Não há pontes entre governos Trump e Lula, diz Troyjo, que presidiu Banco do BRICS


As relações entre Brasil e Estados Unidos nunca estiveram tão distantes como agora. Essa é a avaliação de Marcos Troyjo, ex-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), o banco do BRICS. Ele conversou com o InfoMoney nesta terça-feira (25), em Curitiba (PR), durante a Smart City Expo, o maior evento de cidades inteligentes das Américas.
“Não consigo lembrar de uma situação, nos últimos 40 anos, em que os governos do Brasil e dos Estados Unidos fossem tão diferentes e tivessem visões tão distintas sobre as questões internacionais. Não há pontes entre a administração Trump e a administração Lula”, falou.
Para o economista, que já foi secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia (2019-2020) e possui trajetória acadêmica em instituições como Harvard e Sorbonne, o Brasil precisa focar no básico. “Fazer o feijão com arroz, ou seja, montar posições conjuntas a serem discutidas com os americanos”.
Durante a conversa, Troyjo também demonstrou preocupação com o BRICS, cujo banco ele presidiu entre julho de 2020 e março de 2023. Isso por causa da entrada recente de novos países, como a Etiópia e o Irã. “Com mais membros, perde-se a capacidade de gerar consensos e há o risco de o bloco se tornar apenas um fórum de declarações políticas, sem avanços concretos em áreas estratégicas, como mobilização de capital e projetos de infraestrutura”.
Confira a seguir a entrevista completa.
InfoMoney: O presidente Donald Trump anunciou recentemente sua política de tarifas recíprocas, que passa a valer no dia 2 de abril. No caso do Brasil, já há a taxação sobre o aço, mas há preocupações no Palácio do Planalto sobre a possibilidade de um imposto linear sobre toda a pauta exportadora brasileira. Quais seriam os impactos práticos dessa medida para a economia brasileira? Quais setores podem ser mais afetados?
Marcos Troyjo: O Brasil é um país peculiar porque é uma das poucas nações do mundo que têm superávit comercial com a China. E é também um país peculiar porque é uma das poucas nações do mundo que têm um déficit comercial nas suas relações com os Estados Unidos. E, se você fizer uma avaliação do tipo de produto que integra a nossa pauta exportadora para os Estados Unidos, encontrará mais máquinas, equipamentos e bens de alto valor agregado.
Então, a depender de como será implementada essa medida de comércio justo e recíproco pelos Estados Unidos, pode haver, sim, um impacto importante sobre as exportações brasileiras. No entanto, pelo que vimos até agora, vários setores serão afetados não por medidas especificamente direcionadas ao Brasil, mas por medidas direcionadas a áreas específicas da economia.
Vamos supor, por exemplo, que o presidente Trump venha a estabelecer uma política de 20% de taxação sobre o comércio de itens de vestuário e roupas. Naturalmente, todos os países que exportam para os Estados Unidos terão suas exportações encarecidas. Esse é um efeito semelhante ao que acontece quando você está assistindo a um jogo de futebol na arquibancada e está, digamos, no 17º nível, assistindo à partida normalmente. Só que, de repente, alguém na primeira fileira fica tão emocionado que se levanta. Isso força a pessoa de trás a se levantar também, gerando um efeito dominó em que todos acabam de pé. Ou seja, todos continuam a ver o jogo da mesma maneira que antes, só que em uma posição de maior desconforto.
IM: Mas há algum setor em específico que pode sofrer mais?
MT: Pelo que vi até agora, talvez o único setor em que haveria uma ação mais claramente direcionada ao Brasil seja o setor de açúcar e etanol, que é uma área em que o Brasil tem vantagens comparativas. Uma diminuição tarifária para o Brasil não causaria tanto impacto. Aliás, entendo até que, se o Brasil, os Estados Unidos e a Índia entrassem em um grande acordo, daríamos um passo importante para que o etanol se tornasse uma divglobal e entrasse ainda mais na composição das fontes de energia que sustentam a mobilidade veicular de forma sustentável.
Agora, há uma outra leitura do que pode vir a ser uma medida de comércio justo e recíproco, que é simplesmente reproduzir para toda a economia a taxa média de importação aplicada por cada país. Por exemplo, hoje, em média, um produto brasileiro que chega aos Estados Unidos é tributado com uma alíquota de importação de 2%. Já um produto americano que chega ao Brasil é tributado, em média, em 12%.
Se os Estados Unidos decidirem retaliar dessa maneira, as coisas ficarão mais difíceis para o Brasil. Hoje, aproximadamente 13% de tudo o que exportamos vai para os Estados Unidos. Há também a possibilidade de o Brasil realizar gestos de diminuição tarifária. No entanto, é sempre bom lembrar que, neste momento, o Brasil integra uma união aduaneira com os outros países do Mercosul. Portanto, qualquer movimento mais amplo e sustentado de diminuição tarifária precisaria ser organizado junto aos seus parceiros do bloco.
