Financiamento climático é desafio constante em negociações da COP; entenda

Em 2025, a COP30, maior conferência global sobre mudanças climáticas, será sediada pelo Brasil. Um dos principais desafios no evento, que irá ocorrer de 10 a 21 de novembro, em Belém, no Pará, é o financiamento climático.
Na COP29, que ocorreu em Baku, no Azerbaijão, no último ano, o acordo final sobre financiamento climático estabeleceu que os países desenvolvidos paguem US$ 300 bilhões anuais até 2035 para ajudar as nações mais pobres a lidar com os impactos das mudanças climáticas.
O montante acordado, porém, foi considerado insuficiente. Segundo os economistas nas negociações da ONU em Baku, os países em desenvolvimento precisam de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para lidar com as mudanças climáticas.
Resultado final das COPs frusta
Segundo Annelise Vendramini, coordenadora do programa Finanças Sustentáveis do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Varga (FGV), há uma frustração em todas as COPs.
“O resultado final das negociações é sempre muito inferior ao que é necessário objetivamente para se resolver esse problema”, explica.
Outros entraves permanecem nas negociações da conferência deste ano, como: disputas sobre quem deve arcar com os custos, insuficiência dos valores prometidos e a necessidade de mecanismos claros de transferência e fiscalização.
Para Carolina Pavese, especialista em Relações Internacionais da ESPM, houve uma grande dificuldade em chegar a um consenso sobre uma revisão do valor do financiamento climático na última cúpula.
O acordo final da COP29 foi alcançado com atraso após semanas de negociações turbulentas.
A especialista explica que os desafios do financiamento climático envolvem uma disputa sobre o valor, quem vai pagar a conta, a origem desses fundos e em qual formato eles vêm.
Além disso, segundo ela, “há uma diferença grande entre o que se compromete e o que, de fato, aloca de recurso.”
Processo decisório da COP é desafio
A COP é muito importante para garantir o alinhamento entre as partes e estabelecer políticas que sejam uma referência para o desenvolvimento de estratégias nacionais e subnacionais quanto ao enfrentamento das mudanças climáticas.
Para Vendramini, a insuficiência e decepção com os resultados da COP, em parte, reflete a própria dinâmica das negociações, já que elas ocorrem por consenso.
“Quando se opera por consenso, inevitavelmente o resultado é o menor denominador comum”, diz. “O que há de divergências acaba não entrando nessa agenda e os pontos onde há divergências são os pontos mais críticos nos quais a gente precisava avançar”.
A primeira reunião da cúpula global do clima ocorreu em 1995, em Berlim, na Alemanha. Na época, líderes mundiais concluíram que os compromissos anteriores eram insuficientes e seria preciso estabelecer um protocolo e plano de ação conjunto entre os países para reduzir as emissões globais de gases do efeito estufa e frear as mudanças climáticas.
Mesmo após 20 anos de COPs, o financiamento climático pelos países está muito distante do valor estipulado para enfrentar a situação atual, diz a especialista.
“Pela própria forma, estrutura e processo decisório da COP, a gente nunca vai conseguir ter um resultado que seja o ideal”, conclui Vendramini.
O valor de R$ 300 bilhões firmado na COP29 substitui a promessa inicial estabelecida na COP21 de Paris, de fornecer US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático — entregue em 2020 com dois anos de atraso.
O montante, porém, está muito distante do R$ 1 trilhão anual solicitado pelos países em desenvolvimento.
Os desafios do financiamento climático vão para além do valor acordado para enfrentamento da crise climática, mas também a forma como é alocado.
Destinação do valor é incerto
Segundo Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa e membro do Painel de Acreditação do Green Climate Fund, sobre a COP30, “a expectativa não é discutir cifras, pois elas vêm de Baku. O que vai estar na mesa agora é como, e não mais o que“.
Além do valor que deve ser empregado no financiamento climático definido na COP, há uma discussão quanto à utilização para adaptação ou mitigação climática. Segundo Unterstell, a grande expectativa é que esse recurso seja destinado à adaptação, algo não detalhado na última COP.
A adaptação abrange os impactos atuais e prováveis no futuro, enquanto mitigação inclui as ações que evitam emissões e atividades de sequestro de carbono.
Para Vendramini, ainda há muito para avançar referente a quantidade de recursos destinados à questão climática, seja mitigação ou adaptação.
