A febre dos apartamentos estúdio se tornou uma bolha?
Quem tem menos de 30 anos talvez nunca tenha ouvido falar do termo quitinete. Mas certamente conhece os apartamentos estúdios – ou “studios”, na grafia em inglês, que é como maior parte das incorporadoras anuncia seus lançamentos. Pois são, rigorosamente, a mesma coisa: apartamentos de dimensões reduzidas, voltados, em geral, a solteiros e casais sem filhos.
Com essa nova roupagem, investir em estúdios se tornou uma febre em mercados como São Paulo e Rio de Janeiro. O problema é que a temperatura tem subido demais e ameaça inflar bolhas nesse segmento. Isso pode ocorrer devido ao excesso de lançamentos em regiões longe dos bairros mais procurados e com menor demanda por compra, venda e locação.
A capital paulista, o maior mercado imobiliário do país, reflete essa tendência. Os dados do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) ilustram bem o movimento. De 2016 a 2024, a oferta de estúdios, unidades com menos de 45 m², saltou de pouco mais de 7 mil unidades por ano para 52 mil. O segmento cresceu mais de sete vezes em oito anos.
Os estúdios têm, tipicamente, entre 20m² e 40 m². Isso significa que, no espaço dos menores, você consegue estacionar dois Jeeps Compass e uma moto. Com a febre dos estúdios, o mercado passou a investir em unidades ainda menores, como os microapartamentos de 10 m de um edfiício lançado em 2022 no bairro de Santa Cecília, na região central de São Paulo.
Na área desse diminuto imóvel, cabem duas camas king sizes lado a lado. Ou um Jeep Compass. Sim, o espaço é pouco maior que uma vaga de garagem para veículos médios.
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O conceito de quitinete caiu no esquecimento a partir dos anos 1990, quando começou a febre dos flats no Brasil. Esses, por sua vez, também foram uma espécie de releitura da ideia de apartamentos compactos, mas com a diferença de adicionar serviços mais comuns a hotéis, como camareira e lavanderia.
Mas o mercado imobiliário é cíclico. Com a falta de terrenos e a escalada dos preços do metro quadrado nas grandes cidades brasileiras, as incorporadoras passaram a lançar apartamentos cada vez menores. Como propaganda é a alma do negócio, esses apartamentos compactos foram rebatizados de estúdios.
A expansão acelerada reacendeu o medo de que a febre dos estúdios possa se tornar uma bolha, como ocorreu com os flats há 20 anos. O segmento desmoronou no início dos anos 2000, quando o valor dos imóveis chegou a cair 75%. Um flat comprado em 2000 por R$ 250 mil chegou a ser vendido por R$ 60 mil três anos depois.
A economista e cientista de dados do DataZap, Paula Reis Kasmirski, acredita não haver ainda uma bolha no mercado dos estúdios. “Mas o excesso de lançamentos é um ponto de preocupação.” As capitais de São Paulo e Rio de Janeiro têm falta de terrenos e essa característica impulsiona a construção de unidade de menor porte nas áreas nobres.
Para Ariel Frankel, CEO da Vitacon, uma construtora que aposta na tese dos estúdios como forma de investimento, o mercado passou por uma banalização desse tipo de imóvel. Apartamentos compactos, para serem atrativos, têm de estar bem localizados, ou seja, em regiões com infraestrutura de serviços, próximos ao metrô ou a corredores de ônibus e de atrações culturais, como parques e locais de eventos.
O problema, conforme o executivo, é que tem havido uma quantidade de lançamentos com critérios duvidosos na capital paulista. “Um studio perto do Allianz Parque [um dos principais locais de shows de São Paulo] nunca vai ser um mal negócio”, exemplifica.
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Em São Paulo, um dos fatores por trás do crescimento dos estúdios é o antigo Plano Diretor da cidade, que permitia a abertura de vagas extras de garagem para prédios que misturassem estúdios e apartamentos tradicionais. Com a atualização da lei em 2023, o benefício foi revisto e esse tipo de incentivo deixou de existir.
O CEO da Lopes Condovel, Carlos Berzoti, enxerga excesso na oferta dos estúdios em São Paulo. “Já vemos proprietários tendo de reduzir entre 10% e 15% o valor de aluguel desses apartamentos.” O especialista avalia, porém, ainda haver atratividade no segmento.
Berzoti compara o movimento a um outro ocorrido por volta da década de 2010. Na época, as salas comerciais atraíram a atenção de muitos investidores em busca de ganhos com a valorização. “Essas pequenas unidades, feitas para profissionais autônomos e microfirmas viraram febre há uns dez anos.”
O CEO da Lopes Condovel lembra que houve muitos lançamentos em regiões sem procura por imóveis comerciais. “Vários empreendimentos ficaram vazios depois de entregue. Não chegou a ser uma bolha, mas muita gente teve prejuízo.”
O coordenador do índice FipeZap, Alisson Oliveira, ressalta ainda haver poucos sinais de excesso de oferta no segmento. “Mas é uma questão a ser monitorada.” O economista explica haver diferenças entre o momento atual dos estúdios e as crises passadas, como a dos flats.
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Quem investe em estúdios hoje está de olho no mercado de locação por temporada, sustentado por plataformas como o Airbnb. “Então, se vai ter um problema ou não, depende de fatores sazonais, como a demanda por turismo e por morar nesse tipo de imóvel.”
O interesse em alugar para temporadas foi uma das motivações para a jornalista Sueli Carvalho (nome fictício) adquirir dois estúdios, um de 42 m2 e outro de 48 m2, no bairro de Moema, em São Paulo. “Foi uma oportunidade, comprei na planta para colocar no Airbnb. Penso no retorno monetário, mas também como uma renda para minha aposentadoria.”
A investidora explica que a própria incorporadora oferece um serviço para administrar as unidades em um “pool” de locação de curto prazo. “Eles listam no Airbnb e outros serviços e fazem a publicidade.”
Sobre o risco de o mercado ficar saturado, Carvalho afirma ter algum receio, mas aposta na localização de seus estúdios como um colete à prova de crise. “É um dos bairros mais desejados da cidade, tem uma ótima infraestrutura, fica perto do aeroporto e tem acesso fácil ao metrô.”
Muitos edifícios de estúdios trazem facilidades que tornam a moradia mais atrativa. Os empreendimentos oferecem lavanderia comunitária, espaços de co-working e até carros compartilhados.
A temperatura no mercado de estúdios ainda está em elevação. Talvez não exista uma bolha generalizada, mas, pela própria experiência do setor, algumas bolhas podem se formar em regiões específicas, como no caso das salas comerciais que foram lançadas em bairros sem demanda. E o setor precisa tomar cuidado para que a febre não se torne uma epidemia.
(Colaborou Rikardy Tooge)
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Autor: Sérgio Tauhata