Consórcios além da contemplação: como brasileiros usam cotas para antecipar crédito e driblar juros
O consórcio pode ser uma alternativa para escapar dos juros elevados do financiamento. No entanto, é importante considerar o tempo de espera para ter acesso ao crédito: a contemplação pode acontecer em poucos meses ou se estender por anos. Essa característica abre espaço para o mercado secundário de consórcios, permitindo a compra e venda de cotas já contempladas.
O empresário Paulo Pereira mantinha 40 cotas de consórcio ativas, ainda aguardando contemplação, quando recebeu as chaves do seu imóvel e decidiu quitá-lo. Como não havia como acelerar o processo de contemplação, optou por adquirir uma cota já contemplada, no valor de R$ 366 mil, para antecipar o acesso ao crédito.
No mercado secundário de consórcios, o comprador paga um ágio — um valor adicional sob o total investido pelo consorciado — ao participante que já possui a carta de crédito contemplada, assumindo então seus direitos. Esse ágio é definido pelo consorciado e segue a lógica de mercado, ou seja, tem um preço médio determinado pela relação entre oferta e procura.
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“Eu não quis fazer financiamento, então comprei uma carta já contemplada. Tinha 40 cotas, mas nenhuma havia sido sorteada. Precisei pagar um ágio, mas, ainda assim, saiu mais barato do que financiar”, conta Pereira, que desembolsou 45% do valor da carta em ágio — custo que, segundo ele, foi inferior ao de um financiamento tradicional.
O empresário Pereira já havia passado por todo tipo de compra de imóveis: financiamento, compra à vista, carta de consórcio (com e sem lance), home equity (modalidade de crédito com garantia de imóvel, que utiliza o próprio bem como garantia para obter dinheiro emprestado) e, por fim, comprando cartas de imóveis já contempladas. No áudio a seguir, Pereira conta como o uso de cotas contempladas se destaca:
Essa perspectiva não é isolada. Nos sete primeiros meses de 2025, o consórcio registrou recorde de 12,04 milhões de participantes ativos, com 2,9 milhões de cotas vendidas e R$ 270 bilhões em créditos, segundo a Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios (ABAC). Os números não incluem a comercialização de cotas já contempladas, mas reforçam a expansão da modalidade entre os brasileiros.
Como funciona o mercado de cotas contempladas
O processo de negociação de cotas contempladas costuma contar com intermediários, como firmas de consórcio que administram bancos de cartas já contempladas. Nessa dinâmica, o comprador informa o valor de crédito necessário, e os corretores buscam opções de terceiros que atendam à demanda.
Em seguida, o vendedor da cota inclui um ágio sobre o valor da carta e a transfere ao comprador, que passa a assumir tanto a dívida quanto o direito junto à administradora do consórcio.
“Quando o cliente compra uma cota contemplada, precisa lembrar que o ágio pago integra o custo monetário da operação. Quanto maior a pressa, mais alto será esse valor”, avalia Guilherme Carrasco, vice-presidente executivo da Ademicon.
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Em paralelo, o comprador deve prestar atenção aos seguintes fatores:
- Inadimplência anterior: risco de problemas relacionados a pagamentos pendentes da cota;
- Custo da taxa de administração: parte da taxa pode já ter sido paga, alterando o custo efetivo da operação;
- Burocracia na transferência: processos administrativos que podem atrasar a efetivação da compra;
- Ágio elevado: pagar valor extra muito alto pode eliminar as vantagens financeiras da operação;
- Perfil do vendedor e intermediadores: é importante conhecer quem está vendendo a cota e os possíveis intermediários envolvidos;
- Confiabilidade da corretora: verificar se a administradora com a qual o consumidor fará negócio é fiscalizada pelo Banco Central.
Carrasco ressalta que, caso o consumidor tenha acumulado uma boa quantia, pode ser mais interessante fazer um consórcio próprio e ofertar um lance para antecipar a sua contemplação – saiba como essa operação funciona no vídeo a seguir.
Por que brasileiros estão buscando cotas contempladas
A compra de cotas de consórcio já contempladas pode ser uma alternativa vantajosa quando o cliente precisa do bem com urgência e o ágio pago é menor que o custo de um financiamento.
