Alta gradual ou choque de juros? Economistas divergem sobre o Copom
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central fecha nesta quarta-feira (11) sua última reunião de 2024 e é praticamente consenso entre os economistas que o colegiado vai acelerar novamente o passo no ciclo de alta da Selic inaugurado em setembro: os juros subiram 25 pontos-base naquele encontro e mais 50 pbs em novembro. A dúvida persistente é o tamanho do choque que será proposto, de 0,75 ponto percentual ou de 1,0 p.p.
O Índice Equus de Precificação da Selic (IEPS), da Equus Capital, que usa inteligência artificial para coletar e analisar dados que estimam a probabilidade indicada pelo mercado de mudança no juros, apontava nos últimos dia uma chance de 60,2% de uma alta de 75 pbs, uma tendência que vem se acentuando nas últimas semanas.
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Motivos para um BC mais agressivo não faltam. Desde a última reunião do Copom, a inflação corrente cresceu – embora o IPCA divulgado ontem tenha mostrado alguma desaceleração na margem -, as expectativas de inflação desancoradas em relação à meta de 3,0% permaneceram em 2025 e invadiram 2026 e o real teve forte depreciação ante o dólar.
Enquanto isso, a atividade se manteve resiliente, até com alertas de que o PIB tem crescido acima de seu potencial, e o mercado de trabalho continuou aquecido, com os rendimentos ainda em alta.
Tudo isso num contexto de dúvidas sobre a condução da política fiscal, após um pacote de redução de gastos que demorou para ser concluído e que veio aquém das necessidades. Isso para não falar das dificuldades para sua aprovação no Congresso na velocidade necessária.
Assim, ninguém questiona que o BC precisará pisar no acelerador dos juros e manter o ciclo de aperto por mais tempo. O que tem sido ponderado pelos especialistas é como a diretoria do BC vai ponderar os riscos de ser mais ou menos agressiva.
Situação crítica
Para a equipe de Macro da XP, capitaneada pelo economista-chefe Caio Megale, a situação parece crítica o suficiente para o Copom elevar a taxa Selic em 100 pontos-base. “O movimento contribuiria para estabilizar os preços dos ativos monetários – particularmente a taxa de câmbio – e reforçar o compromisso do Copom com a inflação baixa”, diz o relatório Esquenta do Copom desta semana.
O diagnóstico é que a inflação está alta e que seus drivers sugerem que mais pressão está por vir. É por essas razões, segundo o texto, que as previsões de inflação do IPCA coletadas pela pesquisa Focus do Banco Central aumentaram significativamente desde a última reunião do Copom.
A XP estima que as projeções que o comitê divulgará subam de 3,9% para 4,4% para 2025; e de 3,6% para 3,9% para o 2º trimestre de 2026 o horizonte relevante para a política monetária.
Além dessa alta de 1 ponto hoje, a XP trabalha com uma estimativa de uma dose igual no final de janeiro e mais dois aumentos de 0,50 p.p. nos encontros de março e maio, levando a Selic para uma taxa de 14,25no pico do ciclo de aperto.
“Considerando o aperto monetário mais intenso e antecipado, vemos a demanda doméstica esfriando ao longo do ano, o real se estabilizando e a inflação retornando à faixa da meta em 2026/2027. Isso permitiria ao Copom reduzir a restritividade da política monetária em algum momento”, diz o relatório.
A projeção do Itaú é similar, de a reação mais provável da autoridade monetária aos últimos desenvolvimentos ser acelerar ainda mais o ritmo de aperto, elevando a taxa básica de juros em 100 pontos-base, para 12,25% anuais.
“Essa decisão unânime seria justificada pela deterioração do cenário base e das previsões de inflação, com o balanço de riscos permanecendo assimétrico para cima, exigindo que as autoridades se movam ainda mais para território contracionista”, explica o banco em relatório.
