Como o pacote fiscal do governo vai afetar os seus investimentos
Na última quarta-feira (27), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou o tão aguardado pacote fiscal de cortes de gastos. O pronunciamento foi feito às 20h30, em rede nacional de televisão, e foram apresentadas medidas como o estabelecimento de idade mínima para a aposentadoria militar, um limite ao montante global de emendas parlamentares e para o reajuste do salário mínimo, com base nas regras fiscais, além de restrições de acesso ao abono salarial e ao salário de servidores públicos.
- Leia mais: Haddad confirma isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil e promete economia de R$ 70 bi
Segundo o governo, as iniciativas devem gerar uma economia de R$ 70 bilhões aos cofres públicos em dois anos – em linha com o esperado pelo mercado. O principal destaque, entretanto, foi a confirmação das notícias que saíram horas antes sobre o projeto de isenção fiscal de imposto de renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. De acordo com Haddad, a proposta não trará impacto fiscal, já que as pessoas que recebem acima de R$ 50 mil mensais passarão a pagar mais. Essa conta ainda gera dúvidas entre analistas.
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“Temos uma preocupação, porque isso faz com que o governo arrecade menos. Muitos brasileiros entram nessa faixa de isenção”, diz Victor Furtado, Head de Alocação da W1 Capital. “Hoje o mercado, com certeza, deve abrir bem volátil, com os investidores tentando precificar todas essas questões.
Contudo, no geral, não houve grandes surpresas. “O que fica agora é a dúvida quanto à execução do plano apresentado. Acreditamos que existem desafios claros pela frente. Não vemos, por exemplo, mudanças estruturais que possam colocar a dívida pública em uma trajetória mais sustentável no longo prazo”, afirma Marcos Moreira, sócio da WMS Capital.
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Para Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, a ampliação da faixa de isenção do IR atrapalhou o discurso e pode ter tirado o foco das medidas anunciadas, que estão na direção correta. Nos cálculos do estrategista, essa reforma do IR abrirá um buraco de R$ 40 bilhões. “Muito ruim, como sinalização, misturar os dois vetores numa comunicação só. Era para o momento ser focado e direcionado para uma agenda de disciplina fiscal e contenção de gastos”, diz.
Jeff Patzlaff, especialista em mercado de capitais e Planejador monetário CFP®️, é mais enfático. “Acredito que teremos dias difíceis pela frente, tanto na implementação das medidas quanto nos reais resultados destes. O rumor de que iria ter a isenção de imposto de renda até R$ 5 mil já fez o dólar disparar no pregão de hoje, e acredito que o pacote demonstrado por Haddad não vai cobrir o buraco na economia que essas medidas vão deixar”, diz.
Como o novo pacote impacta os investimentos
O pronunciamento de Haddad veio após um dia cheio de volatilidade no mercado monetário. Desde o início da manhã, a expectativa sobre o anúncio do pacote fiscal já pesava sobre os ativos. Contudo, durante a tarde, azedaram de vez o humor dos investidores as informações de que junto aos cortes de gastos, o ministro também anunciaria a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil. O que, de fato, aconteceu.
“Foi inesperado, porque o momento era de redução de gastos. E quando há isenção, isto acaba diminuindo a arrecadação, o que eleva o desequilíbrio fiscal”, afirma Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. No fim do pregão, o dólar chegou a R$ 5,91, o maior valor nominal (sem considerar a inflação) da história. “O anúncio em relação a isenção de IR em relação a quem ganha até R$ 5 mil aumentou o clima de insegurança, que já estava presente devido à demora para a apresentação do pacote de corte de gastos”, pontuou Idean Alves, planejador monetário e especialista em mercado de capitais.
Vale lembrar que a espera pelo pacote de corte de gastos já vinha pressionando os investimentos brasileiros há semanas. A curva de juros futura abriu, com as taxas dos contratos de depósito monetário (DIs) operando acima dos 13%.
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E isso gerou um efeito cascata nos produtos de investimento: o Ibovespa vem de dois meses de desempenhos negativos (setembro e outubro), enquanto o IFIX, o índice de fundos imobiliários da B3, teve seu pior outubro da história. Em novembro, o cenário ainda não se reverteu: o Ibov caminha para fechar o período no vermelho, com desvalorização de 1,58% até o pregão da última quarta. O IFIX também acumula queda de 1,04% nos últimos 27 dias, segundo dados são de Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta. Na outra ponta, os títulos do Tesouro Direto se mantiveram nas máximas, chegando a um nível de retorno real de 7,05% nesta tarde; um verdadeiro “juros de crise”.
Mas a melhor medida para entender o impacto do risco fiscal – e da falta de paciência do mercado com as sinalizações do governo – nos investimentos tem sido o dólar. A cotação da moeda americana disparou 20% entre janeiro e novembro. Como mostramos aqui, a alta do período é a 3ª maior em 15 anos, atrás somente de 2015, quando o dólar subiu 45,28% no auge da crise que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT); e de 2020, primeiro ano da pandemia da covid-19, quando o dólar subiu 43,20% em 10 meses.
