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Sócios de Eike Batista na ‘supercana’ colecionam promessas bilionárias e cheques sem fundo

Um sheik árabe promete investir uma quantidade obscena de dinheiro em um país que não é bem da primeira divisão das grandes economias. Dizendo ter um cheque cuja monta poderia revolucionar o ambiente de negócios local, ele consegue a atenção de políticos poderosos e de toda a imprensa nacional.

Essa história aconteceu na Turquia em 2017. Depois, na Tunísia, em 2020. Agora, é a vez do Brasil conhecer Zayed Bin Rashid Bin Aweidha Al Qubaisi, que se apresenta como um bilionário de Abu Dhabi, herdeiro de uma tradicional família fundadora dos Emirados Árabes e CEO do fundo Abu Dhabi Investment Group (ADIG).

Mas há alguns problemas: a reportagem do InvestNews não encontrou registros de investimentos feitos pelo ADIG, o que inclui os bilhões prometidos às audiências turca e tunisiana. O único império aparentemente construído por Zayed e seu ADIG é o de press releases, textos de divulgação que se valem da linguagem jornalística para vender a suposta trajetória triunfal do grupo.

Agora ele estaria disposto a investir por aqui a bizarra quantia de US$ 100 bilhões. Zayed já teria até assinado seu primeiro cheque: US$ 500 milhões para a controversa “supercana” de Eike Batista, projeto também apoiado pelo empresário brasileiro Mario Garnero, da BrasilInvest.

A BrasilInvest nasceu como um banco de investimentos nos anos 1970 e acabou ganhando fama em um escândalo monetário na década seguinte. Garnero foi condenado por estelionato e fraude, mas a condenação acabou anulada pela Justiça. Hoje, ele organiza colóquios entre empresários brasileiros e estrangeiros – esses serviram de base para a aliança entre os homens que protagonizam esta reportagem.

Em novembro, Garnero intermediou uma reunião entre Zayed e Lula. O presidente ouviu promessas de investimento para uma pauta tão ampla quanto “recuperação de pastagens degradadas, indústria, mobilidade e desenvolvimento urbano”, segundo publicou a Presidência da República. O encontro rendeu a Zayed uma foto com o petista.

Zayed Bin Aweidha e o presidente Lula se reuniram no fim de novembro de 2024. Foto: DIvulgação/ADIG

Em fevereiro, a aliança entre Garnero e Zayed ganhou forma no Fundo BrasilInvest-ADIG, que tem um certo Renato Costa como CEO. Ele é o responsável por administrar o dinheiro quase infinito da empreitada. Desde então, Costa tem falado com jornalistas e afirmado que houve um “entendimento de investimento” no Brasil a partir da conversa entre Zayed e Lula.

Em entrevista recente ao CNN Money, Renato Costa disse que o valor destinado ao país pode chegar a US$ 350 bilhões (pouco mais de R$ 2 trilhões). É muito, muito dinheiro: mais do que o Brasil tem em reservas internacionais (US$ 330 bilhões) e mais do que o caixa da Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett (US$ 334 bilhões).

Garnero ficou como chairman do fundo. O vice-chairman é Luciano Coutinho, ex-presidente do BNDES que teve de explicar ao Congresso empréstimos feitos pelo banco público a firmas de Eike Batista no início da debacle das firmas do grupo EBX.

A escolha de Renato Costa para chefiar o fundo chama a atenção. Apesar de se apresentar como “o terceiro maior especialista do mundo” em finanças, com experiência em ajudar firmas brasileiras a “levantar crédito” no exterior, Costa já conheceu as manchetes ao ser acusado de aplicar pequenos golpes em startups brasileiras cujos desfalques giram em torno de US$ 5 mil cada.

“Comprado” na supercana de Eike, Renato Costa também tem um histórico com o ex-bilionário. Em 2022, ofereceu US$ 350 milhões à vista para comprar títulos de dívida originalmente pertencentes a Eike e que haviam sido tomados pela Justiça. Eike alega que as debêntures valeriam até US$ 500 milhões, o último resquício do que um dia foi o império X.

Mas o cheque de Renato Costa simplesmente não tinha fundos.

Agora, Eike, Garnero, Costa e Zayed estão alinhados. O quarteto coleciona promessas bilionárias, polêmicas financeiras, acusações de crimes e cheques que nunca são compensados, mas segue com acesso aos holofotes garantidos pela cobertura da imprensa e por contatos políticos arregimentados ao longo das últimas décadas.

Nesta reportagem, apontamos as inconsistências do projeto da supercana e fatos importantes das vidas dos homens que são seus divulgadores.