Para Robinson Assis, especialista em consórcios e seguros e sócio da The Hill Capital, o mercado secundário cresce porque muitos buscam acesso imediato ao crédito, sem depender de sorteio ou lance. “Com o crédito bancário mais caro, o consórcio se torna atrativo por não ter juros, apenas taxa de administração. Hoje já são mais de 10 milhões de participantes ativos, e parte desse volume circula justamente no mercado secundário”, afirma.
Já Paulo Rogério Tavares, diretor comercial da HS Consórcios, observa que este mercado é voltado para os “imediatistas”, ou seja, aqueles que precisam do bem logo e não conseguiram se planejar com antecedência. “Ao vender a carta contemplada, o cliente ganha o ágio e pode até investir em outros consórcios”, avalia.
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Além disso, o mercado secundário de consórcios também pode ser visto como uma estratégia para alavancar patrimônio. O corretor de consórcios Leonardo Fornazari intermediou a venda de uma cota contemplada, cujo consórcio havia sido contratado justamente para posterior venda. Na operação, seu cliente ganhou cerca de R$ 5 mil, com um ágio de 30% sob o valor investido na carta, de aproximadamente R$ 17 mil.
“É um mercado bastante flexível. Você consegue angariar bons lucros, mas também depende da sua necessidade de prazo. Tem cliente que prefere ganhar um pouco menos, mas dar vazão à carta porque não quer ficar pagando as parcelas [do consórcio]. Mesmo assim, um retorno de 30% sobre um capital empregado é uma lucratividade interessante”, diz o corretor.
Fornazari também já participou da venda de sua própria cota contemplada, destinada à compra de um veículo. “As parcelas não compensavam financeiramente, por isso optei pela venda”, explica. Como iria repassar a cota para um amigo, optou por não adicionar o ágio.
O ciclo dos juros no Brasil
Na decisão de juros mais recente, em 17 de setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) optou por manter a taxa Selic em 15% ao ano, interrompendo o ciclo de crescimento dos juros, mas mantendo o patamar de juros elevados.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o cenário de juros elevados e maior restrição ao crédito torna o consórcio mais atrativo, afastando consumidores do financiamento bancário. “Nesse contexto, uma cota contemplada funciona como um atalho: garante acesso rápido a crédito, sem juros e com menos exigências do que um financiamento tradicional”, explica Assis.
Por outro lado, a manutenção da Selic em patamar estável ou um eventual afrouxamento monetário poderiam reduzir a rentabilidade obtida na revenda de cotas contempladas. “Com juros altos e crédito escasso, a procura por cartas contempladas cresce. Mas, se fosse o inverso — juros baixos e financiamento mais acessível — esse spread (sobretaxa) seria naturalmente menor”, avalia o especialista Tavares.
Ainda assim, analistas destacam a resiliência do setor de consórcios, mesmo diante de juros mais baixos.
“O consórcio segue sendo um instrumento de planejamento monetário sem cobrança de juros. Ele pode perder parte do apelo como oportunidade de investimento via revenda de cotas, mas continua sólido como alternativa para aquisição de bens de forma planejada”, afirma Assis.
A revenda de cotas contempladas como investimento
Como abordado nesta reportagem, o consórcio não deve ser tratado como investimento no sentido tradicional, já que não oferece rentabilidade sobre o capital aplicado. Porém, a revenda de cotas contempladas pode ser considerada uma forma de lucrar no curto prazo.
“Quem foi contemplado cedo no grupo pode revender a cota com ágio, obtendo liquidez rápida. Em 2024, houve casos de ágios de até 35% sobre o valor já pago. Porém, não é um investimento padronizado: tudo depende do momento da contemplação e da disposição do mercado comprador”, diz Assis.
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Além disso, a diferença de liquidez e precificação entre cotas contempladas e não contempladas também influencia o processo de revenda.
“As cotas contempladas têm maior liquidez, porque o comprador pode usar imediatamente o valor do crédito, que é o que os clientes buscam. Isso atrai mais interessados e facilita a revenda. No que se refere à precificação, as cotas contempladas costumam ser vendidas com ágio, justamente pelo benefício do crédito disponível”, avalia Carrasco.
Para o empresário Pereira, que acumula 40 cotas ativas, o consórcio pode ser aproveitado de três formas. Ouça a seguir:
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Autor: Camilly Rosaboni