Bets entram na mira dos bancos: proteção ao cliente ou excesso de controle?
A Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda publicou recentemente novas portarias para autorizar o funcionamento de sites de apostas no Brasil. Agora, de acordo com a pasta, 71 firmas têm permissão para operar no País, entre licenças provisórias e definitivas – veja aqui quais são as plataformas mais acessadas. Enquanto o setor avança na regulamentação, instituições financeiras têm alertadoseus clientes sobre os riscos de apostar em bets.
O Bradesco é um dos bancos que adotam essa prática. Nas redes sociais, usuários da instituição relatam que, ao tentar fazer um Pix para um site de jogos, recebem a seguinte notificação: “Este Pix será enviado para uma casa de apostas. Apostas não garantem retorno monetário e o dinheiro pode ser totalmente perdido. Cuide da sua saúde financeira e procure opções mais seguras para valorizar o seu dinheiro.”
Em seguida, o banco permite que o cliente prossiga com a transação, desde que clique no botão “Entendo o risco e quero continuar”. Em nota, o Bradesco diz que a iniciativa tem caráter meramente informativo, sem impor restrições às transferências dos usuários. “O objetivo é oferecer ferramentas que ajudem os clientes a gerenciar seus recursos”.
Outra instituição que segue uma prática similar é o Nubank. A fintech envia uma mensagem de alerta, mas não bloqueia o pagamento. A notificação diz: “Considere antes de seguir. Alguns desses jogos são legalizados no Brasil, mas não garantem ganhos nas apostas. Tem certeza de que quer continuar com a transferência?”. O cliente pode seguir ou cancelar a transação. Quando questionado sobre a medida, o Nubank esclareceu que está sempre em busca de oportunidades para melhorar a experiência dos clientes e que realiza com frequência testes de novos produtos e soluções. “Quaisquer novidades ou atualizações serão compartilhadas no momento oportuno”, disse.
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Quem também tem buscado fornecer orientações sobre os riscos das bets é o Banco do Brasil. Por meio de inteligência analítica, a instituição identifica os clientes que recorrentemente enviam valores para casas de apostas. Para aqueles que colocam em risco sua saúde financeira, o BB encaminha comunicação específica, que contém orientações sobre finanças pessoais, incluindo editoriais específicos do Blog BB sobre o tema.
“O Banco do Brasil não impede as transferências para bets. O foco está na conscientização e na educação financeira, ajudando os clientes a tomarem decisões mais informadas sobre seu dinheiro e a evitar possíveis impactos negativos em seu equilíbrio monetário”, afirma o banco, reforçando que realiza ações semelhantes com outros hábitos de risco, como gastos excessivos com cheque especial e cartão de crédito.
Desde julho do ano passado, os bancos não apenas podem, como são obrigados a oferecer ações de educação financeira aos clientes. A medida passou a ser uma exigência com a entrada em vigor da Resolução Conjunta nº 8, do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional (CMN). Explicamos os detalhes aqui.
Seguindo a proposta de oferecer ferramentas para decisões financeiras mais seguras, o Itaú disponibiliza no seu Superapp a função Alerta Pix, que sinaliza transações com indícios de golpe, fraude ou comportamento fora do padrão de uso da conta. “Essa funcionalidade é aplicável para todo e qualquer destinatário. O Itaú não tem alerta específico para transferências de recursos para bets”, pontua Adriano Volpini, diretor de segurança corporativa da instituição.
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Quem segue um caminho diferente – e mais rígido – com as casas de apostas é o C6 Bank. “Atento ao cenário de superendividamento da população com jogos de apostas, o C6 adota como política o bloqueio do uso do cartão de crédito e do cheque especial para a realização de apostas em casas de bets”, afirma em nota.
O que diz a “Associação das Bets”
A Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) vê as medidas adotadas por bancos com preocupação. O argumento é de que os avisos das instituições financeiras podem levar os apostadores a migrarem para sites de apostas ilegais. “Quando os bancos tomam essa atitude sem conhecer o mercado, sem conversar conosco, eles acabam empurrando os clientes para a ilegalidade. Os apostadores, tendo dificuldades de acessar uma casa legal, imediatamente procuram a facilidade de uma casa não legalizada, em que os riscos são muito maiores e os controles muito menores”, afirma Plínio Lemos Jorge, presidente da ANJL.
