Como as stablecoins de real ajudam a financiar – mesmo que um tiquinho – a dívida do governo
Em um evento recente sobre criptomoedas em São Paulo, o ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto brincou que o Tesouro dos Estados Unidos deve estar feliz da vida. O motivo: as stablecoins de dólar – criptomoedas atreladas à moeda americana – têm impulsionado a compra de Treasuries, os títulos públicos americanos. Pelas regras do país, esses ativos digitais precisam manter lastro em papéis seguros, na mesma proporção dos tokens emitidos. Só a Tether, emissora da stablecoin USDT, tem US$ 127 bilhões aplicados nesses papéis – o que a coloca entre as 20 maiores detentoras do mundo.
Esse movimento começa a aparecer também no Brasil – em escala muito menor, é verdade, mas sinalizando uma tendência parecida.
O país já tem seis stablecoins atreladas ao real: BRZ, BRLA, cREAL, BBRL, BRL1 e a BRLV, lançada nesta semana. Uma stablecoin brasileira, quando é emitida, também precisa ter a mesma quantidade em caixa. Ou seja, se uma firma coloca R$ 1 no mercado, mantem esse mesmo valor guardado. Com exceção da cREAL, que é uma stablecoin algorítmica – modelo mais arriscado que, em vez de manter reservas em dinheiro, usa códigos de computador para controlar a oferta e a demanda -, as outras cinco têm parte do caixa em títulos públicos, algumas 100%.
Somadas, as stablecoins de real têm quase R$ 270 milhões aplicados em papéis do Tesouro, segundo dados levantados pelo InvestNews juntos aos emissores.
É um tiquinho ainda, claro: o valor representa 0,00331% da dívida pública federal, que chegou a R$ 8,145 trilhões em agosto, de acordo com o Tesouro Nacional. Também está longe da fatia das instituições financeiras, que detêm 31,80% (R$ 2,59 trilhões), da Previdência (23,49%, ou R$ 1,91 trilhão), dos fundos de investimento (21,28%, ou R$ 1,73 trilhão) e dos não residentes (9,83%, ou R$ 802 bilhões). Mas é algo compreensível. As stablecoins de real são recentes – a primeira delas surgiu em 2019 – e a moeda brasileira não tem o mesmo apelo internacional do dólar, por causa da instabilidade política e econômica do país.
Por dentro das stablecoins brazucas
A BRLV, apesar de ser a mais recente, chegou com a bola toda, com R$ 200 milhões de tokens emitidos, todos 100% lastreados em títulos do Tesouro. Segundo a firma, esses papéis já foram subscritos – ou seja, o comprometimento monetário já foi realizado. A firma cripto foi impulsionada por uma rodada seed (nome dado a primeira captação formal de uma startup) de US$ 8,1 milhões liderada por investidores como Framework Ventures, Valor Capital Group e Coinbase Ventures.
Logo atrás vem a BBRL, emitida pelo Grupo Braza, com R$ 56 milhões em circulação, também todos lastreados em títulos públicos de curtíssimo prazo – as as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs). “A escolha privilegia liquidez e segurança, garantindo conversibilidade imediata sem risco de marcação a mercado”, disse Caio Cansian, head de projetos da firma.
A BRL1, criada pela exchange MB | Mercado Bitcoin, tem R$ 6,89 milhões em tokens emitidos, com 99,94% das reservas em Tesouro Selic, conforme informou a companhia. Além desses papéis, a cripto também tem lastro em operações compromissadas – transações de curtíssimo prazo que funcionam como empréstimos garantidos por títulos – e saldo em conta corrente, explicou Fabrício Tota, diretor de novos negócios do MB.
A stablecoin de real pioneira no Brasil, a BRZ, soma R$ 14 milhões em tokens emitidos. Para o lastro, a firma mantém R$ 3,08 milhões em títulos públicos, cerca de 20% do total. O restante está dividido entre CDBs (20%), reais disponíveis em contas bancárias (40%) e USDT (20%), “utilizado como hedge cambial e instrumento de liquidez internacional”, disse João Almada, controller da Transfero, emissora do token.
Já a BRLA, da Avenia, tem R$ 40 milhões em stablecoins lastreadas no real, de acordo com Hector Fardin, CFO da firma. São R$ 3 milhões em títulos públicos; o restante está em caixa, equivalentes de caixa e operações compromissadas de curtíssimo prazo.
Curva de juros e paridade
Um dos desafios das stablecoins, seja em real ou dólar, é manter a paridade com a moeda usada como lastro. No Brasil, esse equilíbrio pode ser mais difícil por causa da volatilidade da curva de juros – bem mais instável que em países como Estados Unidos ou membros da União Europeia. Mesmo assim, as stablecoins brasileiras ainda não registraram nenhum episódio de perda de paridade com o real.
Segundo Fabrício Tota, do MB, o motivo é que parte relevante dos títulos usados como lastro é de curto prazo e pós-fixada.
“No caso da BRL1, quase 100% das reservas são aplicadas em Tesouro Selic. Isso significa que, independentemente das oscilações na curva de juros futura, o valor e a liquidez das reservas não sofrem impacto relevante. A marcação a mercado desses papéis é praticamente estável, já que o prazo médio é muito curto e a remuneração acompanha exatamente o juro básico. Por isso, a paridade 1:1 com o real é mantida sem risco material de variação em função da curva.”
A marcação a mercado é a regra que obriga os investimentos – principalmente títulos e fundos – a terem seu valor atualizado diariamente de acordo com o preço que seriam vendidos hoje no mercado.
Brasileiro gosta de stablecoin – mas do lastreado em dólar
O brasileiro tem uma quedinha por stablecoins faz tempo – e esse interesse aumentou depois de o governo federal elevar, com ajudinha do ministro do STF, Alexandre de Moraes, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que encareceu a compra de moeda estrangeira. Mas, até agora, a preferência nacional é clara: o dólar digital.
Dados da Receita Federal mostram que, entre janeiro e junho deste ano, os brasileiros movimentaram R$ 210 bilhões em criptomoedas. Desse total, R$ 152,2 bilhões foram em USDT, a maior stablecoin em dólar do mercado – volume superior ao do próprio bitcoin (BTC), que registrou R$ 24,7 bilhões no período. Em terceiro lugar aparece o USDC, outro dólar digital, com R$ 9,1 bilhões movimentados.
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Autor: Lucas Gabriel Marins