Inteligência artificial nas finanças: como usar a tecnologia como “copiloto” dos seus investimentos
A inteligência artificial (IA) tem ganhado espaço acelerado no dia a dia das pessoas e no campo das finanças pessoais não é diferente. Seja no backoffice das instituições financeiras, seja diretamente no contato com os investidores, a tecnologia aparece como uma espécie de “copiloto” no apoio a decisões mais racionais para escolhas que muitas vezes são guiadas por vieses emocionais.
O porta-voz da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados monetário e de Capitais (Anbima), Marcelo Billi, destaca que, ainda que muitos investidores não percebam, a IA já está presente no mercado monetário há muito tempo.
“As instituições que estruturam e distribuem produtos de investimento já usam modelos de inteligência artificial e big data (cruzamento de dados) para entender o cliente e definir quais produtos oferecer”, observa. Para ele, a novidade está no avanço da IA generativa, que agora pode chegar à rotina do investidor como um assistente direto.
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Mas como a IA processa informações e “aprende” sobre determinados temas, inclusive sobre renda fixa, bolsa de valores e investimentos? Alessio Chiuratto, professor do curso de Sistemas da Informação da Faculdade Anhanguera, explica de forma técnica:
“Basicamente, quando a gente escreve alguma coisa para a IA (o tal do prompt), ela não entende direto como a gente lê. Primeiro, esse texto é quebrado em pedacinhos menores, chamados tokens. Depois, cada token vira números – os embeddings – que guardam o sentido da palavra”, afirma. Esse processo permite ao modelo diferenciar, por exemplo, o “banco” de investimentos do “banco” de dados.
Não use IA para tudo: saiba quando ela é sua amiga
O papel da IA, no entanto, não deve ser confundido com o de substituto do conhecimento humano.
Chiuratto aponta que existem técnicas específicas de treinamento que tornam os modelos mais preparados para lidar com temas monetários, com ajustes finos supervisionados e aprendizado por reforço com feedback humano.
“Especialistas criam pares de pergunta e resposta para ensinar o modelo, como no caso do P/L (métrica preço sobre lucro, muito utilizada na análise de ações). Depois, avaliam as respostas geradas e ajudam o sistema a aprender a ser mais útil e bem estruturado”, detalha.
Esse processo, segundo Billi, da Anbima, só reforça a ideia de que a IA pode servir como uma ferramenta de apoio, mas não elimina a necessidade de repertório por parte do investidor. Ele compara a tecnologia a um copiloto:
A responsabilidade de entender ainda é da pessoa. A IA pode dar suporte, mas a decisão precisa ser dela.
Ele complementa: “Se o investidor não sabe nada sobre o tema, corre o risco de não ter condições de avaliar se a resposta faz sentido ou não”.
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Luiz Calado, Planejador monetário CFP pela Planejar, explica no áudio abaixo a responsabilidade do investidor dentro do contexto da IA:
Como tornar a IA útil para mim?
De fato, o potencial da IA para economizar tempo é enorme – cálculos que levariam minutos podem ser feitos em segundos por aplicações como o ChatGPT, o DeepSeek e outras ferramentas.
Mas, como alerta Billi, isso só é útil quando há compreensão mínima do que está sendo processado. Caso contrário, o investidor pode cair em respostas bem estruturadas do ponto de vista da linguagem, mas sem fundamento técnico – as chamadas “alucinações” da IA.
Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (Abefin), explica a importância de conseguir conduzir a IA:
Os prompts são a chave para uma boa resposta
Chiuratto reforça que a qualidade das respostas também depende da clareza dos prompts.
Você precisa dar o contexto. No prompt, tem que indicar quem você é, quais objetivos tem e qual o seu perfil. É como numa conversa com um gerente: quanto mais informações você fornecer, mais adequada será a resposta.
Além de reduzir assimetrias de informação, a IA pode ajudar o investidor a superar barreiras emocionais comuns, como o medo de sair da poupança.
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“Pesquisas da Anbima mostram que muitas pessoas têm receio de dar o primeiro passo porque não se sentem seguras. Às vezes, contar sua vida financeira para um gerente é difícil. Com a IA, esse processo pode ser mais confortável e, ao mesmo tempo, preparar o investidor para uma conversa mais equilibrada com profissionais do mercado”, conclui Billi.