IM: O senhor disse recentemente em entrevista que há uma certa dificuldade no diálogo entre o Brasil e os Estados Unidos. Quais estratégias o Brasil poderia adotar para melhorar essa comunicação com a administração Trump?
MT: Não consigo lembrar de uma situação, nos últimos 40 anos, em que os governos do Brasil e dos Estados Unidos fossem tão diferentes e tivessem visões tão distintas sobre as questões internacionais. Não há pontes entre a administração Trump e a administração Lula. Considerando os interesses firmariais brasileiros e as características desta Casa Branca, que é muito voltada ao setor privado, talvez a melhor estratégia para o Brasil, sobretudo para os exportadores brasileiros, seja formar alianças com os compradores norte-americanos.
Os compradores americanos têm uma voz mais forte e influente para tentar modificar as políticas que estão sendo implementadas em órgãos como o Departamento de Comércio dos Estados Unidos e o Escritório de Representação Comercial da Casa Branca.
Acredito que os americanos estão superestimando sua capacidade interna de substituir cadeias de suprimentos estrangeiras. Nesse cenário, não apenas os consumidores americanos pagarão mais caro por determinados produtos, mas também as firmas americanas terão que aumentar seus investimentos (capex), o que pode afetar a distribuição de dividendos e, consequentemente, o desempenho dessas firmas na bolsa de valores.
Claro que o governo brasileiro deve fazer o básico: articular posições conjuntas para discutir com os americanos e buscar contatos de alto nível entre as autoridades. No entanto, do ponto de vista da eficácia, acredito que alianças com os compradores habituais do Brasil, que dependem dessas importações em suas cadeias globais de valor, terão mais influência sobre a Casa Branca do que outros atores.
IM: Nesta semana, o presidente Trump também falou que pode taxar os países que comprarem petróleo da Venezuela. Você acha que isso pode, de alguma forma, abalar a relação entre Venezuela e Brasil?
MT: O presidente Trump tem uma postura que, por vezes, parece contraditória. Os Estados Unidos, até o fim da presidência Biden, vinham implementando uma série de sanções contra a Rússia. Agora, o presidente Trump está trazendo a Rússia de volta para a mesa de negociação, sobretudo em relação ao conflito na Ucrânia. No caso da Venezuela, mesmo durante a presidência Biden, o comércio de petróleo com os Estados Unidos seguiu fluindo, mas agora foi interrompido. Tenho a impressão de que, nas relações entre Brasil e Venezuela, haverá mais atenção a aspectos ideológicos e ao avanço de pautas de esquerda na América Latina do que ao comércio bilateral entre Caracas e Brasília. Acredito que isso será menos relevante para o que Washington irá observar.
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5 – Recentemente, o presidente dos EUA falou que países dos BRICS podem enfrentar tarifas de 100%. Considerando as assimetrias econômicas entre os membros do grupo, como o senhor avalia os impactos nos diferentes membros? Haveria espaço para uma resposta coordenada?
Entendo que o presidente Trump disse isso em um contexto relacionado à ideia de que os BRICS estariam criando sua própria moeda. No entanto, considero essa proposta muito distante de ser realizada, especialmente porque não há nenhuma negociação sobre o tema entre as duas maiores economias do grupo, China e Índia.
Além disso, os Estados Unidos consideram a Índia um aliado estratégico. Nesta semana, a principal autoridade da área comercial americana está em Nova Délhi, em negociações com o governo indiano. Acredito que, por essas razões geopolíticas, seria improvável que a administração Trump implementasse uma tarifa de 100% sobre as exportações indianas.
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IM: O senhor foi presidente do Banco do BRICS por muitos anos. Qual é a sua avaliação sobre o futuro da instituição após a expansão para países como Irã e Etiópia? Esse alargamento pode ser algo bom para o bloco?
Quando estive no governo e mesmo antes, como professor universitário, sempre entendi os BRICS como um grupo de elite das economias emergentes, com países que compartilham características comuns: grande território, grande população, liderança regional e importância em questões além da economia, como segurança coletiva.
Entretanto, com a expansão para países de renda per capita muito baixa, como a Etiópia, ou altamente sancionados, como o Irã, os BRICS correm o risco de se tornar uma aliança antiocidental. Com mais membros, perde-se a capacidade de gerar consensos e há o risco de o bloco se tornar apenas um fórum de declarações políticas, sem avanços concretos em áreas estratégicas, como mobilização de capital e projetos de infraestrutura.
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Autor: lucasgmarins