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Destronada nas maquininhas, Cielo luta para se manter relevante na era do Pix

A Cielo ajudou a construir o mercado brasileiro de cartões, mas viu a base do setor se mover debaixo dos seus pés. A firma que já processou mais da metade das transações no país perdeu espaço, saiu da bolsa e agora tenta encontrar seu lugar em um mercado mais pulverizado — reorganizado por transferências instantâneas, fintechs e plataformas integradas — onde as margens encolheram e a competição segue em outro ritmo.

Controlada por Banco do Brasil (49,99%) e Bradesco (50,01%), a Cielo teve o capital fechado em 2024, por meio de uma OPA que avaliou a ação em R$ 5,82 — cerca de 80% abaixo do pico histórico de 2013. O movimento escancarou uma mudança mais profunda: o modelo de adquirência que impulsionou os resultados da firma por anos, baseado na antecipação de recebíveis e na taxa cobrada dos lojistas, deixou de ser o centro de gravidade da rentabilidade. A margem se deslocou para outros elos da cadeia — como bancos que integram crédito, conta e maquininha num único ambiente, ou fintechs que partiram da adquirência e escalaram em serviços monetários.

Movimento parecido já havia sido feito pelas principais concorrentes da Cielo. Em 2012, a Rede fechou o capital e foi absorvida pelo Itaú. E a Getnet saiu da bolsa em 2022, por decisão do Santander. Para analistas, essas manobras mostram como a adquirência deixou de ser celebrada como negócio independente de alto crescimento e virou peça tática dentro dos ecossistemas bancários — um jogo que a Cielo, agora, precisa reaprender a jogar.

Hoje, a Cielo ocupa a segunda posição entre as credenciadoras do país. E disputa um mercado extremamente pulverizado: a participação de mercado da companhia, que já foi de 50%, gira em torno de 20%, ligeiramente atrás da Rede.

O InvestNews procurou a Cielo, mas a firma optou por não falar com a reportagem.

O Elo que dá nó

A Cielo tem uma fatia menor do mercado, mas ela ainda é grande. Sua força está nos contratos com grandes varejistas, no volume bilionário de transações e na estrutura consolidada, especialmente com a Cateno — joint venture com o Banco do Brasil que responde por boa parte do fluxo operacional. Mas esse tamanho virou também um entrave. A sociedade meio a meio entre BB e Bradesco limita a agilidade nas decisões estratégicas.

Por trás da Cielo está a EloPar, holding criada em 2015 e controlada em partes quase iguais por Bradesco (50,01 %) e Banco do Brasil (49,99 %). Ela abriga não só a Cielo, mas também a bandeira Elo, o programa de fidelidade Livelo, a firma de benefícios Alelo e a tag de pedágio Veloe, entre outros negócios. Essa teia societária dá musculatura, mas exige consenso para qualquer movimento estratégico, o que, na prática, retarda decisões sobre preços, parcerias e tecnologia.

Só que na nova realidade, a adquirência deixou de ser apenas uma prestação de serviço de pagamento e passou a ser porta de entrada para uma arquitetura mais ampla de serviços monetários.

No caso do Itaú, essa verticalização é completa: do banco à adquirente, passando pelo aplicativo e pela oferta de crédito, tudo está sob o mesmo guarda-chuva. Já as fintechs, como Mercado Pago e PagBank, fizeram o movimento oposto — partiram da adquirência digital e construíram em torno dela ecossistemas próprios, oferecendo conta, crédito, seguro e investimentos.

A Cielo, por sua vez, ficou no meio do caminho: seu modelo societário impede a integração com os produtos dos bancos que a controlam, e sua estrutura não oferece a agilidade das novas entrantes. A Cielo testou soluções como o Tap on Phone e o sistema Farol, que usa o fluxo de caixa para sugerir antecipações. Ainda assim, o avanço foi mais cauteloso.

Executivos de mercado apontam esse desalinhamento como o verdadeiro calcanhar de Aquiles. Sem a integração vertical de um Itaú e sem a flexibilidade das fintechs independentes, a firma carrega o peso de uma governança que precisa equilibrar visões de dois bancos concorrentes. E enquanto o mercado se movimenta em meses, a firma responde em trimestres.

O desafio, agora, é combinar robustez com velocidade. A saída da bolsa, em tese, dá fôlego para mudanças estruturais sem o escrutínio do mercado. Mas também marca o fim simbólico de um ciclo: o tempo das credenciadoras como estrelas independentes passou.

