China constrói fortaleza econômica contra pressão dos EUA
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Um dia na China poderia facilmente começar assim: levante-se da cama e navegue pelas mensagens do WeChat em seu smartphone Huawei. Entre em um carro elétrico BYD e siga para a estação ferroviária, onde um trem de alta velocidade de uma fábrica estatal leva você ao seu destino. Usinas nucleares, fazendas solares e turbinas eólicas projetadas por chineses fornecem luz para a cidade.
A China tem pressa de se tornar menos dependente dos produtos e tecnologia do mundo exterior — parte de um esforço de anos do líder Xi Jinping para torná-la mais autossuficiente e resistente à pressão ocidental com o aumento das tensões com os EUA. Pequim despejou centenas de bilhões de dólares em indústrias escolhidas a dedo, especialmente na manufatura de ponta, ao mesmo tempo em que pedia aos líderes firmariais para se alinharem às prioridades do governo.
De muitas maneiras, o esforço está sendo bem-sucedido.
Em vez de depender de firmas estrangeiras para robôs e dispositivos médicos, a China agora está fazendo mais por conta própria. Os painéis solares fabricados lá estão substituindo parte da necessidade de energia importada do país. O sucesso de seus fabricantes de veículos elétricos e da novata da inteligência artificial DeepSeek acendeu temores de que a China possa até eclipsar o Ocidente em alguns setores de ponta.
Por trás dessas vitórias, no entanto, a política industrial de Xi é extremamente cara, consumindo recursos do Estado em um momento em que as receitas do governo estão estagnadas. Uma estimativa do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS na sigla em inglês), com sede em Washington, colocou os gastos anuais da China em política industrial na casa dos US$ 250 bilhões em 2019.
Grandes somas foram desperdiçadas em projetos que falharam, especialmente em áreas como semicondutores avançados.
A enxurrada de investimentos que chegam às fábricas chinesas também está causando problemas para a China no exterior, pois gera enormes quantidades de produtos chineses que estão sendo empurrados para os mercados estrangeiros a preços reduzidos, acentuando as tensões comerciais. Os países ocidentais já tentaram impedir que chips avançados cheguem ao país, e o crescente domínio da manufatura da China em alguns setores de maior destaque deve ser um ponto crítico em novos atritos comerciais, agora que o presidente Trump aumenta a pressão sobre Pequim.
A China precisa encontrar novos meios de crescimento agora, para compensar o impacto econômico de um setor imobiliário enfraquecido e de um cenário global sombrio para o comércio. Muitos economistas dizem que o país deveria estar desenvolvendo sua rede de segurança social para impulsionar uma recuperação duradoura nos gastos do consumidor, em vez de jogar mais dinheiro em sua já vasta base industrial, acumulando mais dívidas sem garantia de retornos futuros.
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Mas Pequim acredita que canalizar enormes recursos para a indústria e a tecnologia avançadas aumentará a segurança nacional, tornando o país menos suscetível à pressão ocidental. Se isso significa que alguns problemas econômicos estão sendo negligenciados ou que há um aumento das tensões com o Ocidente, os líderes chineses estão mostrando que os riscos valem a pena.
O custo do esforço da China é “muito capital queimado”, disse Alfredo Montufar-Helu, chefe do Centro da China no grupo de pesquisa Conference Board em Pequim. “A China conseguirá arcar com o custo? Para o governo chinês, eles estão sendo forçados a arcar com esse custo.”
O Escritório de Informação do Conselho de Estado da China não respondeu a um pedido de comentário.
“A autossuficiência em ciência e tecnologia é a base de nossa força e prosperidade nacional, e é necessária para nossa segurança”, disse um âncora da emissora estatal chinesa CCTV neste mês.
Voando sozinha
Xi formalizou suas ambições de tornar o país mais autossuficiente em 2015 quando revelou uma iniciativa chamada “Made in China 2025”.
Um documento do governo que estabeleceu os objetivos do programa enfatizou que o mundo estava à beira de uma nova revolução tecnológica e que a China só teria sucesso investindo em uma base de fabricação mais avançada.
Embora a iniciativa tenha buscado elevar a manufatura chinesa em todos os setores, dez deles foram priorizados, como o de robótica, o aeroespacial e o de veículos de nova energia.
Metas explícitas também foram estabelecidas para aumentar o conteúdo nacional de componentes principais e materiais básicos. Subsídios estatais e outros apoios monetários ajudariam a China a atingir seus objetivos.
Autoridades dos EUA criticaram o programa por ter como objetivo excluir firmas estrangeiras, uma divisão que só piorou depois que Trump assumiu o cargo em 2017. Em 2019, sob pressão dos EUA, Pequim começou a retirar referências ao “Made in China 2025” dos relatórios oficiais e sinalizou que planejava dar um papel maior às firmas estrangeiras no fornecimento à China.
No entanto, à medida que as relações com os EUA se deterioravam ainda mais, a tentativa de autossuficiência chinesa só se intensificou. O mundo está ficando mais turbulento, disse o governo em seu último plano econômico quinquenal publicado em 2021, e a “autossuficiência” em ciência e tecnologia é fundamental.