Para investidores conservadores, Calado, da Planejar, também explica como a IA pode facilitar a entrada a outros tipos de investimentos:
Posso confiar nas respostas da IA?
A inteligência artificial tem potencial para revolucionar a forma como lidamos com investimentos, mas também traz desafios que precisam ser enfrentados com cuidado. Um deles vem do fato de os modelos possuírem, por padrão, conhecimento estático, ou seja, limitado à data de corte do treinamento. “O problema é que a IA tem um corte nos dados, ela não sabe nada depois da data do treino”, explica Alessio Chiuratto, da Faculdade Anhanguera.
Mas a questão não se restringe apenas à atualização. O professor alerta para outro ponto sensível: os vieses presentes nos dados.
Se a IA for treinada em textos cheios de estereótipos, ela pode acabar repetindo isso.
Um exemplo, cita, vem da associação do cargo de diretor-presidente (CEO) com a figura masculina. Para evitar que mulheres sejam ignoradas quando há referência ao cargo, a IA precisa de dados balanceados, de técnicas de debiasing (reduzir a influência de preconceitos) e de ajuste fino para não reforçar estereótipos, além de testes de estresse (o famoso red teaming)”, detalha.
IA vs investidor: como o usuário pode ser o problema
Se de um lado o desafio é técnico, do outro o risco está no comportamento dos próprios usuários. Marcelo Billi, porta-voz da Anbima, chama atenção para o perigo de o investidor terceirizar completamente suas decisões à IA.
Existe o risco de o investidor se tornar dependente demais das recomendações da IA em vez de desenvolver senso crítico próprio? Existe, e é isso que a gente não pode deixar acontecer. A IA precisa ser copiloto, nunca piloto.
Para Billi, o processo de educação financeira envolve três etapas fundamentais:
- Conscientização: perceber a importância de organizar a vida financeira;
- Criticidade: ganhar o mínimo de conhecimento necessário para saber quais perguntas fazer;
- Autonomia: desenvolver independência para tomar decisões a partir das informações coletadas, seja com apoio de um gerente, de um amigo ou da própria IA.
“Confiar cegamente na IA, sem entender o processo ou questionar as fontes, é um caminho sem volta e que pode destruir a sua vida financeira”, alerta Billi.
Luiz Calado, da Planejar, concorda que investidores que apenas “seguem” propostas e ideias costumam não se beneficiar no mundo monetário – e isso não vem de agora. Esta reportagem dá um exemplo concreto da importância do investidor analisar as oportunidades de investimentos criticamente.
Aprenda a usar a IA para melhorar seus investimentos
A IA pode ser uma aliada valiosa justamente porque ajuda a organizar e sintetizar um universo de informações que muitas vezes paralisa o investidor. Billi explica:
O mercado brasileiro tem milhares de opções de renda fixa conservadora. Esse excesso de alternativas gera dissonância cognitiva e faz muita gente desistir antes mesmo de sair da poupança.
A IA, ao resumir e traduzir as informações em linguagem acessível e personalizada, reduz essa sobrecarga e aproxima o investidor do tema. No entanto, tal praticidade não elimina a necessidade de verificar a origem das informações.
“Se a IA estiver buscando apenas em bases de instituições financeiras específicas, pode reproduzir viés comercial. O ideal é garantir que as fontes sejam neutras, como CVM [Comissão dos Valores Imobiliários], Banco Central, Anbima ou veículos jornalísticos. O investidor deve sempre perguntar: de onde vem essa informação?”, recomenda Billi.
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Em outras palavras, a combinação de avanços técnicos com um investidor crítico e consciente é o que torna a inteligência artificial (IA) um copiloto confiável nas finanças. Como resume Chiuratto, a tecnologia pode ser ajustada para reduzir erros e preconceitos. Mas a última palavra precisa continuar sendo do ser humano, que deve usar a IA como suporte e não como substituto da sua autonomia.
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Esta notícia foi originalmente publicada em:
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Autor: Isabela Ortiz