Julgamento de Bolsonaro: o que acontece se a delação premiada de Cid for anulada?


O julgamento do chamado “núcleo crucial” da trama golpista começa nesta terça-feira (2) no Supremo Tribunal Federal (STF), com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entre os réus. A colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, é considerada um dos pilares da acusação, mas enfrenta questionamentos que podem definir os rumos do processo.
Cid aceitou colaborar em setembro de 2023, após quatro meses preso, e entregou detalhes sobre reuniões, ordens e repasses de recursos que teriam sustentado o plano para manter Bolsonaro no poder após a derrota em 2022. Em troca, negociou penas mais brandas.

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Apesar das controvérsias, a delação não é a única base da acusação. Segundo a Polícia Federal, os relatos de Cid foram confirmados por buscas e apreensões, quebras de sigilo e testemunhos de militares de alta patente, como o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e o almirante Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica.
Ambos confirmaram que Bolsonaro discutiu a possibilidade de ruptura democrática — hipótese que os réus negam.
Contradições e omissões
O acordo de colaboração, assinado em setembro de 2023, passou por momentos de instabilidade. Em março de 2024, áudios divulgados pela imprensa mostraram Cid dizendo a aliados que teria sido pressionado pela Polícia Federal a incriminar Bolsonaro. O episódio levou o ministro Alexandre de Moraes a convocá-lo para novo depoimento, no qual reafirmou a voluntariedade do acordo.
Meses depois, em novembro, a Polícia Federal apontou omissões em seus relatos, sobretudo a ausência de menção ao plano “Punhal Verde e Amarelo” — que previa atentados contra Lula, Alckmin e o próprio Moraes.
O ministro advertiu Cid de que aquela seria sua “última chance” de esclarecer os fatos. Após prestar novo depoimento, Moraes manteve os benefícios, entendendo que as contradições haviam sido sanadas.
Meses depois, durante o interrogatório dos acusados pela trama golpista, o ministro Luiz Fux, que participava da inquirição, afirmou ter “muita reserva” em relação à colaboração premiada de Mauro Cid.
Segundo o ministro, o militar apresentou nove versões diferentes de sua delação, cada uma acrescentando novas informações, o que caracterizaria omissão. Ainda assim, Fux acompanhou a maioria dos colegas e defendeu que a validade do acordo só deve ser analisada no momento do julgamento.
O que acontece se a delação for anulada
Uma eventual anulação do acordo de colaboração de Mauro Cid não significaria, por si só, o fim da ação penal contra Jair Bolsonaro e os demais acusados da trama golpista. Isso porque parte das informações prestadas pelo ex-ajudante de ordens já foi confirmada por documentos, perícias e depoimentos de militares e testemunhas, elementos que ganharam autonomia no processo. Dessa forma, mesmo sem a delação, a ação seguiria instruída.
Na avaliação do criminalista Guilherme Carnelós, mestre e especialista em Direito Penal Econômico pela FGV, o valor da delação não está apenas no relato do colaborador, mas na capacidade de produzir provas independentes que reforcem a acusação.
“É pouco provável que uma eventual anulação ponha fim ao processo. Do ponto de vista teórico, se a delação fosse considerada fruto de coação, os elementos diretamente ligados a ela não poderiam ser usados como prova, por apresentarem um vício de origem. Mas, se o que foi produzido ao longo da investigação veio de fontes independentes, não há como falar em encerramento da ação”, afirmou.
Opinião semelhante é defendida pela criminalista Marina Gomes, especialista pela FGV e mestra pela Universidad de Salamanca/ES, para quem a colaboração de Cid pode ser analisada como tendo caráter acessório.
“Levando em conta apenas as declarações da Polícia Federal e do Procurador-Geral da República, no sentido de que a colaboração de Mauro Cid cumpriu papel acessório na comprovação da materialidade delitiva, apenas confirmando premissas já demonstradas por outros elementos de prova colhidos no decorrer das investigações, a consequência de eventual anulação para os réus seria muito baixa”, explicou.
Para a especialista, sem uma análise contextualizada de cada um dos conjuntos probatórios colhidos, de forma individual, eventual anulação do acordo de colaboração premiada de Mauro Cid não anularia automaticamente o processo.
Carnelós pondera ainda que, embora a discussão sobre coação seja legítima, a própria natureza da colaboração premiada envolve um cenário de pressão sobre o investigado.
“Ninguém escolhe fazer delação premiada porque está em paz. É preciso muito cuidado ao tratar de coação. Isso foi uma discussão intensa na Lava Jato: não se pode aceitar coação, mas também não se pode ignorar que a delação, por si só, nasce em um contexto de pressão. Pelo que tem sido noticiado, existem provas independentes que sustentam o processo”, disse.
Na prática, o maior prejudicado com uma eventual anulação seria o próprio Cid, que perderia os benefícios negociados, como a redução de pena e a possibilidade de cumprir a condenação em regime mais brando. Mentiras, omissões ou contradições em sua delação não anulam o processo como um todo, mas podem levar à perda das vantagens concedidas ao colaborador.
O que dizem as defesas
Os advogados de Bolsonaro e dos demais réus tentam minar a credibilidade de Cid. Em alegações finais, afirmaram que o acordo “possui grave vício de voluntariedade” e que foi fruto de coação da Polícia Federal e do STF, violando a lei. Argumentam ainda que o militar mudou de versão diversas vezes, o que o tornaria pouco confiável.
Eles lembram que o STF já considerou ilegítimas prisões usadas como meio de forçar delações.
No caso de Cid, porém, a prisão ocorreu por outro motivo: a suspeita de fraude em certificados de vacinação contra a Covid-19 para Bolsonaro, sua filha e familiares do próprio militar, para permitir uma viagem ao exterior. Esse episódio foi apontado como justificativa para a prisão preventiva do militar e acendeu alertas sobre um possível plano de fuga.
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Autor: Marina Verenicz