Ao InvestNews, Renato Costa reafirmou que “a aliança com a ADIG foi formada em uma visita ao Palácio do Planalto em novembro do ano passado”, que o investimento no projeto da supercana é anterior à sua gestão no fundo. Sobre os crimes monetários que teria cometido, Renato disse que nunca foi denunciado na Justiça. Sobre a origem do dinheiro do fundo, valor total envolvido, expectativas de retorno monetário, ele não respondeu.

A Embaixada dos Emirados Árabes Unidos (EAU) disse que o ADIG é “uma entidade ligada ao Fundo Soberano” do país mas não respondeu sobre o papel do ADIG e da família Aweidha nos EAU. A embaixada também não disse se apoia os projetos de Zayed no Brasil.

Zayed Bin Aweidha e a Presidência da República do Brasil não responderam à reportagem. Mario Garnero não foi encontrado.

O enigma do sheik

Quem dá um Google no nome de Zayed Bin Rashid Bin Aweidha Al Qubaisi logo encontra um caminhão de links. Há muitas reportagens em português que pipocaram em diversos sites e jornais brasileiros nas últimas semanas – quase sempre relacionadas às cifras estratosféricas já mencionadas neste texto, incluindo o projeto da supercana e encontros com Lula e outros políticos como o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro.

Zayed também aparece em reportagens internacionais publicadas nos últimos anos. Nelas, a frustração do dinheiro prometido e que nunca deu as caras. Em 2017, Zayed foi à imprensa turca anunciar que levaria ao país também US$ 100 bilhões em investimentos, mas não há registros de que um mísero dólar originado no ADIG tenha de fato alcançado a Turquia nos anos seguintes.

Em 2020, Zayed desembarcou na Tunísia e se reuniu com o presidente Kais Saied para anunciar um megainvestimento em infraestrutura e saúde, incluindo a construção de uma “cidade-médica” e de zonas francas comerciais. De novo, nada aconteceu depois disso.

Há ainda o caso da fintech australiana Xinja Bank, também em 2020. A firma recebeu uma promessa de aporte de US$ 275 milhões (433 milhões de dólares australianos, no caso) por parte do ADIG. O anúncio gerou entusiasmo, e o banco chegou a divulgar que uma parcela inicial do dinheiro já estava sendo liberada, mas o “Pix” não caiu. Sem os fundos prometidos, a Xinja colapsou e foi à falência.

Na imprensa brasileira, Zayed Bin Aweidha tem sido chamado de “sheik”, embora ele não costume usar o título honorífico para se referir a si mesmo. No entanto, o uso comum do termo por aqui traduz exatamente a imagem que ele e seu ADIG querem projetar: a de um árabe bilionário, misterioso e disposto a investir muito dinheiro.

Em entrevista recente ao Estadão, os 100 bilhões de dólares viraram 100 bilhões de reais, uma redução de quase seis vezes no montante envolvido, considerando o câmbio. A correção, no entanto, se restringe apenas à mídia brasileira – no exterior, o ADIG afirma desde novembro que o aporte seria de uma centena de bilhões de dólares.

Lula e o CEO do Abu Dhabi Investment Group, Zayed Bin Aweidha, ao lado do empresário brasileiro Mario Garnero Foto: Secom/Ricardo Stuckert

Mesmo na versão em reais, seria uma enormidade de dinheiro, que incluiria investimentos em transportes e até a urbanização de favelas na Baixada Fluminense. As projeções de retornos monetários destes investimentos-com-cara-de-governo nunca são apresentadas – ou seja, num fundo com recursos privados, não se sabe qual o retorno esperado pelos cotistas.

Diversos sites que pertencem ao próprio ADIG espalham pela internet a história de que o fundo teria sido criado em 1958 por Rashid Bin Aweidha Al Qubaisi, pai de Zayed. Rashid, segundo o press release reproduzido à exaustão pela imprensa brasileira, teria tido um “papel de protagonismo” no desenvolvimento dos Emirados Árabes. A Embaixada dos EAU não confirmou essa informação.

A imprensa árabe quase não faz citações à atuação do ADIG ou de Zayed Bin Aweidha – algo estranho para um grupo que diz ser multibilionário.

As poucas notícias encontradas pela reportagem do InvestNews relatam que Zayed foi investigado entre 2005 e 2007 por manipulação no mercado de ações dos Emirados Árabes. O jornal local Al-Ittihad reportou negociações suspeitas envolvendo papéis do Dubai Islamic Bank (DIB). O atual CEO do ADIG chegou a ser condenado, mas recorreu e o processo acabou anulado pela Justiça dos EAU.

O novo arranjo de Eike Batista com o ADIG repete um padrão já visto no caso dos supostos investidores chineses, de 2021. Naquela ocasião, Eike apresentou à imprensa o fundo China Development Integration Limited (CDIL), que dizia ter à disposição US$ 3 bilhões para investimentos no Brasil que seriam indicados pelo ex-bilionário. No fim, o que se encontrou foi um fundo com capital social de só US$ 128.

