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Azevêdo: tarifas de Trump podem ser forma dolorosa de provocar reformulação na OMC

Azevêdo: tarifas de Trump podem ser forma dolorosa de provocar reformulação na OMC

A tentativa do presidente americano Donald Trump de “colocar em xeque a ordem internacional que existe hoje” com uma nova política de tarifas traz à baila o papel da Organização Mundial do Comércio, a OMC.

Criada há 30 anos como um fórum de negociações e acordos para reduzir os obstáculos ao comércio internacional, sua atuação vem sendo posta à prova há anos – especialmente pelos Estados Unidos, que participaram de sua concepção.

Leia a primeira parte da entrevista: Oportunidades do “tarifaço” são pontuais e não compensam perdas e danos, diz ex-OMC

Desde 2019, no primeiro mandato de Trump, os EUA bloquearam novas nomeações de juízes para o principal tribunal de apelações da OMC. Sem o quadro de juízes completo, o órgão, na prática, fica inoperante.

Embaixador Roberto Azevêdo, diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 2013 a 2020 e presidente global de operações da Ambipar (Foto: Divulgação)

O embaixador Roberto Azevêdo, que dirigiu a OMC de 2013 a 2020, tem a esperança de que o “tarifaço” de Trump possa ser, ao menos, uma “maneira dolorosa” de provocar atualização e modernização do sistema da organização.

“Como ele vai ser parte desse processo todo, viabilizando conversa entre os membros e tentando encontrar soluções, minha esperança seria de que essa situação levasse a uma reformulação do sistema. As regras da OMC foram negociadas nos anos 80, não existia nem internet quando aquelas regras foram colocadas em vigor”, disse ao programa InfoMoney Entrevista.

Veja a entrevista completa no player acima ou leia os principais trechos abaixo:

InfoMoney – Como fica o acordo comercial entre Mercosul e a União Europeia diante do sistema de tarifas imposto por Donald Trump nos EUA?

Azevêdo – A rigor, o timing é ótimo, porque neste momento tudo que uma estratégia abrangente e bem pensada para o Brasil deveria contemplar é a diversificação. Diversificar mercados, diversificar oportunidades, procurar novos parceiros, procurar canais de comércio que reduzam a dependência do país de um só mercado, de uma só geografia, de um só produto. A diversificação é a regra do jogo hoje, não só para o Brasil, mas para o mundo. Parcerias antigas estão sendo questionadas.

É um bom momento para o Brasil aprofundar relações com a Europa, é saudável. Imagino que a Europa pense da mesma forma, e acho que não deveria parar por aí. Deveríamos buscar uma aproximação comercial, econômica, com outros blocos, países e mercados com mais determinação do que no passado.

InfoMoney – Como o que se viu na viagem recente do presidente Lula ao Japão.

Azevêdo – Ele mencionou a possibilidade, inclusive, de uma negociação de áreas de livre comércio – e se é isso mesmo, é um bom movimento. Eu acho que o Brasil deveria estar explorando isso com os principais parceiros comerciais.

Leia também: Lula diz que vai trabalhar por acordo comercial do Mercosul com o Japão

InfoMoney – O senhor dirigiu a OMC durante vários anos. Como que enxerga a atuação da organização nesse momento de tendência ao protecionismo, considerando inclusive os desafios que os próprios EUA estabelecem ao funcionamento do órgão?

Azevêdo – Por curioso que possa parecer, é justamente nesses momentos que a organização, fragilizada que ela esteja, ganha relevância e as pessoas começam a dar valor.

Tem muito país que na OMC não queria negociar nada porque achava que o sistema não era bom. Hoje, daria graças a Deus de ter o sistema funcionando. Então, o valor do sistema começa a ser percebido cada vez mais, sobretudo pelos que não estão do lado dos EUA, que questionam a ordem internacional econômica e comercial.

Leia também: Tarifas de Trump significam ruptura no comércio internacional, dizem especialistas

A OMC é um sistema multilateral baseado em regras claras, que são interpretadas de maneira diferente. Normal e natural, pois são regras estabelecidas e negociadas ao longo de 80 anos.

