Apostar em bets no computador da empresa dá demissão por justa causa; veja cuidados
Cada vez mais a Justiça do Trabalho vem usando a tecnologia para decidir as disputas entre empregados e empregadores. Dois desses exemplos ocorreram recentemente, com a manutenção de demissões por justa causa por acesso a sites de aposta durante o horário de trabalho e com a condenação de um trabalhador a pagar multa por litigância de má-fé por falsas alegações de horas extras contra o empregador – a fraude foi comprovada pelo geolocalizador de celular.
O avanço das apostas virtuais foi tamanho que acabou chegando ao Judiciário, junto com as demissões por justa causa. E a tendência, segundo especialistas, é que continue crescendo, uma vez que o setor de bets já movimentou algo em torno de R$ 97 bilhões só em 2023 e pode chegar a R$ 130 bilhões neste ano, 34% a mais, como mostrou um levantamento da Strateg&, da PwC.
O vício por jogo de azar chegou aos tribunais com o caso de um trabalhador que acessava sites de apostas, sem permissão, pelo computador da firma. A 6ª Vara do Trabalho de São Paulo acabou mantendo a demissão, pelas evidências, em sentença proferida em setembro.
Em outro caso, o Judiciário paulista condenou um trabalhador a pagar multas por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da Justiça por falsas alegações contra o empregador, pedindo horas extras. Porém, o geolocalizador do celular mostrou que o homem não tinha exercido suas funções por mais horas, pois não estava na firma após os horários de término de expediente.
O juiz Régis Franco e Silva de Carvalho explicou que recorreu ao apoio técnico diante da controvérsia das alegações entre as partes. Por isso, pediu às operadoras de celular que fornecessem informações para comparação entre os horários de saída anotados no cartão de ponto e dados e a geolocalização do celular, que mostrou que o trabalhador já estava fora da região do estabelecimento.
O juiz não só negou as horas extras como condenou o trabalhador a pagar à União multa de 20% do valor da causa por mentir em juízo e ainda 9,99% sobre o valor da causa por litigância de má-fé.
O que dizem os especialistas
A advogada Beatriz Tilkian, sócia da área de Direito Trabalhista do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, explica que o fornecimento de equipamentos pelo empregador o autoriza a realizar a fiscalização do modo como está sendo utilizado.
Além disso, por obrigações decorrentes da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), o empregador também pode criar políticas que limitem acessos a sites ou aplicativos considerados impróprios por algum motivo.
“O desvio de uso de equipamentos fornecidos pelo empregador pode causar penalidades, como advertências, ou até mesmo justa causa, em casos mais graves”, explica.
Diferenças no remoto e no presencial
O fato de o trabalho ser remoto ou presencial não altera a prerrogativa de fiscalização do uso de equipamentos fornecidos pelo empregador. Mas é recomendado que o empregador deixe bem claro para o empregado, ou expresso em suas políticas e regulamentos internos, que haverá fiscalização, seja remoto ou presencial, bem como dizer quais serão as penalidades aplicáveis.
Os especialistas frisam que a relação de emprego se caracteriza como uma relação de subordinação, em que o empregado recebe ordens do empregador. Durante o horário de trabalho, deve executar as tarefas que lhe são passadas, utilizando adequadamente os equipamentos fornecidos, com atenção especial às políticas e regulamentos internos. “Cabe ao empregador estabelecer regras de uso e penalidades bem definidas. Além disso, a CLT autoriza a dispensa por justa causa quando comprovada a prática constante de acesso a sites considerados proibidos pela firma”, disse Beatriz.
De acordo com o advogado Sérgio Pelcerman, sócio da área trabalhista de Almeida Prado & Hoffmann, o trabalhador precisa estar ciente de que o acesso deve seguir regras de compliance, LGPD, sendo que, a transmissão indevida de dados, informações ou documentações gera responsabilidade civil objetiva, passível de apuração sob o âmbito criminal, cível e até mesmo levar ao desligamento por justo motivo. “Além da LGPD, as firmas podem estabelecer critérios para proibição de acesso a sites fora do limite laboral, como as bets”, afirma.
