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Em vez de acalmar seus credores, governo joga gasolina na fogueira da luta de classes

A demonstração de pouco apreço pela sanidade das contas públicas levou o dólar ao hexa (R$ 6) e os juros ao hepta (IPCA+7% nos títulos de inflação, caso do 2029). A NTN-B que vence em 2035 passou de 6,90% – note que isso só aconteceu em 4,4% dos 3.676 dias em que esse título esteve em negociação, desde 2010; a última, há 9 anos, nos apocalípticos estertores do governo Dilma. 

Vamos à maior razão por trás disso. 

Tem se falado bastante da importância que instituições sólidas representam para a construção de nações prósperas – porque esse é o foco do trabalho de Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson, o trio que levou o Nobel de Economia de 2024. 

“Instituições sólidas” são os pilares clássicos das democracias bem sucedidas: poder judiciário independente, imprensa livre, um congresso sério… Você sabe. Mas não é “só” isso. Outra instituição civilizatória é a moeda. Países fortes têm moedas sólidas. 

Dinheiro de Banco Imobiliário

Como o Brasil sabe bem, construir uma moeda sólida é um trabalho de formiguinha. O que garante uma moeda é a confiança do público no valor dela. Quando essa confiança se dissipa, a inflação sai do controle. E o que garante tal segurança? 

Em grande parte, a fé de que o governo manterá a emissão de dinheiro novo sob controle, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença – já que a produção de moeda de forma descontrolada cria hiperinflação (problema que o Brasil viveu de forma aguda nas décadas de 1980 e 1990, quando chegou a viver inflações anuais de mais de 1.000%).

E aí entramos na questão fiscal. Só dá para ter certeza de que a emissão de dinheiro (e a inflação) seguirá sob rédeas curtas quando o Estado, dono das impressoras de dinheiro, cuida de suas próprias contas. Ou seja, evita gastar mais do que arrecada. 

Gastos extras, quando acontecem, são cobertos com dívida que o governo contrai vendendo títulos públicos. Até aí, normal: todo país faz isso. O problema é quando a dívida vai ficando grande demais. Chega um momento em que começa-se a duvidar da capacidade de solvência. Perde-se a confiança de que o governo conseguirá reduzir a dívida com aquilo que arrecada na forma de impostos. 

E cresce a suspeita de que, mais hora menos hora, o governo terá de produzir dinheiro novo para pagar suas dívidas trilionárias – o que transformaria a moeda do país em dinheiro de Banco Imobiliário. Foi o que aconteceu na Argentina. O país ali embaixo passou anos pagando sua dívida interna, em pesos, simplesmente emitindo pesos – e isso destruiu a moeda local.

O que nos leva ao Brasil deste final de 2024.

A insustentável leveza fiscal

Entende-se que uma dívida equivalente a 60% do PIB está num patamar saudável. Há 10 anos, a nossa estava em 56%. Legal. Mas em 2022 ela já tinha chegado a 71,7% – além da linha vermelha.

Seria o momento de fazer esforços fiscais (cortar gastos; aumentar a arrecadação) para trazer as coisas de volta aos eixos. Mas aconteceu precisamente o oposto. A dívida pública passou a crescer em ritmo de país em guerra. No momento, ela está em 78,5% do PIB, e pelas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado dedicado a esse tipo de cálculo, fechar 2024 em 80%.

Seria o momento de o governo anunciar um pacote sólido de cortes de gastos; sinalizar que, sim, sabe que a manutenção da fé nas contas públicas é essencial. Mas não. Haddad acenou com um pacote tímido. 

E pior.

Robin Hood trapalhão

O governo acabou transformando o tão aguardado momento do anúncio dos cortes na notícia de uma renúncia fiscal: sim, a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil – em troca de um “imposto mínimo” de 10% sobre quem ganha mais de R$ 50 mil em forma de lucros e dividendos, e não paga impostos por isso na pessoa física (ainda que o faça na jurídica, mas essa é outra história).

A medida, em si, tem seu tom civilizatório, dada a violência da desigualdade por aqui: 92% dos declarantes de IR no Brasil ganham menos de R$ 5 mil.

Mas tudo indica que o governo queimou a largada. Usou um momento em que deveria acalmar o mercado (que é o credor de sua dívida) para fazer seu anúncio de “transferência de renda” – sem deixar claro se o impacto de R$ 35 bilhões nas contas tem mesmo como ser anulado pelo eventual imposto mínimo para o topo da pirâmide. 

Ou seja: transformou algo que deveria ser uma medida técnica, em prol de uma instituição essencial (a moeda), num episódio de luta de classes. 

É natural que um governo de centro-esquerda tenha como foco a parte Robin Hood. Mas ele vestiu a fantasia na hora errada: num momento em que Nottingham (a cidade de Robin) está pegando fogo.

Haja fogo, com o dólar lá em cima e os juros testando novos limites. Na essência, é o medo de que o descaso fiscal acabe transformando nossa moeda em dinheiro de Banco Imobiliário. De novo.

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Esta notícia foi originalmente publicada em:
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Autor: Alexandre Versignassi

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