Carrefour x frigoríficos: entenda como o Acordo Mercosul-UE desencadeou crise
Uma declaração do CEO global do Carrefour (CRFB3), Alexandre Bompard, sobre a suspensão da compra de carne do Mercosul provocou reações intensas no setor agropecuário brasileiro. Quase uma semana depois, na terça (26) o pedido de desculpas do executivo chegou em uma carta endereçada ao Ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Carlos Fávaro, gerando uma reação de apaziguamento às entidades do setor.
O início da crise envolvendo o Carrefour com os frigoríficos brasileiros se deu durante a Cúpula do G20. O encontro entre as maiores lideranças mundiais trouxe à luz o futuro do Acordo Mercosul-União Europeia. Em meio a uma negociação que se estende por décadas, o tratado enfrenta resistência de países como a França, que condiciona sua aprovação a exigências ambientais mais rigorosas.
Por lá, os produtores protestaram sob o temor de perderem mercado com a facilitação das exportações da carne sul-americana, pressionando firmas como o Carrefour. No entanto, especialistas e representantes do setor criticam a postura do CEO global, classificando-a como infundada e protecionista.
Foi em uma carta destinada ao presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores Franceses (FNSEA), Arnaud Rousseau, que Bompard “assumiu o compromisso” de não comercializar carnes provenientes do Mercosul devido ao “risco de inundação do mercado francês com carne que não atende às suas exigências e normas”.
Acordo comercial, leis ambientais e o agro francês
Embora o boicote dos frigoríficos brasileiros ao Carrefour tenha pressionado o grupo a pedir desculpas, a nota deixa de especificar quais seriam as “exigências e normas” não atendidas apontadas pelo CEO global. Leonardo Munhoz, professor e pesquisador do Centro de Bioeconomia da FGV Agro, destaca que não há embasamento que sustente essa alegação.
“A legislação ambiental brasileira, junto ao Código Florestal, é muito mais rígida do que a de muitos países da União Europeia, incluindo a França”
Munhoz ainda frisa que a carne exportada pelo Brasil já atende a padrões mais rígidos do que aqueles praticados internamente em países europeus. “A declaração inicial do Carrefour foi irresponsável, sem embasamento técnico e baseada em desinformação, o que gerou essa retaliação.”
No entanto, há um pano de fundo que traz o contexto do posicionamento adotado pelo grupo supermercadista. Um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia deve expor o produtor europeu à competitividade do agro brasileiro. “O setor agropecuário europeu, especialmente o francês, sempre foi protegido por subsídios e regulamentações mais flexíveis”, aponta o pesquisador da FGV Agro.
Não por acaso, o acordo, que está em negociação há mais de 20 anos, enfrenta resistência liderada pelo lobby agrícola francês. Ainda assim, a discussão entre os dois blocos deve se estender. Afinal, o assunto voltou a esquentar com o G20, na última semana, com outros países europeus, como a Alemanha, declarando interesse em concluir o acordo.
Pedido de desculpas do Carrefour
Na publicação que deu início à crise entre o Carrefour e os frigoríficos brasileiros, o CEO global do grupo disse esperar inspirar outros atores do setor agroalimentar. “E impulsionar um movimento mais amplo de solidariedade, além do papel da distribuição, que já lidera a luta em favor da origem francesa da carne que comercializa”, disse Bompard. O texto original, em francês, pode ser conferido abaixo.
Par solidarité avec le monde agricole, Carrefour prend l’engagement de ne commercialiser aucune viande en provenance du Mercosur. Tel est le sens de mon message aux présidents des syndicats agricoles. pic.twitter.com/bGo3ttA7Yt
— Alexandre Bompard (@bompard) November 20, 2024
https://platform.twitter.com/widgets.js
Na terça-feira (26), o Carrefour, por meio de comunicado da matriz francesa, disse que compra a carne que vende na França quase exclusivamente de produtores locais. Já a carne vendida no Brasil vem dos pecuaristas brasileiros.
“Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas”, diz a nota assinada por Bompard ao ministro Carlos Fávaro.
Em resposta, o ministro afirmou nesta terça-feira (26), que o CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, se corrigiu em tempo. “Episódio superado”, declarou a jornalistas. A mesma reação positiva foi apresentada pelas associações ligadas ao setor do agronegócio.
“A agroindústria no Brasil recebe com satisfação o pedido de desculpas e o reconhecimento da excelência do produto e do produtor brasileiro por parte do CEO Global do Carrefour. Esperamos que, com isso, as operações da rede francesa sejam restabelecidas”, diz a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
À CNN, o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, disse que a crise foi apaziguada. “Foi uma fala infeliz e que é baseada em um protecionismo arcaico e retrógrado dos produtores franceses”, disse.
O InfoMoney tentou contato com a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e com a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), mas não teve retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto para que as entidades se pronunciem.
Proteção ambiental ou protecionismo comercial?
Para Leonardo Munhoz, professor e pesquisador da FGV Agro, o episódio não deve causar grandes impactos ao agronegócio brasileiro — tanto por não haver fundamentação na crítica sobre as normas, quanto pelo fato de o consumo europeu responder por menos de 5% das exportações da carne brasileira.
“Essa decisão do Carrefour da França pouco afeta o agro brasileiro como um todo”
O pesquisador diz esperar que o boicote dos frigoríficos ao grupo francês abra um precedente para que as firmas europeias sejam mais cuidadosas ao criticarem a produção brasileira com base na proteção ambiental. Há um mês, foi a Danone francesa que declarou que não compraria a soja brasileira por priorizar “ingredientes sustentáveis”.
“Assim como o Carrefour, a Danone não especificou quais normas ou regras o Brasil supostamente não cumpre, num ‘protecionismo’ ao produtor local”, diz Munhoz. Ainda assim, um ponto de alerta para o agro brasileiro será a Regulamentação Europeia sobre Desmatamento (EUDR), que entra em vigor em 2026. “O Brasil está à frente em termos de leis ambientais, mas precisará implementar sistemas de rastreamento mais eficientes no caso da produção de soja.”
The post Carrefour x frigoríficos: entenda como o Acordo Mercosul-UE desencadeou crise appeared first on InfoMoney.
O que achou dessa notícia? Deixe um comentário abaixo e/ou compartilhe em suas redes sociais. Assim deixaremos mais pessoas por dentro do mundo das finanças, economia e investimentos!
Esta notícia foi originalmente publicada em:
Fonte original
Autor: Janize Colaço