Um ano de Milei no poder: Empresas brasileiras também sentem efeito da ‘motosserra’
Há exatamente um ano, em 10 de dezembro de 2023, Javier Milei assumia a presidência da Argentina com a promessa de tirar o país de uma profunda crise econômica. Para lidar com uma inflação acima de 200%, a desvalorização do peso argentino e a política cambial distorcida, o novo governo promoveu no primeiro ano de mandato um ajuste fiscal sem precedentes — afetando a população e firmas, inclusive as brasileiras.
Subsídios industriais e de infraestrutura foram eliminados, além da redução de impostos sobre a exportação de produtos agrícolas. Mesmo assim, o Produto Interno Bruto (PIB) argentino retraiu ao longo de 2024: no primeiro e no segundo trimestre as quedas foram de -2,57% e -1,7%, respectivamente. Mas, para muitas das companhias brasileiras, abandonar o mercado argentino não é uma opção.
“Conversando com executivos que operam por lá, a paciência virou prática recorrente. Muitos já enfrentaram inúmeras crises, incluindo a recessão dos anos 2000″, diz Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil e sócio-fundador da BMJ ao InfoMoney.
A estratégia tem sido reduzir operações e esperar por tempos melhores, afirma Barral: “É melhor ficar, e manter o histórico de operação já consolidado.”
O InfoMoney publicou nos últimos dias uma série sobre o primeiro ano de Javier Milei na presidência da Argentina. Acompanhe aqui no site e nas nossas redes sociais!
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Mas ainda que as crises econômicas não sejam novidades para os hermanos, o “fator Milei” tem feito o seu preço. Metade da população vive hoje na pobreza, o desemprego aumentou e a atividade econômica está em retração.
“As firmas, antes acostumadas com um ambiente mais regulado, agora enfrentam novos desafios em um mercado mais instável. O poder de compra foi bastante reduzido, gerando efeitos diretos no curto prazo, tanto na vida das pessoas quanto na geração de riqueza”, diz José Luiz Pimenta, professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Queda do consumo
Com a população vivendo hoje com um menor poder aquisitivo, o encolhimento do consumo é consequência direta desse cenário. Entre as firmas brasileiras na Argentina, a Ambev (ABEV3) enfrenta a pressão inflacionária junto à queda na demanda. No terceiro trimestre deste ano, o volume de vendas da companhia no país registrou queda de 15% na comparação com o mesmo período de 2023.
“A indústria permaneceu desafiadora, mas continuamos trabalhando para estarmos melhor preparados para o futuro”, disse a companhia ao reportar os seus resultados. No 3T24, o lucro da Ambev foi de R$ 3,57 bilhões, queda de 11% frente aos R$ 4,015 contabilizados um ano antes.
Para o Bank Of America (BofA), a Argentina continua a ser um desafio para a Ambev, mas os números gerais do último trimestre foram mais fortes do que o esperado. “Apesar do ambiente desafiador, os preços por hectolitro ficaram acima das expectativas em todos os mercados, principalmente na América do Sul”, escreveram os analistas em relatório.
Outra companhia brasileira que tem sido afetada pela Argentina de Milei é a Vulcabras (VULC3), já que o país é um dos seus principais destinos de exportações. Entre os destaques do último trimestre da fabricante, os calçados esportivos registraram alta de 1,6% em comparação ao volume comercializado no 3T23.
“O crescimento se justifica pelo aumento de 2,7% registrado no mercado interno e que foi ofuscado, mais uma vez, pela expressiva retração nas vendas ao mercado externo”, ressaltou a calçadista no relatório de resultados. O lucro geral, por outro lado, não foi impactado pelo consumo dos argentinos, subindo 35% no 3T24, aos R$ 172,2 milhões, frente ao mesmo período do ano passado.
Automotivo em dificuldades
Mais um segmento com dificuldades devido à recessão argentina é o automotivo. A Mahle Metal Leve (LEVE3) enfrenta uma queda na produção de veículos leves e pesados no país, com reflexo direto na queda de 2,5% da receita líquida no acumulado do ano.
Mesmo assim, as vendas na Argentina somaram 43,6 mil unidades em setembro, registrando o melhor resultado mensal do ano. “Foi o terceiro mês consecutivo com vendas acima das 40 mil unidades, demonstrando uma recuperação desse mercado no segundo semestre”, a fabricante escreveu no último balanço de resultados.
O segmento automotivo ainda representa cerca de 40% do comércio bilateral entre Argentina e Brasil. “O consumo interno enfraquecido, os altos custos e a retração econômica, causados pela política de ajuste fiscal, reduziram a demanda por veículos e componentes de autopeças”, explica Barral.
Apesar disso, ele frisa que a eliminação de restrições nas importações e da regularização de pagamentos melhorou a previsibilidade para as firmas. Isso porque a exportação de peças e componentes intercompany do Brasil, para a montagem na Argentina, continua sendo um ponto positivo para o setor.
“Hoje, a representatividade é relativamente menor no faturamento geral das firmas brasileiras”
Oportunidades na Argentina de Milei
Se o panorama é desafiador para o consumo, algumas áreas se beneficiaram das reformas de Milei. O agronegócio argentino foi impulsionado pela redução das taxas sobre exportações, resultando em um aumento da demanda por fertilizantes e químicos — beneficiando firmas brasileiras desses setores.
No entanto, Barral lembra que a diferença cambial entre o mercado oficial e o paralelo foi reduzida, tornando os preços mais altos não somente para a população, mas também às firmas. “Com essa diferença artificial, os custos estão mais elevados. Milei não quer desvalorizar a moeda, pois isso teria um impacto inflacionário significativo.”
Foi o caso da Unipar (UNIP6), que apontou os efeitos da inflação no país e a variação cambial do peso argentino em resultados monetários. No acumulado do ano até setembro, a receita líquida da firma química alcançou R$ 3,8 bilhões, 11% inferior ao mesmo período de 2023.
Outro setor promissor é o de infraestrutura. José Luiz Pimenta acredita que a área é uma aposta de longo prazo, beneficiando as firmas brasileiras que operam com mineração e siderurgia na Argentina. “Seus investimentos estão atrelados ao dólar, reduzindo o impacto das oscilações econômicas locais. Apesar das pausas e revisões em projetos, é um segmento essencial para o desenvolvimento do país.”
A Gerdau (GGBR4), que tem operações na província de Santa Fé, ressalta que o arrefecimento da demanda doméstica do país por aço gerou uma queda anual nas vendas de 9% no terceiro trimestre. Frente aos três meses imediatamente anteriores, no entanto, houve avanço de 6% — só que graças às operações no Peru.
“Na Argentina, o setor do aço continua enfrentando desafios significativos na demanda”, diz a administração da companhia.
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Autor: Janize Colaço