Somente em outubro, por exemplo, a divisa escalou mais de 6% sobre o real. Vale lembrar que, na época, o estresse do mercado também foi às máximas com a notícia de que Haddad passaria uma semana daquele mês na Europa. A ausência do ministro no País indicava que as medidas voltadas ao ajuste fiscal demorariam para serem apresentadas e esse clima de insegurança levou o dólar a R$ 5,86, o então segundo maior valor nominal da história. A pressão foi tanta que, a pedido do presidente Lula, Haddad cancelou a viagem para endereçar a pauta fiscal em Brasília.
“A pressão fiscal tem sido um dos principais fatores que influenciam o comportamento do dólar em relação ao real no curto prazo, com o mercado atento às medidas do governo para controlar as contas públicas”, completa Diego Costa, head de câmbio para o Norte e Nordeste da B&T Câmbio.
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Mesmo agora que as medidas para enxugar as despesas já são conhecidas, os analistas ainda esperam alguma volatilidade no mercado. Pelo menos, no curto prazo, à medida que maiores detalhes sobre as propostas sejam levadas a público. “As duas principais vertentes que trarão volatilidade ao mercado (em função das incertezas sobre a aprovação) são as medidas impopulares, como limite ao reajuste real do salário mínimo e alteração na faixa do pagamento ao abono salarial”, afirma Davi Lelis, especialista e sócio da Valor Investimentos.
Cunha, da BGC Liquidez, reforça as incertezas que continuam pairando no mercado. “Ainda existe a desconfiança com o cuidado com o fiscal, porque será feita uma isenção de IR para uma classe que representa boa parte da arrecadação do governo”, afirma. “A taxação de pessoas que ganham R$ 50 mil pode fazer com que mais dinheiro saia do País. Vejo pouco espaço para grandes movimentações no mercado, dado que ainda precisamos aguardar a continuidade das falas.”
O que o mercado queria
A cobrança por medidas voltadas ao corte de gastos públicos não é uma novidade. Desde que o arcabouço fiscal foi apresentado em 2023, economistas apontam que a nova regra depende muito do aumento de receitas e, sem uma contrapartida de redução de despesas, dificilmente as metas estabelecidas para o resultado primário vão ser cumpridas. A preocupação é de que esse descontrole fiscal – despesa superior à arrecadação – aumente o nível de endividamento do País e faça a inflação voltar a crescer.
Desde que o governo começou as sinalizações nessa direção, indicando que entregaria em algum momento um pacote de medidas para viabilizar o arcabouço fiscal, o mercado passou a especular qual tamanho de ajuste seria proposto. Há um mês, o E-Investidor conversou com especialistas para entender qual seria esse “número mágico” que acalmaria os ânimos de investidores e permitira uma leitura de responsabilidade fiscal.
Não houve uma resposta única, mas o entendimento geral era de que o Executivo precisaria entregar duas coisas: um pacote de corte de gastos de ao menos R$ 50 bilhões e algumas correções nas despesas obrigatórias e discricionárias. Leia com detalhes aqui.
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Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, explica de onde vem esse cálculo. O banco tem como estimativa o resultado fiscal em 2025 um déficit de R$ 110 bilhões; isso significa que, para cumprir a meta de déficit zero estabelecida pelo arcabouço, o governo precisaria de um esforço no controle do crescimento das despesas, estimada em quase 3% acima da inflação, ou aprovação de aumento de impostos, mas que tem forte resistência no Congresso. “Uma contenção de gastos próxima de R$ 50 bilhões, se for bem embasada nas correções de irregularidades nas despesas obrigatórias e algumas limitações nas despesas discricionárias, pode ser bem recebida pelo mercado”, afirma.
Mas apenas o corte de gastos não é suficiente. Os especialistas foram unânimes em dizer que mais importante do que a revisão de despesas é o governo apresentar medidas mais estruturantes. Isso porque, se não revisar a estrutura das despesas obrigatórias, um ajuste de contas pontual pode resolver apenas o cenário de curto prazo.
Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo, defendeu na época que um pacote “razoável” de corte de gastos seria na ordem de R$ 60 a R$ 70 bilhões, exatamente do tamanho que foi anunciado. Mas que seria preciso, também, incluir dentro da regra de limite para o aumento de despesas – de 2,5% ao ano mais a inflação do período – custos que, hoje, estão fora desse teto. Está medida, por sua vez, ficou fora do anúncio. “É preciso trazer para dentro da regra os gastos com saúde e educação, que hoje estão fora do teto, e colocar também uma regra de crescimento de benefícios sociais, outros programas que não estão historicamente limitados a 2,5% de crescimento ao ano, para que as principais despesas cresçam numa velocidade compatível com o teto”, explica. “É isso que esperamos.”
O entendimento dos especialistas é de que para resolver o superávit primário em uma janela maior de tempo, de 5 a 10 anos, é preciso desindexar o Orçamento. “A previdência social hoje é indexada ao salário mínimo; os pisos da saúde e educação, indexados ao resultado primário do governo. Ao desindexar, é possível dar maior previsibilidade de que os gastos vão crescer, mas em uma velocidade menor. Para o longo prazo, isso é mais importante do que efetivamente só cortar gastos”, pontua Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos.
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Autor: Luíza Lanza