O Itaú acredita que Copom provavelmente afirmará que vê outro ajuste da mesma magnitude em janeiro e indicará que, dada a deterioração de suas previsões e do balanço de riscos, bem como a possibilidade de maior desancoragem das expectativas, a taxa básica de juros permanecerá em níveis contracionistas pelo tempo que for necessário.
“Com esse pano de fundo, acreditamos que a taxa terminal provavelmente será maior do que nossa previsão atual de 13,50% a.a.”.
Gradualismo?
Leonardo Costa, economista do ASA, por sua vez, concorda que uma alta de 100 pontos-base refletiria o esforço para equilibrar o compromisso com a estabilidade de preços diante de um cenário mais complexo. Mas ele classifica essa possível decisão como parte da opção pelo gradualismo, comunicado pelos membros do Copom nas últimas semanas.
Mas Costa defende que um aumento de 125 pontos seria o mais adequado para conter o movimento de piora do mercado e ajudar no processo de tentativa de reancoragem das expectativas.
“Desde a última reunião, a inflação corrente apresentou piora, tanto no índice cheio quanto em medidas subjacentes, com pressões vindas de alimentos, bens industrializados e serviços. A desancoragem das expectativas, agora atingindo maior horizonte de projeção, sinaliza desafios adicionais para o cumprimento da meta de inflação e exige ação mais decisiva”, lista.
Na análise do Deutsche Bank, a alta de 100 pbs na Selic, para 12,25%, deve acontecer por uma soma de fatores: depreciação cambial, expectativas de inflação desancoradas, política fiscal elusiva, dinâmica insustentável da dívida e superaquecimento nos mercados de bens e de trabalh.
“Essas dinâmicas implicam a necessidade de altas taxas reais por um longo período”, comenta do banco em relatório divulgado nesta semana.
O banco alemão também acredita que o ciclo de aperto provavelmente permanecerá aberto, mas espera outros 100 pbs em janeiro e diz que, se a moeda permanecer fraca e as expectativas de inflação elevadas, o BC pode ter que manter o ritmo de aumento.
“Nossa projeção de base tem a taxa Selic atingindo o pico de 14,5% até o final do ciclo. No entanto, os riscos são distorcidos em direção a taxas ainda mais altas e uma manutenção prolongada durante a maior parte do ano”, alerta.
Por outro lado, há quem pondere não a necessidade de um choque de juros ou de uma continuidade do ciclo, mas uma análise mais detalhada sobre seus impactos.
Acelerar ou não?
Em relatório recente, assinado pelo economista-chefe e diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, Fernando Honorato, e pelo economista Thiago Angelis, o Banco Central precisa tomar uma decisão: o que fazer diante da depreciação cambial, expectativas desancoradas e aumento da incerteza fiscal?
Segundo os especialistas, há duas estratégias possíveis: adotar convergência gradual ou implementar um choque de juros.
Ele comentam que aqueles que defendem a aceleração do ritmo de alta de juros normalmente preveem um ciclo muito maior e temem maior deterioração das expectativas, depreciação cambial e inclinação da curva de juros caso o Banco Central não aja.
Além disso, os defensores dessa teses veem o Banco Central como a última fronteira para defender a ancoragem nominal da economia, o que exige uma demonstração de força neste momento.
Já quem faz a opção por uma estratégia gradual, pondera que a política monetária não será capaz de corrigir o problema fiscal que está causando expectativas desancoradas e a depreciação cambial.
Num contexto histórico, o Bradesco lembra que um ritmo de 75 pontos-base foi empregado em apenas 13% dos ciclos de alta de juros, com quase metade deles ocorrendo durante a pandemia, quando o BC estava normalizando as taxas de um nível atípico de 2,0%.
