Ação da Ambipar cai mais de 50%. Entenda o que está acontecendo
Se a desconfiança do mercado em relação à Ambipar já estava alta, agora a sustentabilidade da reputação do grupo ficou sub judice. Após uma semana turbulenta, com queda de dois dígitos das ações dos preços dos títulos de dívida, o grupo precisou recorrer ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para se proteger contra os credores.
A Ambipar obteve junto ao TJRJ uma tutela cautelar antecipada por 30 dias, um tipo de medida que costuma anteceder os pedidos de recuperação judicial.
Sem essa proteção, detentores de títulos de dívida, por exemplo, poderiam solicitar o vencimento antecipado de acordo com as cláusulas dos contratos. Outro credores podem ainda acionar garantias definidas nas condições dos empréstimos.
A ação da Ambipar recua 50% nesta quinta-feira (25) cotada a R$ 4,95 às 12h.
O risco de insolvência
Qualquer companhia pode quebrar, se tiver de pagar suas dívidas de uma vez. A tutela serve para proteger as operações do negócio, enquanto ganha tempo até que possa implementar um plano de recuperação e reestruturação das dívidas junto aos credores.
No fato relevante, a Ambipar mencionou perdas financeiras com derivativos atrelados a “green bonds” emitidos pela firma. Os “green bonds”ou “títulos verdes” são emissões de dívida em dólar usadas para captar recursos destinados a projetos que geram benefícios ambientais.
Os derivativos são instrumentos monetários usados como proteção, por exemplo, contra oscilações cambiais. As operações mencionadas pela Ambipar se referem a contratos firmados com o Deutsche Bank, segundo apuração do site Pipeline, que tinham como garantia green bonds no valor de US$ 550 milhões.
Com a queda recente dos preços dos bonds da Ambipar para as mínimas históricas no mercado secundário, o banco passou a exigir garantias financeiras adicionais. No caso, pediu um depósito, como uma espécie de caução. O problema: se a companhia efetuasse o desembolso, poderia mudar a o nível de endividamento do grupo, que estava em 2,65 vez no fim do segundo trimestre de 2025.
Uma elevação do nível de endividamento acima de 3 vezes, medido pela relação entre a dívida líquida e o ebitda (lucro operacional), poderia deflagrar pedidos de vencimento antecipado de vários contratos de financiamentos feitos pela firma. A própria Ambipar estimou um volume de R$ 10 bilhões de contratos monetários em risco. Ou seja, ficaria insolvente.
Sinais de fumaça já apareciam no horizonte
Os sinais de que algo não andava bem já tinham surgido nas últimas duas semanas. Desde o início do mês, pelo menos, três altos executivos deixaram a firma. A renúncia do diretor monetário (CFO), João Arruda, na terça-feira (23) jogou lenha na fogueira da desconfiança do mercado.
Ao longo dos últimos dias, a Ambipar passou a amargar uma fuga de investidores de seus papéis, tanto de títulos de dívida em dólar, os bonds, quanto das ações. Os papéis do grupo recuam 50% nesta quinta-feira e acumulam queda de 59% no ano.
Já os títulos em dólar da companhia despencaram mais de 30% na terça-feira logo após a saída de Arruda, um ex-Bank of America que havia assumido o posto há pouco mais de um ano. As notas com vencimento em 2031, as mais líquidas, testão sendo negociadas a 44% do valor de face, ou seja, menos da metade do preço na emissão. O prêmio de risco saltou para mais de 30% sobre os Treasuries (títulos do governo americano).
A deterioração ocorreu apesar de iniciativas para acalmar o mercado: a firma adiou roadshows organizados pelo Bank of America para o início de outubro e comunicou a volta de Ricardo Rosanova Garcia ao posto de CFO. Com pedido de tutela cautelar, a emissão de R$ 3 bilhões em debêntures anunciada nesta semana deve ficar congelada.
No pano de fundo para a crise da Ambipar, há um questionamento amplo sobre a governança e transparência. Em 12 de setembro, a Fitch revisou a perspectiva do grupo para negativa, citando atrasos em formulários, processo administrativo na CVM e baixa transparência contábil. Dias depois, a S&P também emitiu um alerta, apontando riscos crescentes de refinanciamento.
Controvérsias remontam a 2024
A crise de confiança em relação à firma remonta ao alguns meses atrás no episódio da valorização astronômica da ação da companhia no fim de 2024. Na ocasião, houve um “short squeeze”, uma espécie de corrida de investidores para comprar a ação para evitar perdas com posições vendidas, que ganham quando o preço da ação cai. Esse movimento levou a ação da Ambipar a uma valorização que, no auge, chegou a 2.800%, em meados de dezembro.
O short squeeze teve como gatilho grandes operações de aquisição de ações pode parte do fundador da Ambipar, Tércio Borlenghi Jr, que elevou sua participação na firma para 73,48% no fim do ano passado. Ao mesmo tempo, a gestora Trustee também saiu comprando. A casa chegou a ter 15% das ações da companhia, mas posteriormente reduziu a participação e atualmente não aparece mais entre os acionistas relevantes, segundo o portal de relações com investidores da Ambipar.
O free float, que é a quantidade de papéis negociados livremente na bolsa, chegou a cair para abaixo do mínimo exigido pelo Novo Mercado da B3 entre o fim de 2024 e início de 2025. Isso acentuou dúvidas sobre a liquidez e a formação de preço dos papéis. Hoje o free float voltou para 22,33%.
Endividamento preocupa desde o ano passado
Do lado operacional, após um ciclo agressivo de aquisições – 43 desde 2020 – houve um salto de alavancagem, com a dívida bruta chegando a R$ 8,6 bilhões no 3º tri de 2024. A expansão foi financiada por captações relevantes, inclusive green bonds de US$ 750 milhões em 2024 e um alongamento de US$ 500 milhões em 2025, com proteção cambial (hedge).
Os dados do balanço do segundo trimestre indicam que a dívida total a ser amortizada até 2033 soma R$ 10,4 bilhões. O grupo tem ainda apresentado prejuízo líquido em 2025. No primeiro semestre do ano, o resultado negativo alcançou R$ 300 milhões. Cerca de 40% da dívida do grupo está indexada diretamente ao CDI. Além disso mais de 50% dos empréstimos tem proteção (hedge) com a troca da variação do dólar pela do CDI. Trata-se, portanto, de um custo monetário alto em um momento no qual o juro básico permanece em 15% ao ano, com perspectiva de se manter elevado até o próximo ano.
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Autor: Sérgio Tauhata