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Milei, ano 2: O que vem por aí na Argentina do presidente libertário

Milei, ano 2: O que vem por aí na Argentina do presidente libertário

Javier Milei assumiu a Casa Rosada em 10 de dezembro de 2023 com o desafio de resolver a crise econômica do país em um mandato. O primeiro ano chega ao fim com a Argentina dividida em duas: de um lado se tem contas públicas enxugadas, inflação descendente, balança comercial superavitária, reservas em dólares maiores e câmbio controlado; do outro, há mais da metade da população na pobreza, aumento da desigualdade, comércio local estagnado, desemprego maior e atividade em contração. 

Essa dualidade impede uma avaliação direta sobre se a Argentina está ou não melhor agora do que um ano antes, segundo as fontes ouvidas pelo InfoMoney.  Em muitos aspectos elas afirmam que dá para dizer que houve melhorias, mas essa não é uma resposta que pode se estender para o cenário como um todo. A grande questão agora é: o que esperar do ano dois de Milei?  

Alguns dos pontos trabalhados em 2024 devem ser aprofundados no segundo ano de mandato do libertário, mas não há clareza sobre até onde Milei conseguirá ir. Três temas devem guiar as ações do presidente da Argentina em 2025, todos com grande potencial de repercussão interna e externa. 

O tal do cepo 

O grande tema para Javier Milei em 2025 é a liberação do controle cambial, chamado de cepo. O Ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, já anunciou que a saída do controle acontecerá em 2025, mas não deixou claro em que momento isso aconteceria. 

O cepo cambial é um conjunto de restrições que limitam a compra de dólares dentro do país, mas também restringem a movimentação de capitais para fora. O controle foi imposto em 2011 para evitar a fuga de dólares em meio à crise econômica e a falta de reservas da moeda estrangeira no banco central argentino. Um exemplo de restrição é o limite de compra de US$ 200 por mês para pessoas físicas, com um imposto de 60%. O cepo também impede que firmas transfiram dólares para o exterior ou paguem dívidas com a moeda externa. 

O cepo faz parte das medidas-base que permitiram a desaceleração da inflação na Argentina neste último ano. As restrições junto com a desvalorização do câmbio ajudaram a aumentar as reservas em dólar e a controlar a variação de preços locais. Em outubro, a inflação foi de 2,7% – a menor taxa mensal desde 2021. No acumulado do ano, chegou a 107% e deve terminar 2024 entre 115% e 120% – metade da estimativa do mercado, de 227%. 

A retirada desse controle cambial é importante para melhorar o ambiente de negócios com a livre circulação do dinheiro, porém, por ser o alicerce da política fiscal que está melhorando a economia do país, a saída do cepo não é simples. Adriana Dupita, economista-chefe de mercados emergentes da Bloomberg, afirma que a principal condição para liberação é a Argentina atingir um valor mínimo de reservas cambiais em dólar. 

Fonte: Instituto Nacional de Estadística y Censos (INDEC) e Trading Economics

“Não é um problema trivial. Segundo o FMI, a Argentina precisa de US$ 47 bilhões em reservas. Atualmente, se estima que o país tenha US$ 31 bilhões. Se não chegar nesse valor mínimo, a liberação do cepo pode significar mais uma fuga de capitais ou um outro remédio amargo, que é o aumento do juros para manter a atratividade do investimento no país”, diz Dupita. 

Há um mês os juros caíram para 35%. Um ano atrás, as taxas saíram do pico de 133% para 100%, passando por mais ajustes conforme a inflação também diminuía o ritmo ao longo de 2024. Com a economia em recessão devido à fraqueza doméstica, o objetivo do governo é continuar cortando os juros. Logo, a prioridade é a reserva em dólares, mas Cristian Riom, analista argentino de política internacional, vê dificuldades nesta opção.  

“Alcançar o volume de reservas adequado é complicado por diversas situações. Primeiro, é difícil que o capital venha do exterior, a situação ainda não é tão boa assim. Agora se fala de um provável empréstimo do FMI. Acredito que Milei conseguirá algum acordo. Devemos conseguir capital e financiamento, mas não o montante que a Argentina necessita para sair rapidamente do controle”, disse em entrevista ao InfoMoney.

Teste de popularidade 

A decisão pela saída do cepo também passa por outro tema fundamental para o presidente Milei em 2025: as eleições legislativas. Em 2025, a população irá escolher os próximos integrantes do Congresso, e as eleições podem fortalecer a presidência se Milei conseguir mais aliados. 

Para isso, economia melhor e popularidade são importantes. “A diminuição da taxa de inflação dá ao governo uma margem interessante para manter certos níveis de aceitação popular”, diz Riom. Mas uma saída tempestuosa do cepo pode prejudicar essa imagem. 

