País vizinho ao Brasil está virando um petroestado – e alerta especialistas

O destino da Guiana mudou em 2015. A multinacional de combustíveis fósseis Exxon descobriu quase 11 bilhões de barris de petróleo no mar da costa deste pequeno país de floresta tropical.
Foi uma das descobertas de petróleo mais espetaculares das últimas décadas.
Até 2019, a firma e seus parceiros, a petrolífera norte-americana Hess e a chinesa CNOOC, começaram a produzir o combustível fóssil. Hoje, são bombeados cerca de 650 mil barris por dia, com planos de mais que dobrar esse número, para 1,3 milhão até 2027.
A Guiana tem a maior expectativa de alta da produção de petróleo até 2035.
O país — localizado entre Brasil, Venezuela e Suriname — têm sido reconhecido como um campeão climático por suas florestas preservadas, que faz parte de quase 90% do território.
Ele está a caminho de se tornar um petroestado — quando a economia nacional é muito dependente da extração de petróleo ou gás natural — ao mesmo tempo que os impactos da crise climática causados pelos combustíveis fósseis escalam.
Embora o governo diga que a proteção ambiental e a indústria petrolífera podem andar de mãos dadas, e que os países de baixa renda devem ter permissão para explorar seus próprios recursos, críticos dizem que esse é um caminho perigoso em um mundo em aquecimento.
E os benefícios podem, em última análise, pender para a Exxon — não para a Guiana.
Desde a descoberta da Exxon, o governo da Guiana adotou o petróleo como uma rota para a prosperidade. Em dezembro de 2019, o então presidente David Granger disse em um discurso que “os recursos petrolíferos serão utilizados para proporcionar uma vida boa para todos. Todos os guianenses se beneficiarão”.
É uma narrativa que continua sob o atual presidente Mohamed Irfaan Ali, que diz que a nova riqueza do petróleo permitirá que a Guiana desenvolva uma melhor infraestrutura, assistência médica e adaptação climática.
O impacto econômico do petróleo já é enorme. O país, com uma população ao redor de 820 mil pessoas, é que tem a maior expansão econômica do mundo. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu mais de 33% em 2023, e mais de 40% em 2024.
Críticos, no entanto, acusam o país de desperdiçar sua liderança climática ao investir em combustíveis fósseis, especialmente dada a enorme vulnerabilidade da Guiana às mudanças climáticas.
A elevação do nível do mar pode afetar a capital Georgetown até 2030, de acordo com uma avaliação da organização Climate Tracker.
“Você tem um governo que é imprudente sobre o que vai acontecer com a Guiana”, disse Melinda Janki, uma advogada internacional na Guiana que está lidando com vários processos contra a Exxon. O país está buscando “um suposto curso de desenvolvimento que é, na verdade, retrógrado e destrutivo”, disse à CNN.
E embora muitos guianenses acolham a nova indústria do petróleo, alguns dizem que as estatísticas econômicas surpreendentes não refletem uma prosperidade real para as pessoas comuns, muitas das quais estão lutando com os preços mais altos em meio ao boom do petróleo.
A inflação no país subiu 6,6% em 2023, com os preços de alguns alimentos disparando muito mais rapidamente.
“Desde que a extração de petróleo começou na Guiana, notamos que nosso custo de vida disparou”, disse Wintress White, da Red Thread, uma organização sem fins lucrativos que se concentra em melhorar as condições de vida das mulheres guianesas.
“O dinheiro não está chegando às massas”, ela disse à CNN.
A CNN entrou em contato com o presidente Ali, o Ministério dos Recursos Naturais e o Ministério das Finanças para comentar, mas não obteve resposta.
A Guiana — que foi colônia dos Países Baixos e depois dos britânicos, e que ganhou a independência em 1966 — é um dos poucos países que é um “sumidouro de carbono”, o que significa que armazena mais poluição que aquece o planeta do que produz.
Isso se deve à sua vasta floresta tropical: as árvores removem dióxido de carbono da atmosfera à medida que crescem.
O país protegeu sua biodiversidade onde outros destruíram a deles, disse o presidente Ali em uma entrevista à BBC no ano passado. Em 2009, o país assinou um acordo com a Noruega, que prometeu à Guiana mais de US$ 250 milhões para preservar seus 18,5 milhões de hectares, ou quase 46 milhões de acres, de florestas.
