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Com novas estratégias, governo bate recorde de R$ 49 bi em recuperação de créditos

Com novas estratégias, governo bate recorde de R$ 49 bi em recuperação de créditos

Em meio à busca do governo federal pelo equilíbrio das contas públicas e sob olhares céticos de agentes econômicos, o Ministério da Fazenda tem uma notícia para comemorar no campo fiscal neste fim de ano. Pela primeira vez na história, os valores recuperados inscritos em dívida ativa da União deverão superar a marca de R$ 50 bilhões.

O resultado reflete algumas das apostas da gestão do ministro Fernando Haddad (PT), em um esforço que a atual administração tem chamado de recuperação da base fiscal do Estado. Para 2025, as expectativas são ainda mais otimistas diante da possibilidade de o Programa de Transação Integral (PTI) finalmente sair do papel. As projeções que constam das peças orçamentárias indicam algo próximo a R$ 90 bilhões de recuperação de crédito − resultado que traria contribuição significativa para o ajuste fiscal.

Segundo levantamento feito pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a que o InfoMoney teve acesso com exclusividade, o governo conseguiu recuperar R$ 49,2 bilhões em créditos tributários e não tributários até outubro de 2024. Trata-se da maior marca já registrada em um ano, mesmo faltando ainda 2 meses para registros.

O resultado representa um crescimento de 28% dessas receitas em comparação com o mesmo período em 2023, quando a PGFN recuperou R$ 38,2 bilhões aos cofres públicos. Naquele ano, essa receita ficou em R$ 48,30 bilhões − o que já era quase o dobro do volume registrado cinco anos antes (R$ 24,3 bilhões).

Contribuiu fortemente para o ritmo de crescimento observado de 2020 para cá o início de processos de recuperação de recursos a partir das chamadas transações tributárias, mecanismo introduzido por lei para estimular o contribuinte a buscar a resolução de litígios administrativos e a regularização de sua situação fiscal perante a Receita Federal.

No primeiro ano de vigência da regra, foram recuperados R$ 1,7 bilhão. Agora, nos 10 primeiros meses de 2024, as transações tributárias somaram R$ 27,8 bilhões. Além de representar um importante suporte para a missão de equilibrar as contas públicas, a equipe econômica argumenta que o instrumento estimula a concorrência leal entre contribuintes e reduz a litigiosidade − um dos principais problemas do sistema atual.

A lei que regulamenta as transações tributárias (Lei nº 13.988/2020) estabelece requisitos e condições que o governo deve seguir para chegar a um acordo sobre a cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária.

Pelo texto, a União, em juízo de oportunidade e conveniência, poderá celebrar transação em quaisquer das modalidades previstas sempre que entender que a medida atende ao interesse público. Com isso, poderá conceder vantagens ao devedor, que podem envolver redução nos créditos e regras de parcelamento.

A evolução anual da recuperação da dívida ativa da União | Fonte: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)

“O resultado [recorde de créditos recuperados] é fruto de um trabalho de muitos anos. É algo que a Procuradoria foi construindo, reformando seus processos de trabalho, automatizando muita coisa, agregando tecnologia, ferramentas modernas de análise de dados para que possamos, com o volume que temos, entregar melhores resultados”, disse a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida, ao InfoMoney.

Para ela, os resultados refletem mudanças profundas no funcionamento da PGFN, como a modernização de ferramentas de gestão, que permitem um melhor acompanhamento e abordagem dos processos contra a Fazenda Nacional; o aprimoramento de técnicas de cobrança, como os protestos, aumentando a efetividade de recursos recuperados antes do litígio; e a intensificação das parcerias com outros órgãos federais e estaduais.

Ela diz que nos últimos anos, o órgão deixou de ser quase uma consultoria jurídica para assuntos relacionados à Fazenda Nacional para de fato participar da construção de políticas públicas e do próprio debate orçamentário.

Anelize conta que nos últimos anos a PGFN desenvolveu um sistema de protesto, em que o governo cobra devedores antes do início de um contencioso jurídico. A partir de ações como a classificação do estoque da dívida, a avaliação do crédito e o rating do débito, foi possível customizar a cobrança, e o resultado é uma taxa de quase 20% de satisfação do crédito no protesto − ou seja, sem necessidade de processo judicial.

Outra aposta do órgão foi a modernização do chamado Cadin, Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal, que passou da guarida do Banco Central para a PGFN a partir de 2021. A ideia é aprofundar a técnica do “naming and shaming”, conhecido na literatura internacional em que a listagem faz com que devedores procurem a Fazenda Nacional para regularizar seus débitos.

Uma mudança na legislação de contratação no setor público, em que são impedidos contratos com CNPJs que estejam no registro de inadimplentes, reforçou tal política. Hoje técnicos estimam que R$ 1,7 bilhão são arrecadados por ano com a simples inclusão de devedores no Cadin.

