Guerra comercial de Trump gera obstáculo para cortes de juros pelo Fed
A guerra comercial global do presidente Donald Trump aumentou significativamente o obstáculo para o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) reduzir as taxas de juros nos Estados Unidos, já que as tarifas correm o risco de agravar um problema de inflação já complicado enquanto também prejudicam o crescimento.
Jerome H. Powell, o presidente do Fed, reforçou essa mensagem em um discurso muito aguardado que ocorreu ao final de uma semana turbulenta, quando os mercados monetários despencaram após os planos tarifários de Trump serem revelados.
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As medidas levariam a uma inflação mais alta e a um crescimento mais lento do que o inicialmente esperado, alertou Powell durante um evento em Arlington, Virgínia, na sexta-feira (4). Ele demonstrou preocupação com as perspectivas econômicas negativas, mas sua ênfase no potencial efeito inflacionário das novas tarifas dos EUA deixou claro que se trata de uma fonte significativa de angústia.
“Nossa obrigação é manter as expectativas de inflação de longo prazo bem ancoradas e garantir que um aumento pontual no nível de preços não se torne um problema inflacionário contínuo”, disse Powell. O mandato do Fed inclui dois objetivos: fomentar um mercado de trabalho saudável e manter uma inflação baixa e estável.
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Antes do retorno de Trump à Casa Branca, a inflação já estava se mostrando persistentemente alta, permanecendo bem acima da meta de 2% do Fed. No entanto, a economia tinha se mantido notavelmente resiliente, levando o banco central a adotar uma abordagem mais gradual para os cortes de juros, que culminou com a pausa nas reduções em janeiro. Naquela reunião de política monetária, Powell afirmou que o Fed precisaria ver “progresso real na inflação ou, alternativamente, alguma fraqueza no mercado de trabalho” para retomar os cortes.
Mas, com a inflação prestes a disparar por causa das tarifas, será necessário evidência tangível de que a economia está enfraquecendo significativamente para que o banco central volte a agir. Isso pode significar que os cortes nas taxas sejam adiados para muito mais tarde neste ano ou até mesmo para o próximo ano, caso essa deterioração demore a se materializar.
“Eles não estarão inclinados a ser precavidos e cortar juros para evitar o que pode ser uma desaceleração”, disse Richard Clarida, ex-vice-presidente do Fed e agora conselheiro econômico global da gestora Pimco. “Eles terão de ver uma fissura real no mercado de trabalho.” Clarida disse que procuraria por uma alta “material” na taxa de desemprego ou uma “forte desaceleração, se não uma contração” no crescimento mensal do emprego para justificar o que ele espera ser um aumento significativo na inflação.
O relatório de empregos mais recente, divulgado na sexta-feira (4), mostrou que, na véspera do mais recente ataque tarifário de Trump, o mercado de trabalho estava longe de apresentar sinais de quebra. Os empregadores adicionaram 228.000 vagas em março, e a taxa de desemprego subiu para 4,2% conforme a participação na força de trabalho aumentou.
Qualquer entusiasmo com os dados mais recentes foi rapidamente ofuscado por uma onda de preocupações com as perspectivas econômicas — preocupações que os principais conselheiros econômicos de Trump tentaram abordar no domingo.
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Kevin Hassett, diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, reconheceu que a abordagem do presidente poderia agravar a inflação. “Pode haver algum aumento nos preços”, disse ele ao programa “This Week” da ABC. Mas insistiu que o plano de Trump acabaria revertendo uma tendência de longa data de importar produtos mais baratos em troca da perda de empregos.
“Nós conseguimos produtos baratos no supermercado, mas então tivemos menos empregos”, disse.
Scott Bessent, o secretário do Tesouro, também procurou minimizar as perspectivas de uma recessão, dizendo ao programa “Meet the Press” da NBC no domingo que haveria um “processo de ajuste”.
Os primeiros 100 dias de mandato de Trump tiveram as seguintes movimentações:
- 31 de março: Disse que não haveria isenções para tarifas que começariam em 2 de abril;
- 29 de março: Disse que “não se importava nem um pouco” se os preços dos carros aumentassem em resposta às suas tarifas;
- 26 de março: Anunciou tarifas de 25% sobre carros e peças de carros importados;
- 24 de março: Ameaçou tarifas de 25% contra qualquer país que compre petróleo venezuelano;
- 13 de março: Alertou outros países que não deveriam retaliar contra as tarifas que os EUA estão impondo às suas exportações.
- 2 de abril: espalhou tarifas para diversos países no chamado “Dia da Libertação“
Economistas de Wall Street estão muito mais pessimistas quanto às perspectivas. Muitos aumentaram drasticamente suas probabilidades de recessão juntamente com suas previsões para a inflação. Esses economistas temem que as tarifas de Trump, que funcionam como um imposto sobre as importações, acabem dizimando os gastos dos consumidores, comprimindo as margens de lucro das firmas e potencialmente levando a demissões que façam a taxa de desemprego ultrapassar 5%.