Os amigos do rei

“Empresário que ofereceu US$ 350 milhões por debênture de Eike deu cheque sem fundo e sumiu com carro de locadora”. O título da reportagem assinada pela jornalista Malu Gaspar em O Globo apresenta um pouco do cartão de visitas do CEO do Fundo BrasilInvest-ADIG, aquele que promete alocar até US$ 350 bilhões no Brasil. Para efeito de comparação, o fundo soberano Mubadala, que atua no Brasil desde 2012, investiu por aqui “apenas” US$ 6 bilhões.

A reportagem afirma que Renato da Cruz Costa contava com pelo menos 18 processos no Brasil, “acusado de estelionato e de dar calote em despesas variadas”. MaluGaspar diz ali que os processos envolvendo o agora CEO do fundo incluem “desde um cheque sem fundos de R$ 6,5 mil até uma condenação para que ele pague R$ 272 mil a uma locadora de imóveis”. Um processo de 2019 também acusa Renato de ter se apropriado indevidamente de dois carros alugados, um Mercedes-Benz C250 e um Audi Q5.

Brasileiros donos de startups também acusam Renato de dar golpe em pelo menos cinco empreendedores – um deles, inclusive, procurou por conta própria a reportagem do InvestNews após a publicação desta reportagem sobre a supercana.

Renato teria abordado os criadores das firmas e prometido a eles investimentos milionários nos projetos. Os empresários eram então convencidos a pagar quantias diversas que seriam utilizadas na emissão de documentos nos Estados Unidos e na Europa – etapa necessária para que o dinheiro fosse injetado nas startups.

O tempo passava, nenhum aporte acontecia e Renato sumia no mundo.

Naquele momento, ele se valia da firma RC Group. Agora, age também como CEO da GF Capital. Há ainda menções a um tal Grupo Financial. Outras reportagens falam de uma General Finance. Renato afirma que suas firmas estão sediadas nos Estados Unidos – não estranhe, portanto, se você topar com alguma matéria que fale de uma “gestora americana” como parte do consórcio do qual fazem parte BrasilInvest e ADIG. Questionado pelo InvestNews sobre documentos que comprovem a existência do fundo, ele não respondeu.

Agora, Renato aparece convocando empresários do agronegócio, da infraestrutura, da saúde e até do setor aeroespacial para apresentar ao Fundo BrasilInvest-ADIG projetos que mereçam pedaços da montanha de dinheiro que afirmam ter em caixa.

“Nós vamos ter uma área dentro do nosso site para receber projetos”, disse Renato Costa em entrevista ao canal Times Brasil.

“Ainda que [o projeto] não esteja pronto, nós faremos toda a parte de estruturação para deixá-lo pronto a receber o investimento” explicou. “Não há limites para nós fazermos isso”.

Outro alvo definido do consórcio é a cambaleante Avibras, firma brasileira de defesa que fabrica sistemas de lançadores de foguetes e mísseis. Atualmente, há uma disputa pelo controle da companhia, que está em recuperação judicial.

O consórcio BrasilInvest-ADIG-GF Capital prometeu elaborar um plano de negócios a ser apresentado até 4 de abril para tentar assumir o controle da firma e investir nela outro meio bilhão de dólares. A firma Akaer, de São José dos Campos (SP), faz parte do acordo e seria fundida à Avibras.

Em 2023, a Folha de S.Paulo publicou que o governo Lula teria pedido ao ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho – agora vice-chairman do fundo BrasilInvest-ADIG – uma solução de resgate da Avibras.

Procurado pelo InvestNews, Luciano Coutinho não quis se pronunciar.

Nem tão super

Em setembro de 2024, o InvestNews mostrou que o projeto da supercana, promovido por Eike, enfrenta resistência no agronegócio brasileiro. De engenheiros agrônomos ao empresário Rubens Ometto, todos afirmam que a variedade da planta já foi testada e nunca se mostrou economicamente viável.

O potencial da supercana seria tal, na visão de Eike, que nem um cheque US$ 500 milhões daria conta. Ao investidor comum, ele oferece um criptoativo, a moeda $EIKE, com a qual espera levantar até US$ 100 milhões extras para construir na Flórida uma fábrica de bioplástico feito a partir do bagaço da supercana.

A aliança entre Eike Batista, Mario Garnero, Renato Costa e Zayed Bin Aweidha segue um padrão: anúncios espetaculares, promessas bilionárias, muita mídia e pouca transparência.

Enquanto os holofotes produzem uma aura de credibilidade e acesso ao poder, o histórico de cheques sem fundo e investimentos que nunca chegam levanta a pergunta: desta vez vai ser diferente?

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Esta notícia foi originalmente publicada em:
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Autor: Greg Prudenciano

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