“Além dessas formas mais brandas, há uma grande parte em estoque que é o que tratamos como investigação fiscal e combate a fraude”, pontua Anelize. “Temos uma equipe de investigação fiscal, que está atrás de imóveis, movimentações financeiras, que analisa os dados fiscais das firmas e alimenta o processo de execução fiscal com informações atualizadas sobre bens e valores. E tem um grupo que é de combate à fraude fiscal estruturada, muito especializado, que trabalha com um número limitado de devedores e que faz grandes operações.”

É desta construção que surgiram operações em conjunto com órgãos como Polícia Federal e Ministério Público. A percepção de um maior poder de investigação da Fazenda Nacional gera uma pressão adicional para que contribuintes busquem a regularização. E outra ponta deste processo envolve a oferta de portas de saída pelo governo federal, além de melhorias em canais como o canal Regularize.

Transações tributárias: a “virada de chave”

Em 2024, um dos destaques no esforço da Fazenda Nacional para recuperar créditos da União foi o programa Litígio Zero, em que firmas que enfrentavam julgamento administrativo pela Receita Federal poderiam propor acordos de transação tributária em troca da desistência do litígio e parcelamento das dívidas com descontos especiais.

O programa listava 4 atores que poderiam envolvidos em possíveis propostas de transação individual: 1) contribuintes com débitos objeto de contencioso administrativo fiscal em valor igual ou superior a R$ 10 milhões; 2) contribuintes em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou extrajudicial ou em intervenção extrajudicial; 3) autarquias, fundações e firmas públicas federais; e 4) estados, Distrito Federal e municípios e respectivas entidades de direito público da administração indireta.

“A transação é o coroamento de um trabalho de pavimentação muito bem feito”, comemora Anelize. “Muitas firmas vêm para a transação por livre e espontânea vontade. Outras vêm porque apertamos no combate a fraude. Quando você aperta, abre uma operação junto com a Polícia Federal, eles vêm para a transação.”

Ela também conta que, além dos avanços em técnicas de investigação e parcerias com outros órgãos, a PGFN investiu em tecnologia para aumentar sua capacidade de acompanhar processos e definir estratégias. Um dos resultados foi o aumento de esforços concentrados para derrubar liminares há anos mantidas em fóruns locais.

“Começamos a ter um olhar no Brasil inteiro para entender quais liminares estavam impedindo a recuperação de dívidas milionárias. E aí começamos a levar isso aos tribunais superiores. Quando você aperta no Judiciário, o grupo vem querer fazer transação”, pontua.

“A transação é nossa política da maior sucesso, mas ela depende de uma infraestrutura que criamos ao longo dos anos”, destaca.

O avanço das transações tributárias também está relacionado a um esforço do governo em construir programas amplos de acordos baseados em teses de controvérsias jurídicas com alta litigância, seja em número de processos ou volumes monetários envolvidos. Para se ter uma ideia, a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024 já previa a arrecadação de R$ 12 bilhões apenas com transação de tese.

Um dos editais que contribuiu com parte do montante arrecadado neste ano envolve a bipartição de contratos de afretamento de plataformas de petróleo. Também foram lançados editais para a transação de débitos decorrentes de exclusões de incentivos e benefícios fiscais ou monetários referentes ao ICMS da base de cálculo do IRPJ/CSLL, feitas em desacordo com a legislação, e dos lucros no exterior.

Na fila agora estão mais de 10 matérias tributárias controversas, como as discussões sobre tributação de Participação nos Lucros e Resultados (PLR), stock options, Juros sobre Capital Próprio (JCP), desmutualização da Bovespa (atual B3) e amortização de ágio. Todas são vistas com elevado potencial de adesão − seja em atores ou montante envolvido nos processos.

Durante a conversa com o InfoMoney, a procuradora-geral da Fazenda Nacional destacou a importância de um trabalho cuidadoso na construção dos editais. O objetivo é evitar o chamado “moral hazard” (que em tradução livre significa o risco moral de um agente mudar seu comportamento por conta de incentivos inadequados dados em um novo contexto) e não promover distorções em mercados específicos.

“Além do moral hazard, temos uma preocupação de que essas transações não desequilibrem os mercados. Não quero ser acusada de que a transação de tese esteja manipulando concorrência. Então, precisamos pensar em um edital a partir de critérios objetivos, e que englobem o máximo possível. A decisão é do contribuinte de aderir ou não, mas não pode ser a Fazenda Nacional de estar sendo acusada de apontar para um lado por não ter colocado determinada tese”, explica.

Programa de Transação Integral: aposta para 2025

O objetivo estabelecido pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para recuperação de crédito no ano que vem é ousado e envolve a cifra de quase R$ 90 bilhões. Deste total, espera-se que cerca de 1/3 sejam arrecadados somente a partir do novo Programa de Transação Integral (PTI), que está em fase final de regulamentação.