Histórias de sucesso
Nos veículos elétricos, um dos dez setores mencionados no “Made in China 2025”, o apoio industrial aumentou de US$ 15 bilhões em 2019 para mais de US$ 45 bilhões em 2023, de acordo com estimativas do CSIS. Mais de cem marcas correram para o mercado.
Conforme a qualidade dos carros ia melhorando, rivais estrangeiros na China começaram a ser derrotados, e houve incursões rápidas no exterior.
No ano passado, os carros elétricos e híbridos plug-in representaram 48% das vendas de carros de passageiros na China, acima dos 41% do ano anterior, ou quase 11 milhões de veículos, segundo dados da Associação de Carros de Passageiros da China. A maioria desses carros elétricos foi fabricada por marcas chinesas, como BYD e Geely. Agora, a BYD ultrapassou a Volkswagen e se tornou a montadora que mais vende na China, enquanto as vendas de montadoras americanas como a General Motors, que recentemente disse que receberia mais de US$ 5 bilhões em encargos ligados a seus fracos negócios na China, despencaram.
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Uma história semelhante surgiu na construção naval, com o governo despejando cerca de US$ 132 bilhões em apoio ao setor de transporte marítimo e construção naval entre 2010 e 2018, de acordo com o CSIS. Isso tornou a China mais autossuficiente e transformou as firmas chinesas nas construtoras navais dominantes do mundo, controlando mais da metade da produção global com base em tonelagem mercante em comparação com 5% em 1999, disse Matthew Funaiole, membro sênior do CSIS, no ano passado.
Durante anos, a China foi um importador líquido de produtos químicos, especialmente do Oriente Médio, da Europa e dos EUA, já que a produção doméstica não era suficiente para garantir plásticos, fibras e outros produtos químicos consumidos por sua economia em crescimento. Desde 2021, no entanto, esse déficit se transformou em superávit, conforme o aumento da produção doméstica vai estimulando as importações.
Em 2024, a China registrou um superávit de exportação de US$ 34 bilhões em produtos químicos, em comparação com um déficit de US$ 40 bilhões em 2020.
Obstáculos à frente
De outras maneiras, no entanto, a busca de Xi pela autossuficiência continua enfrentando obstáculos.
No setor aeroespacial, o jato C919 da China entrou em serviço comercial em 2023, um feito comemorado pelo governo após anos de contratempos. Mas o avião, construído pela fabricante estatal Comac para rivalizar com os jatos de passageiros da Boeing e da Airbus, está repleto de sistemas e componentes estrangeiros, incluindo o trem de pouso vindo da Alemanha e motores dos EUA e da França.
Além da tecnologia, uma tentativa de aumentar a autossuficiência da China na oferta de alimentos é limitada pela falta de terra arável e de água. Em 2024, o país importou 105 milhões de toneladas de soja — um aumento de 21% desde 2019 — com uma grande parcela proveniente dos EUA, enquanto as importações de carne aumentaram 55% no mesmo período.
Em semicondutores, os países ocidentais estão trabalhando ativamente para garantir que a China não se recupere em breve, o que apenas reforçou a determinação de Pequim pela autossuficiência.
Formuladores de políticas chineses há uma década disseram que queriam que 70% da demanda de chips do país fosse atendida pela produção doméstica até 2025. Até o final deste ano, a produção local fornecerá apenas cerca de 30% da demanda chinesa por chips, embora isso esteja acima dos cerca de 20% em 2024, de acordo com estimativas da consultoria International Business Strategies. As importações de chips no ano passado foram de cerca de US$ 400 bilhões, de acordo com dados da alfândega chinesa.
A China não possui tecnologia doméstica para produzir as ferramentas mais avançadas para a fabricação de chips, que atualmente são produzidas por alguns fornecedores nos Países Baixos, no Japão e nos EUA. As medidas americanas e outras medidas de controle de exportação impedem a China de obter essas ferramentas mais avançadas. Sem elas, fabricar os chips mais avançados provou ser muito difícil para a China.
Ainda assim, os atores chineses fizeram avanços que surpreenderam as autoridades americanas. Em 2023, a Huawei Technologies lançou o smartphone Mate 60, que continha um circuito integrado que estava um passo mais perto do nível de tecnologia dos chips avançados nos iPhones da Apple, embora especialistas do setor tenham levantado questões sobre o rendimento da produção desses chips e se a Huawei consegue produzi-los em massa com eficiência. A Huawei não comentou os detalhes do chip.
A Huawei também conseguiu desenvolver seu próprio sistema operacional depois de ter sido impedida de usar o sistema Android do Google.
O caso da recém-chegada à IA, a DeepSeek, pode ser um contraexemplo da estratégia liderada pelo Estado chinês. Em vez de emergir de um laboratório do governo, o DeepSeek foi desenvolvido por um geek chinês da matemática que abriu um fundo de hedge. Muitos economistas argumentaram que a China poderia acelerar melhor sua economia aliviando os controles sobre seu setor privado, fortalecendo o país enquanto compete com os EUA, sem muitas das desvantagens de seu modelo de liderança estatal.
Escreva para Brian Spegele em Brian.Spegele@wsj.com, Jason Douglas em jason.douglas@wsj.com e Yoko Kubota em yoko.kubota@wsj.com
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Esta notícia foi originalmente publicada em:
Fonte original
Autor: The Wall Street Journal