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Fusão entre Honda e Nissan: Carlos Ghosn critica a parceria. E ele tem um ponto

CEO da Nissan, Makoto Uchida, e o CEO da Honda, Toshihiro Mibe. Foto: Kiyoshi Ota/Bloomberg

A fusão entre Honda e Nissan, anunciada nesta segunda-feira (23), pode representar uma nova força global no setor automotivo ou repetir os fracassos de alianças passadas. Enquanto buscam enfrentar a ascensão das montadoras chinesas, as gigantes japonesas terão que superar diferenças culturais e operacionais para transformar promessas de eficiência em resultados concretos.

A fusão das rivais históricas deve acontecer aos poucos e o acordo definitivo deve acontecer em junho de 2025. Até lá, a Mitsubishi Motors, controlada pela Nissan, vai decidir se integrará ou não a nova companhia. A nova firma deverá ser listada até agosto de 2026. Se a Mitsubishi topar, estaremos diante da terceira maior montadora do planeta, com seus mais de oito milhões de carros vendidos anualmente.

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A nova companhia deverá ser mais Honda do que Nissan, é verdade – a Honda terá o direito de indicar a maioria dos membros do conselho de administração da nova firma.

Isso porque a Honda tem uma situação financeira mais confortável e segue entregando lucros bilionários, enquanto a Nissan vive um momento de cortes de custos e rearranjos corporativos que vêm impactando a capacidade da firma renovar seu portfólio. Para mostrar confiança na sua própria saúde financeira e também preocupação em preservar os interesses dos seus acionistas, a Honda também anunciou a recompra de US$ 7 bilhões de suas ações nos próximos meses.

Fiadora financeira da fusão, a Honda perdeu 5% de seu valor de mercado com o anúncio da parceria. Já a Nissan viu suas ações dispararem 30%.

A fabricante do Sentra perdeu o rumo desde a saída do executivo brasileiro Carlos Ghosn, em 2018. Acusado de crimes monetários no Japão, o ex-CEO protagonizou uma fuga espetacular para o Líbano – numa caixa de madeira colocada em um jato particular –, o que fez dele uma celebridade global e rendeu até uma série na Netflix.

Carlos Ghosn, ex-CEO da Nissan, em palestra na Holy Spirit University of Kaslik (USEK) no Líbano:

Créditos: Hasan Shaaban/Bloomberg

Fugitivo da Justiça japonesa, mas livre em Beirute, Ghosn criticou a fusão com a Honda. Na visão dele, “não há complementaridade”. “São duas firmas fortes na mesma coisa e fracas na mesma”, disse o executivo a jornalistas no mesmo dia do anúncio da fusão. Ghosn chamou a empreitada de “duplicação”, ou seja, uma mera superposição de atividades sem ganhos evidentes.

E ele tem um ponto.

Ambas as firmas vendem modelos similares de SUVs e sedans, principalmente no mercado americano. Uma vez que os dois portfólios se tornem um só, elas vão ter de decidir quais serão eliminados e se haverá cortes.

Qual o sentido de fundir as firmas sem integrar as equipes de marketing e produtos, para não falar na logística e na distribuição? Isso mesmo com a crescente nas vendas de carros menores nos EUA, o que tem favorecido Honda e Nissan nos últimos meses.

A mesma “escolha de Sofia” vai acontecer na integração das operações, desde as linhas de produção até os projetos de pesquisa e desenvolvimento. A Honda defendeu a fusão argumentando que ela e Nissan precisam juntar forças em P&D para fazer frente à concorrência, mas este não é um processo simples.

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Honda e Nissan também têm culturas corporativas muito distintas. É o tipo de coisa que costuma ficar em segundo plano na hora de negociar uma fusão, mas que pode inviabilizar uma aliança efetiva no longo prazo como demonstrado por fusões complexas em outros setores, como a de Itaú e XP. Na ânsia de “destravar valor”, a nova companhia pode travar por completo.

A Honda tem uma cultura que valoriza a engenharia. CEOs e altos executivos costumeiramente são engenheiros, a começar pelo fundador da firma Soichiro Honda – talvez você se lembre dele pelas emocionadas interações com Ayrton Senna. Se não, vale um Google. Já a Nissan privilegia profissionais da área de vendas, historicamente contratando executivos formados na Universidade de Tóquio.

Se não houver grandes contratempos e o otimismo que embalou o anúncio da fusão entre as duas gigantes japonesas de fato acontecer conforme o esperado, ainda levará tempo para que a combinação entre Honda e Nissan se converta em corte de custos e novos modelos capazes de seduzir consumidores mundo afora.

Assim como Stellantis e Volkswagen, as duas companhias estão preocupadas com a ascensão das montadoras chinesas, em especial BYD e Geely. Como as duas japonesas focam no mercado americano, as preocupações são um pouco menores porque o governo dos EUA aplicou tarifas de 100% sobre importados da China. Este é o copo meio cheio do protecionismo americano.

O copo meio vazio é que Donald Trump vem aí, e com ele uma aposta dobrada nas barreiras tarifárias. O republicano tem falado em taxas de 25% sobre automóveis fabricados no México, o que pode virar um grande problema tanto para a Honda quanto para a Nissan. Ambas operam complexos industriais no território mexicano voltados para exportação aos EUA.

Se a história ensina alguma coisa a este respeito, é que as chances de dar tudo errado não são nada desprezíveis. Daimler-Benz e Chrysler, em 1998, BMW e Rover, em 1994, Volkswagen e Ford aqui no Brasil, em 1987, Fiat e GM 2000. Todos exemplos de fusões entre grandes montadoras interessadas em “corte de custos” e em “parcerias estratégicas” que acabaram em frustração e em perdas bilionárias.

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Autor: Greg Prudenciano

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