Segundo Pelcerman, não há diferença nas regras para o trabalho presencial, híbrido ou remoto, porque em todos os casos é passível de fiscalização de jornada e acessos. “As regras para o trabalho remoto e híbrido estão previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em especial na Lei nº 14.442/2022, que alterou a CLT para dispor sobre o trabalho remoto, e nas convenções e acordos coletivos de trabalho, que podem estabelecer condições específicas para cada uma das modalidades”, acrescenta.
De acordo com advogada trabalhista Aline Tavares, do Andrade GC Advogados, nem sempre a saída é a demissão diretamente. É possível a aplicação de advertências, suspensões ou, a depender do caso e gravidade, aplicação de justa causa.
Regras claras
Mas, segundo Henrique Mello, sócio do NHM Advogados, para que se chegue a isso é preciso que o empregador estabeleça regras claras e comunicação efetiva para que os empregados saibam quais os tipos de conteúdos são proibidos e quais serão as consideradas inadequadas no ambiente de trabalho. “Cabe à firma dar a direção correta para que o funcionário saiba o que está previsto na prestação dos serviços e no uso dos equipamentos no ambiente de trabalho”, disse.
“Para aplicação de penalidades, é imprescindível a comprovação de violação clara das políticas da firma e que o empregado foi previamente orientado sobre o uso indevido dos equipamentos”, afirma Fernando Zarif, sócio do Zarif Advogados
E quando o equipamento não é fornecido pela firma?
Se o equipamento não for concedido pela firma, os especialistas dizem que, em tese, eles não deveriam ser monitorados, pois não se caracterizaria como instrumentos de trabalho. Exceto se a firma estabelecer algum tipo de política regulamentando o uso durante o horário de trabalho. Mas é claro que sistemas como mensagens de WhatsApp podem ser usada pelo empregado para comprovar trabalho.
“O monitoramento sempre precisa ser feito dentro dos limites da lei. O direito à privacidade e intimidade do empregado deve ser respeitado”, acrescenta Zarif.
Tecnologia e a Justiça
A Justiça do Trabalho começou, em 2020, uma ação institucional de formação e especialização de magistrados e servidores na produção de provas por meios digitais. A iniciativa, chamada Programa Provas Digitais, usa informações tecnológicas para auxiliar magistrados e magistradas na instrução processual, especialmente na produção de provas para aspectos controvertidos. O objetivo é proporcionar maior agilidade à tramitação processual e facilidade para a busca da verdade dos fatos, de acordo com informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Cooperação entre o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) promoveu diversas ações de capacitação sobre o tema. Já são mais de 660 profissionais da magistratura, servidores e servidoras com conhecimentos adquiridos por meio de webinários e de cursos específicos sobre o uso de cada uma das ferramentas.
Mas, afinal, o que são provas digitais?
Elas fazem parte de um novo contexto que surge na sociedade da informação, onde há uma produção constante de dados por parte dos dispositivos informáticos utilizados – a chamada big data. “Novas formas de condução da cultura da sociedade vêm com as novas tecnologias, e o Direito vem para regular isso”, afirma em nota Fabrício Rabelo Patury, promotor de justiça do Ministério Público da Bahia, um dos maiores especialistas no tema no país e um dos instrutores envolvidos no projeto. Como consequência, segundo Patury, é necessário adequar os meios de instrução também às novas ferramentas e informações disponíveis.
Em outras palavras, essa cultura de interação permanente com recursos tecnológicos produz inúmeros registros digitais, o que torna necessário repensar o modelo tradicional de produção de provas, baseado, principalmente, na oitiva de testemunhas. Dessa forma, a utilização de registros digitais para a demonstração de fatos é quase uma necessidade nos dias de hoje. “As provas digitais nascem para dar maior eficiência probatória ao processo, por atenderem a uma nova sociedade, digital e interconectada. Se todas as nossas condutas são realizadas em uma seara cibernética, é lá que vamos coletar os registros necessários para fazer prova dessa mesma conduta”, explica o especialista.
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Autor: Anna França