Ali insiste que o país pode equilibrar liderança climática e exploração de combustíveis fósseis. A nova riqueza do petróleo permitirá que a Guiana se desenvolva, incluindo a construção de adaptações climáticas, como muros de contenção, ele disse.
Ele também apontou para as falhas contínuas de países ricos, já enriquecidos com seus próprios combustíveis fósseis, em ajudar países mais pobres com financiamento climático.
Mas há preocupações de que a Guiana possa ser vítima da “maldição dos recursos”, na qual uma vasta e nova riqueza pode realmente piorar a vida daqueles que vivem lá.
“Esse dinheiro estrangeiro e essa repentina onda de oportunidades, combinados com mão de obra e capacidades governamentais muito limitadas, geralmente resultam em muita corrupção”, disse Michael Ross, professor de ciência política na UCLA.
Ross apontou para a vizinha Venezuela, onde uma grande fortuna em petróleo levou a um declínio dramático na responsabilização do governo e a um aumento no autoritarismo.
Os países que enriquecerem recentemente também se veem repentinamente interagindo com firmas estrangeiras “cuja infraestrutura e acesso à informação superam qualquer coisa que esteja acontecendo no país”, disse Ross.
Críticos dizem que esse desequilíbrio de poder é claro no contrato de 2016 que a Guiana assinou com a Exxon. Sob o acordo, a Exxon pode recuperar até 75% de seu investimento dos lucros até que os custos sejam recuperados.
O restante é dividido 50% entre a Exxon e parceiros e 50% para o governo, que também recebe 2% de royalties.
“Foi um mau negócio”, disse Ali na entrevista à BBC, mas ele rejeitou a ideia de mudar unilateralmente o acordo, que foi assinado pelo governo anterior. Ele afirmou que o próximo contrato com a Exxon será em termos diferentes.
Um porta-voz da Exxon disse que o contrato é “globalmente competitivo para países em estágio semelhante de exploração” e disse que a Guiana está obtendo em média US$ 1 bilhão por ano em “lucros do petróleo” e US$ 6,2 bilhões foram pagos ao seu fundo de recursos naturais.
A Exxon também enfrentou uma série de processos judiciais sobre seu potencial impacto ambiental, muitos deles movidos por Melinda Janki, uma advogada internacional guianense que elaborou a Lei de Proteção Ambiental do país na década de 1990.
Uma vitória para o povo e o meio ambiente da Guiana veio em 2023, quando o tribunal decidiu que a Exxon deveria ter responsabilidade ilimitada pelos custos de qualquer vazamento de óleo.
Desde então, a Exxon apelou da decisão e postou uma garantia de US$ 2 bilhões enquanto aguarda o resultado da apelação.
A Exxon disse que esse compromisso complementa “seus balanços robustos e as apólices de seguro que eles já tinham em vigor”. Janki diz que isso não é suficiente.
Derramamentos de petróleo offshore podem ser extremamente caros para lidar, o vazamento da Deepwater Horizon — no Golfo do México — de 2010 custou quase US$ 70 bilhões para limpar.
O empurra-empurra entre aqueles que dizem que o petróleo oferece à Guiana um futuro melhor e aqueles que temem que o impacto da indústria continua.
A Exxon disse que teve um impacto positivo no país, incluindo a contratação de mais de 6,2 mil pessoas, o investimento de mais de US$ 2 bilhões em firmas locais da Guiana desde 2015 e o gasto de mais de US$ 43 milhões em projetos comunitários.
Mas Wintress White, da Red Thread, diz que os moradores estão lutando contra aluguéis altíssimos e preços de alimentos que dobraram ou triplicaram em alguns casos.
“A realidade aqui é que o petróleo não é uma bênção, é uma maldição e está apenas poluindo nosso meio ambiente”, disse ela.
Janki acredita que a Guiana pode se mover rapidamente para energias renováveis. É um país de sol, vento e rios para energia hidrelétrica de pequena escala, disse.
Ela teme que a corrida do país por petróleo tenha chegado tarde demais e prenda o país em uma indústria sem um futuro longo.
“É tarde demais para fazer petróleo, as únicas pessoas que vão ganhar dinheiro com isso são a Exxon e as firmas”, ela disse.
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Autor: beatrizoliveira