A avaliação na PGFN é de que o PTI tem potencial de mudar o patamar da recuperação de crédito no país. Se na primeira geração dos acordos de transação somente créditos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação, com firmas com capacidade de pagamento reduzida, agora abre-se a oportunidade para grupos com caixa robusto.

“O PTI é um divisor de águas sem dúvidas”, avalia Anelize. “É uma mudança de paradigma, que vamos fazer transação agora com quem tem capacidade econômica. Deixamos de lado o conceito de capacidade de pagamento e fazemos a transação com base em outra regra, que é a prognose versus o tempo, o custo de oportunidade do litígio. Vou poder fazer transação com banco, que até hoje nunca fizemos.”

O PTI foi desenhado para reduzir contenciosos tributários de alto impacto econômico, oferecendo uma alternativa para encerramento de litígios históricos com grandes contribuintes, notadamente em casos de alta complexidade e relevância jurídica.

O programa introduz duas modalidades principais de transação: 1) transação na cobrança de créditos judicializados de alto impacto econômico, baseada no Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado (PRJ); e 2) transação no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica e de alto impacto econômico.

A expectativa inicial era de que a portaria regulamentando o dispositivo fosse publicada pela PGFN neste mês, mas há uma tendência de o debate se arrastar para 2025, tendo em vista a complexidade do tema. Um dos pontos ainda em aberto na discussão envolve as regras para o cálculo do Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado (PRJ), que direcionará a avaliação do custo de oportunidade baseado na prognose das ações judiciais relacionadas aos créditos inscritos ou não em dívida ativa.

Mas o governo tem pressa no assunto. Em portaria já publicada, já foi apresentado um rol mínimo de controvérsias jurídicas que seriam incorporadas ao programa (veja a lista completa ao final da reportagem). Apesar da busca por celeridade, é possível que o PTI ainda leve um tempo para engrenar, já que haverá uma necessária etapa de assimilação das regras por parte das grandes firmas antes da adesão a possíveis acordos.

Eis a lista de controvérsias jurídicas que deverão integrar o novo PTI:

I – Discussões sobre a incidência de contribuições previdenciárias sobre valores pagos a título de participação nos lucros e resultados da firma;

II – Discussões sobre a correta classificação fiscal dos insumos produzidos na Zona Franca de Manaus e utilizados para produção de bebidas não alcoólicas, para fins de aproveitamento de créditos de IPI e para fins de definição da alíquota de PIS/COFINS e reflexo no IRPJ e na CSLL;

III – Discussões sobre a irretroatividade do conceito de praça previsto na Lei nº 14.395, de 8 de julho de 2022, para aplicação do Valor Tributável Mínimo – VTM nas operações entre interdependentes, para fins de incidência do IPI;

IV – Discussões sobre dedução da base de cálculo do PIS/COFINS, pelas instituições arrendadoras, de estornos de depreciação do bem, ao encerramento do contrato de arrendamento mercantil

V – Discussões sobre requisitos para cálculo e pagamento de Juros sobre o Capital Próprio (JCP);

VI – Discussões sobre a incidência de IRPJ e CSLL sobre o ganho de capital no processo de desmutualização da Bovespa; e discussões sobre a incidência de PIS/COFINS na venda de ações recebidas na desmutualização da Bovespa e da BM&F;

VII – Discussões sobre amortização fiscal do ágio;

VIII – Discussões sobre a incidência de PIS/COFINS nos casos de segregação da firma para quebra da cadeia monofásica;

IX – Discussões sobre as Instruções Normativas RFB nº 243/2002 e nº 1.312/2012 na disciplina dos critérios de apuração do preço de transferência pelo método PRL, conforme o art. 18 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996;

X – Discussões sobre a incidência de contribuição previdenciárias do empregador nas hipóteses de contratação de empregados na forma de pessoa jurídica, com dissimulação do vínculo empregatício (“pejotização” da pessoa física);

XI – Discussões sobre a incidência de IRPF e de contribuição previdenciária sobre os valores auferidos em virtude de planos de opção de compra de ações, chamados “stock options”, ofertados pelas firmas a seus empregados e/ou diretores;

XII – Discussões sobre dedução de multas administrativas e regulatórias da base de cálculo do IRPJ e da CSLL;

XIII – Discussões sobre incidência de IRRF sobre ganho de capital auferido por investidor não residente no País (INR);

XIV – Discussões sobre dedutibilidade da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das despesas com a emissão ou a remuneração de debêntures;

XV – Discussões sobre a incidência de IRRF e CIDE sobre as remessas ao exterior efetuadas por firmas do setor aéreo;

XVI – Discussões acerca da aplicação das regras de preços de transferência para fins de apuração do IRPJ e da CSLL com base no arts 18 a 24 da Lei nº 9.430, de 1996, relativamente ao setor aéreo; e

XVII – Discussões acerca da tributação de receitas na apuração do Lucro Real e da base de cálculo da CSLL das firmas do setor aéreo.

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Autor: Marcos Mortari

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