Esse sistema é uma âncora para as conversas. Os outros países que estão se falando entre si próprios usam esse sistema como uma âncora para as relações, porque o ideal, numa situação como essa, seria evitar a lei da selva, em que não tem regra, é a lei do mais forte e cada um faz o que quer. O sistema pode ser um esteio para evitar que o mundo inteiro termine ali.

“Haverá muito de lei da selva, de bilateralismo ou de unilateralismo, mas se nós pudermos usar o sistema para evitar que todos nós desaguemos neste mundo do cão, melhor. Por isso, o sistema ganha ainda mais força hoje”

— Roberto Azevêdo

Como ele vai ser parte desse processo todo, viabilizando conversa entre os membros e tentando encontrar soluções, minha esperança seria de que essa situação levasse a uma reformulação do sistema. As regras da OMC foram negociadas nos anos 80, não existia nem internet quando aquelas regras foram colocadas em vigor.

Claramente, o sistema precisa ser atualizado e modernizado. Quem sabe essa é uma maneira dolorosa de fazer com que essa atualização aconteça.

InfoMoney: O senhor enxerga que há recuo no processo de globalização que se estabeleceu nas últimas décadas?

Houve um pico de globalização no começo do século XXI, quando a China despontou como a fábrica do mundo e cresceu a taxas realmente extraordinárias, um crescimento de comércio internacional muito forte, com o que a gente chama de outsourcing – as cadeias de produção e de valor muito integradas. De lá para cá, começamos a ver uma tendência maior para a “autossustentabilidade”, no sentido da autossuficiência, dos países acharem que não podem depender tanto do outros.

Isso se agravou na pandemia. De repente, os países se deram conta de que não tinham capacidade de produzir nem produtos essenciais para salvar vidas dentro do seu território. Isso gerou um certo desconforto político, inclusive ideológico. Essa noção de autossuficiência, de trazer a industrialização e os empregos para dentro, foi se somando.

“Isso é enxergado com frequência como um retrocesso na globalização. Não vejo assim, acho que a globalização é irreversível. A integração das cadeias de valor é irreversível. Com a facilidade de comunicação, de interação, de logística que temos hoje para conectar os países, é impossível você desglobalizar, francamente”

Mas teremos uma globalização diferente, com outras regras, com outras noções, com outras lógicas de integração comercial. O próprio espaço digital está se organizando, a gente não sabe como é que vai ficar tudo isso. É uma evolução com muitos pontos de interrogação. Mas, claramente, é globalização – alguns falam até de reglobalização, mais do que desglobalização.

InfoMoney – E se a globalização do início do século XXI foi muito calcada no outsourcing e na integração de cadeias globais, o novo processo que o senhor identifica daqui por diante estará centrado em quê?

Azevêdo – A tentativa do presidente Trump é de colocar em xeque a ordem internacional que existe hoje. É difícil dizer exatamente qual é o fim da jornada, porque vai depender muito de como o próprio setor privado e os atores econômicos vão reagir a isso tudo.

“Num primeiro momento, o que nós estamos vendo é um mercado de capitais quase em pânico, com as bolsas de valores caindo, as ações das firmas despencando, uma fuga para os chamados safe havens, como ouro, renta fixa, letras do tesouro. A incerteza é muito grande”

— Roberto Azevêdo

Não estou convencido de que nós estamos já com o curso definido e que nós vamos chegar numa nova realidade onde as cadeias de produção serão internalizadas, virão para dentro do país, que esse plano de reindustrialização do presidente Trump vai acontecer. Tem muita água para passar por baixo dessa ponte.

Muito do que se imagina ser possível não será possível ou não será conveniente, ou viável economicamente.

É cedo para dizer que saímos de um período de outsourcing e integração absoluta, e que vamos para um modelo de autossuficiência e nacionalização dos métodos produtivos. Eu iria com calma.

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Autor: Mariana Segala

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