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Não é só impressão: a inflação se espalhou por todos os lados

Se você ainda não foi surpreendido com um aumento no valor cobrado por algum dos seus prestadores de serviço, prepare-se: esse momento deve chegar. Na verdade, a gente sempre espera que muitos preços subam na virada de ano. Só que, desta vez, essa onda parece ter vindo mais forte. Ou, pelo menos, mais espalhada: da manicure à academia, as notícias de reajustes em dois dígitos estão por todos os lados. E, em geral, elas têm um (suposto) embasamento macroeconômico: “o dólar subiu”, “a Selic está mais alta”,  e até “o governo vai taxar o pix” (o que é uma grande fake news, é bom lembrar).

O que confirma que, realmente, tem mais coisas subindo de preço é o índice de difusão do IPCA que chegou a 69% em dezembro do ano passado. Isso significa que, de tudo o que o IBGE pesquisa para calcular o IPCA, 69% tiveram aumento de preço. Um índice desse nível só se viu em dezembro de 2022, quando a economia global tentava se reorganizar após a pandemia.

Segundo o professor de economia do Ibmec-RJ Thiago Moraes Moreira, a desvalorização do câmbio é uma das principais razões para a inflação estar se espalhando. É que existem muitos produtos que sofrem impacto da alta do dólar, direta ou indiretamente: desde a farinha de trigo, que define o preço do pão francês, até a gasolina, que afeta o custo de muitas indústrias. Esses produtos são chamados de “comercializáveis”. O conjunto desses itens que ajudam a compor o IPCA subiu 1,07% em novembro e 1,19% em dezembro – justamente o período em que a discussão sobre a política fiscal esquentou e o dólar superou a marca dos R$ 6,00.

“É natural que a difusão da inflação esteja mais alta, porque a alta do dólar impacta toda uma cadeia produtiva”, explica Moreira.

O índice de difusão mais não é, necessariamente, um sinal de que a inflação saiu de controle, explica o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV/Ibre) André Braz. Tanto o fim como o início do ano são períodos marcados por aumentos de vários gastos, como o IPVA, mensalidade escolar, refeição fora de casa e tarifas de transporte.

O problema é que a alta do dólar deve fazer com que outros itens também subam. E isso pode manter a inflação espalhada por mais tempo. Braz diz que, em geral, o índice de difusão volta para um patamar próximo de 50% entre fevereiro e março. Mas, desta vez, é provável que essa normalização leve mais tempo. “Cerca de 30% da inflação em 2024 ficou concentrada em alimentos. Este ano, com essa alta abrupta do dólar, mais coisas devem subir”, explica.

É difícil afirmar que o dólar chegou ao seu pico – o câmbio é considerada a variável mais difícil de prever pelos economistas. De todo modo, dá para dizer que o mais provável é que ele não vai repetir o mesmo desempenho de 2024, quando o dólar subiu 27% em relação ao real. Isso significa que, ainda que os preços dos produtos comercializáveis se acomodem em um patamar mais alto, eles tendem a não subir tanto. Mas isso não elimina os riscos de a inflação continuar subindo.

Moreira explica que a economia brasileira é muito indexada. Isso significa que tem muita coisa no Brasil que é reajustada automaticamente por um determinado índice de inflação. É o caso dos aluguéis: a maioria dos contratos é corrigida todo ano de acordo com a variação do IGP-M, índice de inflação calculado pela FGV, que subiu 6,54% em 2024.

O IGP-M tem outra peculiaridade. Ele é calculado a partir da consolidação de três subindices: o de preços ao consumidor (IPC), o de preços da construção civil (INCC) e o de preços ao atacado (IPA). O IPA, que subiu 7,23% no ano passado, capta a variação, por exemplo, de preços dos insumos usados pelas indústrias. Esse aumento de custo no setor produtivo deve chegar em algum momento, portanto, ao consumidor.

Mas existe um outro fator mais subjetivo nesse cenário de inflação: as expectativas. “A gente vê que o que acontece com a bolsa, com os juros e com o câmbio assusta as pessoas. E a percepção de que as coisas não vão bem contagia as expectativas”, diz Moreira. E isso acaba prevalecendo, inclusive, sobre outros números positivos sobre a economia brasileira, como a queda do índice de desemprego, de 6,1%, menor nível da série histórica.

“Existe um choque entre a percepção da população e a economia real, que está mostrando um desempenho positivo”, diz. O problema, explica, é que a sensação do consumidor de que as coisas não estão indo bem tende a gerar efeitos concretos sobre a economia.

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Autor: Lucinda Pinto

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