Por que o juro parece não fazer cócegas na inflação
Na última reunião do ano, o Banco Central deve voltar a subir a taxa Selic e, desta vez, tudo indica que em uma dose ainda mais forte. A maior parte dos economistas acredita que a Selic vai subir em 0,75 ponto, para 12% ao ano. Uma alta ainda mais forte, de 1 ponto percentual, não está descartada.
Mas o que está preocupando os especialistas é que o aumento dos juros feito até agora não está tendo o efeito esperado: a inflação continua alta e, pior, as expectativas estão cada vez mais negativas. É o que os especialistas chamam de perda de eficácia da política monetária. Nesse tipo de situação, para conseguir o mesmo resultado, a dose de juro precisa ser muito maior.
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A Selic está em dois dígitos desde fevereiro de 2022. Se essa aposta da maioria for confirmada, o BC estará acelerando o ritmo: no encontro anterior, o juro havia subido 0,5 ponto, para os atuais 11,25%.
Uma alta 0,75 ponto não é trivial, ainda mais quando a taxa já chegou em um nível tão alto. O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, lembra que essa dosagem foi usada em apenas 13% dos ciclos de alta de juros.
“Uma aceleração do ritmo não resolverá os problemas que nos trouxeram até aqui. A essa altura, não há nada que o Banco Central possa fazer para impedir que a inflação dos próximos meses seja pressionada pelo repasse do câmbio, pela elevação dos preços de proteínas e pela deterioração das expectativas.”
Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco
A incerteza sobre o quadro fiscal vai continuar comprometendo a confiança do investidor. E é por isso que, para o economista do Bradesco, não adiantaria nada o BC acelerar o passo agora: o melhor mesmo seria continuar no ritmo atual, de 0,5 ponto.
Enquanto o Brasil caminha na direção de acelerar o ritmo, a maior parte dos BCs está na contramão, reduzindo os juros. Isso deveria estar surtindo efeito tanto sobre a inflação quanto sobre o câmbio. Afinal, a diferença entre o juro brasileiro e o do resto do mundo deveria atrair mais investimento estrangeiro e, dessa forma, valorizar o real. Nada disso está acontecendo.
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No cenário traçado pelo economista-chefe do Citi, Leonardo Porto, a Selic vai terminar o ano em 12% e continuará subindo em 2025, até atingir 13,25%. E o Brasil seria o único país dentre as principais economias do mundo a subir os juros no ano que vem – todas as outras deven reduzir suas taxas ao longo do próximo ano.
Como consequência, o crescimento econômico vai perder força. Porto espera um aumento do PIB de 3,3% este ano, de 2,2% em 2025 e de 1,8% em 2026 – o pior desempenho dentre os pares.
Só que mesmo com os juros pesando na vida de firmas e consumidores, a inflação por aqui continuará acima da meta. Porto espera que o IPCA suba 4,8% este ano e 4,3% no ano que vem. O alvo a ser perseguido em 2025 é 3%. Isso mostra que a alta de juros não está cumprindo plenamente o seu papel, muito também em função do desajuste do câmbio — a forte depreciação do real frente ao dólar acaba acentuando o repasse de preços.
Para surtir efeito, a política monetária depende do que os economistas chamam de “canais de transmissão”. Os principais são o crédito, o câmbio, o preço dos ativos e as expectativas. É uma complexa tubulação que precisa estar desobstruída para que os juros de fato cheguem à economia real.
Segundo Porto, o que está atrapalhando esse efeito hoje é o canal das expectativas. E o que deixa bem evidente que essa tubulação não está funcionando é a reação dos juros futuros às decisões do Banco Central.
Em momentos normais, os juros mais longos caem quando o Banco Central acelera o aumento da Selic, por entender que a inflação vai cair e, assim, o BC poderá dar algum alívio na política monetária lá na frente. Agora, o BC está subindo mais a Selic, mas os juros estão ainda mais altos, porque os investidores duvidam da eficácia da Selic.
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E o que está obstruindo essa tubulação, segundo ele, é um velho conhecido: o fiscal. Como existe uma perspectiva de continuidade de gastos e piora das condições da dívida pública, a capacidade do juros esfriar a economia e segurar a inflação fica comprometida. E aí o Banco Central tem que subir o juro muito mais do que seria necessário em outro cenário.
O risco que alguns especialistas enxergam é que o quadro piore a tal ponto que, em algum momento, aumentar os juros acabe tenho um efeito mais nocivo do que benigno para a economia. O juro não consegue mais conter a inflação e seu único efeito passa a ser o aumento da dívida pública. É o que se chama tecnicamente de dominância fiscal. Ainda não chegamos nesse ponto, mas o risco está aí, garante o economista.
“Não estamos em dominância fiscal, mas isso não significa que a política monetária não esteja perdendo sua eficácia.”
Leonardo Porto, economista-chefe do citi
É importante lembrar que o Brasil não viveu um quadro de dominância fiscal desde o Plano Real. Mas o tema volta à pauta porque a dívida está em franca deterioração. No cenário do Citi, a dívida pública deve encerrar 2026 em um montante equivalente a 86% do PIB.
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Autor: Lucinda Pinto