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Muitos neste grupo esperam que o Fed reduza as taxas de juros dos EUA rapidamente como resultado, começando já em junho. Os mercados futuros de fundos federais refletem uma abordagem semelhante. Michael Feroli, economista-chefe dos EUA no J.P. Morgan, prevê uma recessão na segunda metade deste ano, com o PIB caindo 1% no terceiro trimestre e mais 0,5% no quarto trimestre.
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Ao longo do ano, ele espera que o PIB caia 0,3% e que a taxa de desemprego suba para 5,3%. Mesmo com o indicador preferido de inflação do Fed — excluindo os preços voláteis de alimentos e energia — subindo para 4,4%, Feroli prevê que o Fed reinicie os cortes em junho e depois reduza os juros em todas as reuniões até janeiro, até que a taxa atinja 3%.
Jonathan Pingle, economista-chefe dos EUA no UBS, previu um ponto percentual de cortes neste ano, mesmo com a inflação central atingindo 4,6%. Ele espera que a taxa de desemprego suba este ano antes de atingir o pico de 5,3% em 2026. Economistas do Goldman Sachs projetam que o Fed realizará três cortes consecutivos de 0,25 ponto percentual começando em julho.
Mas há riscos credíveis para essa perspectiva. O principal é que o choque inflacionário seja grande demais para o Fed ignorar até o verão, especialmente se a economia ainda não tiver se deteriorado de maneira significativa.
“O ônus da prova agora é maior por causa da situação inflacionária em que nos encontramos”, disse Seth Carpenter, ex-economista do Fed e atualmente no Morgan Stanley. “Eles terão que obter informações suficientes que os convençam de que os efeitos negativos do crescimento lento — e possivelmente negativo — superam o custo da inflação.”
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Carpenter disse que não espera cortes do Fed neste ano, mas múltiplos no próximo ano, reduzindo as taxas de juros para entre 2,5% e 2,75%. Economistas da LHMeyer, uma firma de pesquisa, também descartaram cortes este ano, assumindo que não haverá uma recessão “completa”.
Talvez o fator mais importante para determinar quando o banco central reiniciará os cortes nas taxas seja o que acontecer com as expectativas de inflação. Além de um ano à frente, as expectativas têm se mantido relativamente estáveis, exceto por algumas medidas baseadas em pesquisas vistas como menos confiáveis.
Se essas expectativas começarem a oscilar de forma mais significativa, o Fed ficaria ainda mais relutante em cortar e precisaria ver ainda mais fraqueza econômica do que o normal, disse William English, professor de Yale e ex-diretor da divisão de assuntos monetários do Fed.
Eric Winograd, economista da firma de investimentos AllianceBernstein, disse que a postura focada na inflação de Powell na sexta-feira ajudaria a evitar esse resultado. “O nome do jogo é: você fala duro”, disse ele. “Você mantém as expectativas de inflação onde estão e, ao fazer isso, preserva sua capacidade de afrouxar mais tarde, se necessário.”
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Um obstáculo maior para cortes nas taxas de juros pode colocar o Fed em uma posição mais difícil com a administração Trump, disse o professor English. Até a semana passada, o presidente havia sido mais contido em suas críticas ao banco central, em comparação com seu primeiro mandato. Ele havia pedido taxas mais baixas, mas buscava justificar isso apontando para seus planos de reduzir os preços da energia, entre outras razões.
Mas, à medida que a crise nos mercados monetários se intensificou na semana passada, Trump voltou sua ira contra Powell e o Fed, em um possível prelúdio de pressões mais intensas por vir. Em determinado momento, o presidente pareceu sugerir que a queda do mercado fazia parte de sua estratégia. Ele compartilhou um vídeo de um usuário em sua rede social que sugeria que o presidente estava “deliberadamente derrubando” os mercados em parte para forçar o Fed a cortar os juros.
Questionado sobre o assunto no domingo, Hassett, do Conselho Econômico Nacional, respondeu dizendo que o Fed era independente, antes de acrescentar: “Ele não está tentando afundar o mercado.”
Trump já tentou minar a independência de longa data do banco central em relação à Casa Branca ao mirar na supervisão do Fed sobre Wall Street. Sua decisão no mês passado de demitir dois comissários democratas da Comissão Federal de Comércio também repercutiu amplamente, levantando questões importantes sobre que tipo de autoridade o presidente tem sobre agências independentes e o pessoal que as dirige.
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No evento de sexta-feira, Powell disse que pretendia cumprir todo o seu mandato, que termina em maio de 2026. Ele também já foi explícito anteriormente ao afirmar que sua remoção antecipada pelo presidente “não é permitida por lei”.
“O risco à independência do Fed é maior agora”, disse English, professor de Yale. “Isso os coloca diretamente na linha de fogo.”, disse em relação à guerra comercial global do presidente Donald Trump.
Esta reportagem foi originalmente publicada no The New York Times.
c.2025 The New York Times Company
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Esta notícia foi originalmente publicada em:
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Autor: Estadão Conteúdo