Mundo em transformação

O início dos anos 2000 marca o tempo áureo da Cielo. Para se ter uma ideia, entre 2002 e 2005, o volume monetário da então VisaNet – a marca passou a ser Cielo em 2010 – cresceu cerca de 20% ao ano e alcançou 800 mil pontos de venda, da banca de jornal ao hipermercado.

A firma colhia os frutos da mentalidade implantada ainda nos primeiros anos, argumenta Henrique Capdeville, executivo do setor que trabalhou na VisaNet durante a década de 1990. O objetivo, conta, era fazer o consumidor usar o cartão sempre que possível, mesmo que isso acontecesse ao sacrifício da rendatabilidade no curto prazo. “A Redecard mirava o lucro do mês seguinte; nós, os próximos dez anos.”

O avanço, porém, chamou a atenção do regulador e estimulou os competidores. E foi aí que o Banco Central, em parceria com o Cade, decidiu que a exclusividade entre bandeiras era coisa do passado.

O BC entra em campo

Com a mudança na regulação, a VisaNet, rebatizada como Cielo, passou a processar Mastercard; a Redecard teve de aceitar Visa. O mercado se abriu para novos credenciadores, e nomes como Stone, PagSeguro,Getnet, SafraPay e Mercado Pago emergiram com taxas menores, aplicativos simples e discurso de democratização.

A forte concorrência, que ficou conhecida no mercado como “a guerra das maquininhas”, derrubou as taxas cobradas dos lojistas e reduziu as margens das firmas, mas popularizou os terminais – do feirante ao taxista, hoje todo mundo tem sua própria maquininha.

Em 2021, o registrador de recebíveis, outra inovação do BC, deu ao lojista o direito de antecipar suas vendas com qualquer instituição financeira, dissolvendo a fonte mais gorda de margem das adquirentes. Um ano antes, chegara o Pix.

Gratuito para pessoas físicas e quase gratuito para firmas, o sistema de transferências instantâneas cresceu de forma vertiginosa — e, ao reduzir o uso de débito, enfraqueceu parte da receita das maquininhas. Para Boanerges Ramos Freire, consultor do setor, o Pix não elimina o cartão, mas desloca o centro de gravidade das margens: “O dinheiro passa a valer na oferta de serviços, não na mera captura da transação.”

O caminho do dinheiro invisível

Cada vez que um cartão é aproximado de uma maquininha começa uma longa viagem.

O consumidor autoriza a compra; do outro lado do balcão, o lojista precisa ter meios de aceitar esse pagamento e confiança de que receberá no prazo combinado. A ponte entre os dois é a maquininha – ou um celular com aplicativo da credenciadora: ela captura os dados e os envia à bandeira (Visa, Mastercard, Elo), que funciona como intérprete universal das transações.

Da bandeira, a mensagem corre até o banco emissor do cartão, encarregado de liberar ou recusar a compra com base no saldo ou no limite de crédito. Se tudo der certo, a resposta de autorização refaz o caminho de volta e, em menos de dois segundos, o visor exibe “Transação aprovada”. A venda parece concluída, mas o dinheiro ainda não trocou de mãos: costuma levar até 30 dias (o famoso D+30) para chegar à conta do comerciante.

Nesse intervalo entra a credenciadora — termo oficial em português, embora o jargão de mercado prefira “adquirente”, tradução direta de “acquirer”. É ela, no nosso caso a Cielo, que garante a liquidação do valor, mesmo que surjam imprevistos no percurso. Pelo serviço, cobra do lojista a MDR (Merchant Discount Rate): em torno de 1,9% no crédito à vista e 1,2% no débito. A fatia é repartida entre banco emissor, bandeira e credenciadora.

Boa parte do lucro, contudo, sempre esteve fora dessa tarifa. Quando o lojista vende em dez vezes sem juros, mas quer receber à vista, recorre à antecipação de recebíveis. A credenciadora quita o valor imediatamente com desconto, financia a diferença e embolsa juros sobre um risco baixíssimo — a compra já foi autorizada. Durante anos, esse ganho sobre o adiantamento respondeu por boa parte do resultado operacional do setor.

Além da antecipação, as adquirentes faturam com a taxa de desconto (sua parcela da MDR), o aluguel e manutenção dos terminais, e comissões de conectividade ou acordos com emissores e bandeiras. Esse conjunto de receitas garantiu margens de dois dígitos até o fim da década passada.

Mas esse tempo passou: com o avanço da concorrência, as margens ficaram bem mais apertadas. O que torna o desafio das firmas de meio de pagamento tão grande quanto a velocidade com que as transações hoje são executadas.

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Esta notícia foi originalmente publicada em:
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Autor: Greg Prudenciano

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