Dolarização da Argentina fica para trás e no ano 1 de Milei impera o “dólar blue”
Dolarização da economia e fechamento do banco central argentino foram pautas de Javier Milei em sua campanha eleitoral. Passado um ano de mandato à frente da Casa Rosada, o processo de migração da economia argentina para o dólar ainda enfrenta dúvidas.
Já nos primeiros dias de governo, Milei empregou uma desvalorização de 50% do peso argentino que fazia parte de uma estratégia para diminuir a inflação no país. Seguida a desvalorização inicial, uma sequência de defasagens de 2% acontece todo mês.
O governo deu um passo atrás ao perceber que uma abrupta substituição do peso como moeda corrente na economia não seria possível no curto prazo. No lugar, escolheu por uma abordagem batizada de “dolarização endógena”.
A “dolarização endógena”
A ideia por trás da estratégia de Milei é fazer com que os próprios argentinos aportem suas reservas em moeda estrangeira na economia: uma das medidas tomadas pelo governo foi permitir a regularização de até US$ 100 mil dólares por cidadão, antes não declarados, sem sofrer punições ou impostos adicionais.
Essa foi a alternativa encontrada por um país que possui um estoque de dólares baixo e enfrenta desconfiança internacional, o que dificulta a venda de títulos na moeda americana.
“Eles criaram esse termo que não existe no meio acadêmico, “dolarização endógena”. É mais ou menos assim: ‘olha, não temos dinheiro vindo de fora, que seria exógeno, então nós mesmos, aqui dentro, faremos isso’”, explica a economista e professora da FGV, Carla Beni.
Na primeira etapa da medida de regularização, foram adicionados em torno de US$ 35 bilhões de dólares na Contas Especiais de Regularização de Ativos (CERA). Desde que assumiu o cargo até setembro deste ano, antes da medida de regularização, Milei viu os depósitos em dólares aumentarem 40%. O processo foi apelidado de “lavagem”.
Beni alerta que o conceito de dolarização se refere, a rigor, a uma eliminação total de uma moeda — nesse caso, o peso. “É um caminho longo, árduo e extremamente arriscado para um país que não emite esta própria moeda. O Banco Central americano não está em Buenos Aires”, diz.
Quando Milei prometeu fechar o Banco Central, o recado era de que seria dado um basta na emissão de moedas que alimentou o ciclo inflacionário. O efeito de não ter essa instituição, no entanto, é perder o controle sobre sua própria política monetária.
O ministro da Economia argentino, Luis Caputo, fala em “remonetizar” a economia a partir de um sistema “bimonetário”, em que dólar e peso circulam na economia, mas com um câmbio flutuante, não com as restrições impostas à moeda estrangeira como as atuais, do cepo cambiário.
Aproximação do “dólar blue”
Embora haja um estímulo para a dolarização da economia, acessar o dólar oficial ainda não é possível para a população argentina, sendo restrito às remessas.
O chamado “cepo” cambial é uma medida que limita a compra de dólares para US$ 200 mensais por pessoas físicas, com imposto de 60% na conversão. Para as firmas, é impedida a transferência de dólares ao exterior, até mesmo para pagar dívidas com suas matrizes.
Essa limitação, entre outros fatores, gerou um mercado paralelo de dólares em que se negocia o chamado “dólar blue”, comprado pela população em casas de câmbio informais. A alternativa é a mais utilizada pelas pessoas no dia a dia e sua cotação é utilizada como um indicativo mais preciso da economia.
Por enquanto, Milei ainda não levantou qualquer controle de capitais, o que significa que não há um regime de concorrência entre moedas.
“Existem várias condições a que o governo queria chegar, uma delas sendo a convergência do dólar blue com o oficial”, diz a analista política da XP, Sol Azcune. “Além disso, tem a questão das reservas, que ainda estão sendo somadas.”
A especialista afirma que o governo tem priorizado um ajuste fiscal.
Uma avaliação que corre no país é a de que a derrubada dos controles deva acontecer ainda no início do ano para evitar que eventuais volatilidades ressoem nas eleições parlamentares em outubro. O receio é de que uma queda do “cepo” leve à disparada na inflação.
Por enquanto, algumas fintechs e redes varejistas têm feito movimentos para aceitar os dólares, mas as medidas não parecem estar tão próximas de resolver o problema das incontáveis cotações da moeda americana no país vizinho.
A rede varejista Diarco, por exemplo, se orgulha de aceitar dólares danificados — não sem antes cobrar uma taxa adicional de 40% na comparação com o “dólar blue”.
O paradoxo do dólar
Nos primeiros meses de governo Milei, a inflação foi 25,5% em dezembro de 2023, 20,6% em janeiro e 13,2% em fevereiro. Os valores reduziram até chegar em 2,7% em outubro, fruto de medidas econômicas que reduziram o poder de compra da população, não sem deixar marcas como uma elevação na pobreza.
Com uma inflação ainda elevada, a política monetária enfrenta um paradoxo: a Argentina está cara em dólares. Como as valorizações da moeda americana são marcadas em 2% ao mês (valor menor do que a inflação), o poder de compra de uma mesma quantidade de dólares não é equivalente ao peso, após o efeito inflacionário.
“A transferência da depreciação dos preços foi imediata e o governo não fez nada para contê-la. E continuaram ajustando o tipo de câmbio oficial em 2%. Isso fez com que todos os tipos de câmbio convergissem”, explica Horacio Rovelli, economista e docente da Universidade de Buenos Aires.
O economista argumenta que essa política fomenta um modelo mais importador, dado que a Argentina vira um país relativamente caro na comparação aos pares regionais, como o próprio Brasil. O impacto seria uma produção industrial mais fraca — em julho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projetava uma queda de 3,5% no PIB do país.
Um dos efeitos de todo esse cenário, segundo Rovelli, tem sido uma reversão no comportamento do “dólar blue”, que vem perdendo valor frente ao dólar oficial.
“Dólar paralelo, como o ‘dólar blue’, está sendo vendido por setores médios e médios-baixos, que precisam usar suas reservas para cobrir despesas do dia a dia, como escola, saúde e cartão de crédito”, conta . “Essa venda reduz a cotação do dólar blue e diminui a diferença entre o oficial e o paralelo.”
Esta reportagem é parte de uma série especial do InfoMoney sobre o primeiro ano do governo de Javier Milei na Argentina. Acompanhe outras publicações sobre o assunto no site e nas nossas redes sociais.
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Autor: iurisantos