Honorato e Angelis lembram que, em um estudo recente, demonstraram que prescrever um ciclo de juros mais alto não é inconsistente com passos de 50 pontos-base
“Uma aceleração no ritmo não resolverá os problemas que nos trouxeram até aqui. Neste momento, não há nada que o Banco Central possa fazer para evitar que a inflação dos próximos meses seja pressionada pelo repasse cambial, aumento dos preços das proteínas e deterioração das expectativas”, comentam.
Eles defendem ainda que um potencial choque na taxa de juros só aumentaria a volatilidade do PIB. “Os eventos desde a última reunião do Copom estão além do controle da política monetária e, acelerar agora, pode exacerbar o equilíbrio de risco na economia sem ganhos substanciais para a inflação em comparação com estratégias alternativas”.
Assim, eles acreditam que serenidade, persistência e convergência gradual a um ritmo de 50 pbs ainda parecem ser a melhor escolha para lidar com este momento peculiar e a incerteza prevalecente.
Incertezas maiores
Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, também acredita que o ciclo de alta de juros deve continuar, diante da piora da balança de riscos do BC. Mas vê uma possibilidade maior de uma aceleração para um alta de 0,75% (para 12%) hoje e um pico em 13,5% a.a. em 2025.
“Desde a reunião do Comitê, em novembro, as incertezas domésticas aumentaram, o que agravou o balanço de riscos do BC. A questão fiscal é um dos principais fatores que influenciaram negativamente as nossas projeções, contribuindo para um cenário mais pessimista. No entanto, não é o único elemento a ser considerado”, comenta.
Sung também destaca que, nos últimos dois comunicados, as mensagens do Copom foram duras e que esse tom deve ser mantido, com uma maior preocupação diante de uma piora do balanço de riscos.
“Nas últimas semanas, houve uma deterioração do cenário macroeconômico brasileiro. O BC precisa continuar subindo juros para cumprir com o seu principal objetivo, levar a inflação para a meta. O problema é que mesmo com a perspectiva de alta da Selic nas próximas reuniões, as expectativas de inflação para os próximos anos seguem deteriorando, dificultando ainda mais o trabalho da autoridade monetária”, diz.
O economista da Suno acrescenta que, se não houver choques que piorem o cenário, é possível que a Selic comece a cair no final de 2025, com a taxa encerrando em 13,0% a.a. “Porém, há muita nebulosidade que dificulta compreender como as variáveis irão se comportar nos próximos meses”, adverte.
Para a equipe econômica do C6 Bank, liderada por Felipe Salles, o Comitê deve optar por um ajuste de 75 pontos-base nesta reunião. “Essa estratégia manteria a política monetária compatível com a convergência das projeções de inflação para a meta no horizonte relevante.”
Essa é mesma projeção de Rafaela Vitoria, economista-chefe do Inter. “Esperamos uma aceleração do ritmo de alta para 75 bps devido à nova deterioração nas expectativas de inflação”, afirma.
Para Rafaela, o Copom deve optar por uma comunicação semelhante às duas últimas, deixando em aberto os próximos passos e ressaltando o risco fiscal. “No momento de incerteza, é melhor não ter guidance e não se comprometer com nenhum movimento”.
Já na opinião de Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, a última reunião do BC sob o comando de Roberto Campos Neto ocorre em um momento sensível. “O cenário, que já continha fontes importantes de incerteza, passou a apresentar maiores riscos após os anúncios dos ajustes nas despesas e propostas de reforma no Imposto de Renda”, destaca.
Ou seja, a decepção com as medidas do Executivo transferiram boa parte do calor para o Congresso e para o Banco Central. “Os agentes esperam não apenas um aumento de no mínimo 0,75 ponto percentual na Selic, mas também um comunicado que renove de forma incisiva o compromisso de trazer a inflação para meta, além de decisão unânime”, afirma.
Ele comenta ainda que, qualquer sinal de que inflação acima da meta será tolerada pela nova diretoria do BC pode abrir caminho para novas revisões e mais desancoragem nas expectativas.
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Autor: Roberto de Lira