“Um trilhão e meio de dólares é destinado para finanças climáticas. Em geral, a gente tem basicamente 90% desses recursos destinados para mitigação e sobra um pouco menos de 10% para adaptação, que é algo que interessa particularmente bastante para os países em desenvolvimento”, explica ela.
Ela ressalta que adaptação é fundamental nesse sentido e “se torna tão importante quanto mitigação, particularmente para os países em desenvolvimento, porque a gente ainda tem lacunas de desenvolvimento grandes e são países e populações mais vulneráveis a essas rupturas causadas pelos eventos climáticos extremos”.
Além disso, “países em desenvolvimento, países da América Latina, países do continente africano, ainda recebem uma parcela relativamente pequena dos recursos globais ligados à questão climática”.
Outras formas de financiamento
Unterstell explica que os US$ 100 bilhões e depois os US$ 300 bilhões definidos estão muito centrados naquilo que os países que mais emitem precisam colocar na mesa.
Porém, segundo ela, “há uma dificuldade de mobilização, pois são valores que vêm dos contribuintes, ou seja, pagadores de impostos, que, ao invés de colocar na economia, educação, por exemplo, vão fazer essa reparação”.
Apesar de beneficiá-los, existe um desafio de convencimento dos eleitores sobre a necessidade de desembolso desses recursos.
Segundo a especialista, é necessário também ir em busca de outras fontes, como os bancos multilaterais de desenvolvimento, e a taxação de combustíveis fósseis.
“Apesar de não os eximir, não podemos depender apenas desses países desenvolvidos, mas procurar outras fontes”, explica.
As disputas sobre quem deve arcar com os custos também dificultam os avanços do financiamento climático. Segundo Pavese, há uma insatisfação quanto à não participação de países em desenvolvimento altamente poluentes nas metas obrigatórias de contribuição, principalmente a China.
“Pela parte dos países desenvolvidos a gente deve encontrar uma resistência com relação à agenda de financiamento climático, principalmente porque esses países, já na COP29, sinalizavam uma insatisfação com a exclusão de alguns países em desenvolvimento”, explica a especialista.
Além da China, a insatisfação envolve outros países do Golfo Pérsico e grandes produtores de petróleo, enquadrados como países em desenvolvimento que têm uma taxa de emissão muito alta.
“Essa pressão deve se acentuar na conferência deste ano, principalmente em cima da China, que é disparada já há algum ano, pelo menos há uma década, o maior emissor de gases de efeito estufa. “, comenta.
Para Pavese, há uma pressão por parte dos países desenvolvidos de que as responsabilidades quanto ao financiamento climático sejam revistas e que “se atribua maior responsabilidade não só aos países desenvolvidos, mas também aos grandes emissores em desenvolvimento”.
Mecanismo de transparência
Um entrave significativo nas negociações da COP, inclusive após a definição do valor, é a ausência ou ineficiência de mecanismos claros de transferência e fiscalização do financiamento climático, apontam especialistas.
Segundo Pavese, a meta dos US$ 100 bilhões anteriormente fixada somente foi atingida em 2022 e há muita controvérsia com relação à metodologia de cálculo desse montante.
A especialista da ESPM explica que “algumas organizações não governamentais, por exemplo, observaram no cálculo delas que, na verdade, o que se obteve no final desse período foi um financiamento que ficou na casa dos US$ 25 bilhões, muito aquém dos US$ 100 bilhões calculados”.
Para ela, é necessário haver uma padronização da coleta de dados, melhor metodologia para agregação desses dados, e a criação de ferramentas de monitoramento e de checagem, inclusive, dessas informações fornecidas.
Além disso, ela explica que deve ser assegurado uma padronização não só na metodologia de coleta, mas também na periodicidade que essas informações são reportadas.
“O que a gente tem ainda é uma grande fragmentação na forma de registro do financiamento climático, o que impede que a agregação desses dados seja não só transparente, mas com que ela seja mais clara e auditável também”.
Diplomacia brasileira na COP30 é vantajosa
A expectativa para as negociações sobre financiamento climático na COP30 é positiva, devido à vantagem da diplomacia brasileira em comparação com a última cúpula, explica Unterstell.
Segundo a especialista, a diplomacia do Brasil é superior a do Azerbaijão, que sediou a COP29. Além disso, há uma expectativa do Brasil liderar o processo de discussão sobre como os recursos devem ser utilizados.
