não ser o tipo de gênio com o qual estamos lidando. “O verdadeiro segredo por trás da genialidade dos atletas de ponta”, escreveu Foster Wallace, “pode ser tão esotérico, óbvio, monótono e profundo quanto o próprio silêncio.
A resposta real e muito velada para as perguntas sobre o que se passa na mente de um grande jogador quando ele está no centro do barulho hostil da multidão e marca o lance livre que decidirá o jogo pode muito bem ser: ‘nada’”.
Musk é um gênio, mas talvez, quando ele enviou uma mensagem de texto concisa ao CEO do Twitter dizendo que queria comprar a firma e fechar o capital – enviada enquanto ele estava na ilha havaiana de Larry Ellison, pouco depois das 5 da manhã, após uma noite sem dormir -, ele não estivesse pensando em nada.
E talvez o principal motivo de seu lance livre ter sido tão longe do alvo seja uma ironia central, uma ironia tolstoiana: Elon Musk, um gênio do mundo físico, comprou uma firma construída para palavras.
* Gary Sernovitz é escritor e managing director de uma firma de private equity. Ele publicou quatro livros, sendo o mais recente The Counting House, um romance sobre o diretor de investimentos de um fundo de doações universitário.
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Autor: Bloomberg