A Associação defende que os alertas dos bancos seriam mais eficazes se destacassem os riscos de jogar em sites ilegais e incentivassem os clientes a verificar a legalidade da plataforma antes de apostar. “Mesmo assim, a gente não entende que isso é a função do banco. Mas se eles querem ter essa vigilância, que façam da melhor forma para não atrapalhar a regulamentação”, afirma Jorge.
Ele destaca que a ANJL tem procurado entidades do setor monetário, como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), para dialogar. Um dos objetivos é unir forças com os bancos para rastrear as bets ilegais.
Quando o assunto é educação financeira, a Associação afirma que vem trabalhando em cursos sobre jogo responsável para mostrar aos usuários que as bets devem ser encaradas como uma forma de diversão, não como um “meio de vida”.
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A ANJL também participa de grupos de estudo com o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) e com a SPA, do Ministério da Fazenda, para acompanhar o comportamento do setor. “A partir de agora, com a gente realmente conhecendo o cliente por meio de dados, é que vamos entender suas necessidades e verificar de qual ajuda ele precisa”, diz.
O presidente da ANJL destaca ainda que todas as casas de apostas trazem, em seus sites, um guia de jogo responsável, que alerta sobre os cuidados ao jogar em bets e as formas de procurar ajuda caso a prática esteja se tornando um vício.
Alertas realmente ajudam na educação financeira?
Especialistas apontam que os alertas enviados por bancos têm efeitos positivos, mas não são suficientes para o controle das finanças dos usuários. Carlos Castro, coordenador da Comissão de Embaixadores da Planejar, acredita que as notificações teriam maior alcance se trouxessem dados sobre gastos anteriores do cliente e mostrassem o quanto do orçamento da pessoa já foi comprometido com apostas.
O poder dos alertas também varia conforme o perfil dos clientes. Quem tem um comportamento compulsivo, por exemplo, tende a ignorar esses avisos. “Além disso, mesmo que instituições financeiras limitem o crédito destinado a apostas, os jogadores podem buscar outras fontes de financiamento, legais ou ilegais, como empréstimos de familiares, amigos ou agiotas, o que já têm ocorrido com frequência”, ressalta Ana Paula Hornos, psicóloga clínica e educadora financeira.
Embora os lembretes criem uma barreira psicológica antes da finalização das transações, eles podem ser vistos como uma forma de controle excessivo. “É semelhante ao que acontece quando uma regra ou recomendação soa paternalista demais: algumas pessoas aderem; outras, sentindo-se ‘vigiadas’, acabam se rebelando. Então, sim, essas notificações podem ter um efeito ambíguo, dependendo muito do grau de conscientização financeira e da disposição do apostador em refletir sobre seus gastos”, alerta Bruno Lessa Meireles, professor dos cursos de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Brasil.
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Hornos explica que esse fenômeno é chamado de “reactance” ( reatância psicológica), quando a pessoa sente sua liberdade ameaçada e reage de forma oposta ao esperado, aumentando o comportamento de aposta. Na avaliação da psicóloga, os avisos dos bancos tendem a funcionar melhor para jogadores ocasionais do que para aqueles que já estão em um ciclo de dependência.
Os cuidados na hora de apostar
A primeira grande questão é lembrar que as bets não são investimentos, mas sim entretenimentos de alto risco. Antes de apostar, a pessoa deve estabelecer um valor fixo para gastar com os jogos, à parte do dinheiro reservado às despesas essenciais – assim, se o consumidor perder aquele valor, ele não terá grandes estragos em seu orçamento. “Também não se deve usar cheque especial ou cartão de crédito com as bets, pois qualquer perda pode se transformar em dívidas difíceis de quitar”, aconselha Meireles.
Para Castro, da Planejar, não existe um limite seguro para destinar recursos aos sites de apostas. “Isso vai variar realmente de pessoa para pessoa. Você pode até assumir no planejamento um pequeno percentual ali do orçamento, mas não existe esse limite seguro, porque o grande risco que vem por trás das bets é o vício. Idealmente, é melhor não começar a apostar”, alerta.
Caso a pessoa queira se aventurar nos jogos, vale a recomendação de monitorar os próprios gatilhos emocionais. “Se a aposta começa a ser motivada por frustração, ansiedade ou necessidade de recuperar perdas, o sinal de alerta já está aceso. Em resumo, o maior cuidado é garantir que as bets não controlem o apostador, e sim o contrário”, afirma Hornos.
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Autor: Beatriz Rocha