Já para Vendramini, o otimismo é justificado pelo fato que o Brasil possui bons exemplos de diplomacia, como a liderança do país no G20 no ano anterior.
“O papel brasileiro na liderança do G20 ano passado em trazer para o centro da discussão a questão climática e da bioeconomia foi uma excelente notícia. Mostrou o papel que a diplomacia brasileira pode desempenhar ou tem desempenhado nesse campo”, explica.
Além disso, outra vantagem do Brasil, segundo Unterstell, é que outros países dependem muito mais de fundos internacionais.
“O Brasil está numa situação muito boa, pois não fomos atrás desses recursos entre países, temos o Fundo Clima”.
Segundo a especialista, “outros países que não possuem instituições como o BNDES, dependem de fundos internacionais. A questão é garantir que tenhamos ações estratégicas, além de condições de aprender, evoluir e pedir mais”, explica.
O Fundo Clima – administrado pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima – visa garantir recursos para apoio a projetos, estudos e financiamento de empreendimentos que tenham como objetivo a mitigação das mudanças climáticas.
Saída dos EUA do Acordo de Paris e articulação com Brics
Segundo Pavese, o Brasil vai enfrentar o desafio na COP30 de tentar “mediar e mitigar o peso econômico e principalmente político da ausência dos Estados Unidos com a retirada por Trump do acordo de Paris e de toda a cooperação internacional”.
Além disso, de forma positiva, para ela, a ausência dos EUA do Acordo de Paris pode gerar uma posição mais ambiciosa dos países comprometidos, principalmente diante do agravamento da crise climática.
“Num cenário também otimista, a própria ausência dos Estados Unidos e o fato de a gente estar num momento onde a ciência alerta para a dificuldade cada vez maior da gente atingir as metas do Acordo de Paris, os países que estão comprometidos com o clima podem, sim, aparecer nessa COP com uma posição mais ambiciosa”.
Para ela, o segundo desafio é quanto à articulação no Brics.
“Na presidência da COP, o Brasil vem tentando produzir um consenso entre os países em desenvolvimento e as principais lideranças dos países em desenvolvimento, os países do Brics, para que a gente chegue na COP com o Brics mais articulado e uma posição mais fechada”.
Segundo ela, a articulação pelo Brasil é para que “essas lideranças dos países em desenvolvimento consigam oferecer uma maior resistência às pressões tanto de se manter o financiamento como está, quanto também de gerar mais obrigações para os países em desenvolvimento”.
Também segundo Pavese, o Brasil deve ocupar uma posição de destaque em uma maior coalizão e articulação com o bloco.
Justiça climática e emissões no Brasil
A justiça climática passa inevitavelmente pelo financiamento climático.
Segundo Pavese, o financiamento climático é importante para que os estados mais vulneráveis tenham de fato acesso a esse financiamento e os grupos sociais mais vulneráveis se beneficiem dessas ferramentas.
Além disso, o financiamento climático deve estar atrelado ao principal: mitigar o principal problema da crise climática, que são as emissões.
“No caso global, essas emissões vêm fundamentalmente dos combustíveis fósseis. Então a discussão de finanças climáticas tem que estar atrelada a uma descarbonização”, explica.
A especialista também comenta que, no caso do Brasil, o financiamento climático, relacionado à necessidade de corte das emissões, está ligado ao uso da terra e da agricultura, que, segundo ela, são as principais fontes de emissões do Brasil.
Segundo ela, esse financiamento climático precisa ser adaptado às diferentes realidades dos países que vão ser beneficiados e não pode ser pensado como uma ferramenta de substituição de uma ação concreta de corte de emissão e de descarbonização.
Sobre o financiamento climático, Pavese diz que deve “auxiliar os países a fazerem esse corte global de emissões, e principalmente olhando para os grupos mais vulneráveis e que têm menos meios, mais atingidos pelas mudanças climáticas e mais desprovidos de recursos”.
Além disso, a inclusão da sociedade civil nas discussões e decisões é essencial.
“Quando se fala em financiamento climático, muitas vezes se deixa a sociedade civil fora dessa discussão.”, explica.
COP30 em Belém: entenda o papel do Brasil e da Amazônia na agenda climática
Este conteúdo foi originalmente publicado em Financiamento climático é desafio constante em negociações da COP; entenda no site CNN Brasil.
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Autor: giselefarias