Segundo Dupita, a liberação do cepo pode resultar em um repique de desvalorização do peso e um aumento da inflação no curto prazo. “Pode ser que tenha alguma volatilidade, de apreciação ou depreciação. A questão é, caso haja depreciação, é melhor que isso aconteça depois das eleições de outubro, não antes, já que a inflação é um tema que fala alto para o coração do eleitor argentino”, diz a economista. 

A aprovação dos argentinos ao governo de Milei subiu para cerca de 47% em novembro, em comparação com 43% no mês anterior, de acordo com o LatAm Pulse, uma pesquisa realizada pela AtlasIntel para a Bloomberg News. O analista argentino Cristian Riom acredita que o presidente poderá corrigir pela inflação os poucos subsídios que o governo continua pagando para a população mais pobre na intenção de conseguir apoio para a eleição, mas não espera esforços adicionais. 

Imagem de nota de 100 dólares com foto do presidente da Argentina, Javier Milei – 16/11/2023 (Foto: Matias Baglietto/Reuters)

Em entrevista ao InfoMoney em setembro, o deputado Luciano Laspina, filiado ao PRO de Maurício Macri, afirmou que as eleições legislativas serão o evento mais importante para o governo no curto prazo, devido ao risco de retomada da oposição. Recentemente, Milei fez declarações públicas contra a própria vice, Victoria Villarruel, afirmando que ela está “próxima da esquerda”, evidenciando um racha em sua base. 

“Não vejo um Milei muito agregador, mesmo no próximo ano. A força política dele é maior nas províncias mais distantes e industriais, enquanto em Buenos Aires a oposição ganha espaço”, diz Leandro Barcelos, gerente da equipe de comércio internacional da BMJ. “Se ele não conseguir mais apoio agora, os próximos anos podem ficar mais difíceis. Neste primeiro ano, muitas propostas demoraram meses para tramitar no Congresso, e várias ficaram pelo caminho.” 

Agro e mineração não bastam

O terceiro desafio do segundo ano de Javier Milei na Casa Rosada é conseguir aquecer a economia doméstica. O Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina registrou três contrações seguidas: -2,49% no quarto trimestre de 2023, -2,57% no primeiro trimestre de 2024 e -1,7% no segundo trimestre de 2024. 

Os maiores detratores dessa performance foram os setores ligados à economia doméstica. Entre abril e junho deste ano, o setor de construção caiu 22,2%, a indústria perdeu 17,4% e o comércio interno recuou 15,7%. Grande parte dessa demanda amortecida é resultado da “motosserra” que interrompeu obras públicas, retirou subsídios de alguns setores e demitiu uma grande parcela dos servidores públicos. 

A recuperação esperada no terceiro trimestre está ancorada nas exportações do agronegócio e da mineração. “Depois de dois anos muito ruins, o agronegócio argentino voltou com força em 2024, muito ancorado na exportação de grãos e proteína animal. A mineração também tem produzido e exportado bem”, diz Barcelos, da BMJ. 

Acontece que o agronegócio e a mineração não dependem das ações do governo para prosperar, diferentemente da economia doméstica. 

“Em geral, o crescimento de curto prazo da economia se dá por meio de estímulos fiscais, coisa que não vai acontecer na Argentina por causa da motosserra. Estímulo monetário? Também é difícil porque não dá para liberar o cepo a qualquer momento por causa da inflação. O que resta é a simplificação do ambiente de negócios para melhorar questões de produtividade e geração de empregos”, diz Dupita. 

A economista-chefe da Bloomberg, entretanto, pondera que o resultado para pequenas e médias firmas pode ser limitado no curto prazo, com mais chances de repercutir no médio e longo prazo. “É difícil dizer que a economia vai crescer simplesmente por força da agenda mais liberal do Milei, que é essa desregulação. Mas esse é o jogo que tem para 2025.” 

A melhora da economia doméstica está diretamente atrelada a melhora social e de bem-estar da população. Barcelos acredita que a partir do segundo semestre de 2025 medidas como diminuição da inflação, expectativa de crescimento econômico e investimentos externos no agro, mineração e energia podem repercutir de forma mais positiva na inflação. 

Riom, que vive na Argentina, tem uma visão diferente. “Não creio que haverá uma melhoria uniforme para a economia argentina. Talvez possamos sentir em algum momento uma falsa sensação de bem-estar, mas a verdade é que os preços na Argentina em muitos aspectos estão mais altos do que na Europa e isso não vai regredir.” 

O InfoMoney publica a partir dessa reportagem e nos próximos dias uma série sobre o primeiro ano de Javier Milei na presidência da Argentina. Acompanhe aqui no site e nas nossas redes sociais!

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Autor: Monique Lima

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