Parecer rico é nova moda dos endividados
A nova classe média financeira não busca mais estabilidade, busca status. Troca crédito por imagem, investimento por aparência e chama consumo parcelado de liberdade. O problema é que, nesse jogo, o sucesso virou dívida e o cartão de crédito virou o espelho da autoestima.
Cerca de 78,4% das famílias brasileiras estavam endividadas em junho de 2025, e quase 30% tinham contas em atraso. Isso significa que três em cada dez famílias não conseguem pagar o que devem. O Brasil nunca deveu tanto e nunca fingiu tanto sucesso.
O brasileiro aprendeu a transformar desejo em dívida. Não quer esperar, quer postar. Viagens viraram justificativa para parcelar. Roupas de grife se tornaram investimento em imagem. O carro novo passou a ser autocuidado. Tudo ganhou nome bonito, mas a fatura é a mesma. O que antes era culpa hoje é discurso de empoderamento.
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As redes sociais aceleraram esse processo. Todo mundo parece rico, produtivo e pleno. Mas por trás do feed, a maioria vive com o limite estourado, o Certificado de Depósito Bancário (CDB) rendendo menos que o cartão e o salário evaporando entre o Pix e o rotativo. O algoritmo mostra o luxo, o banco cobra o boleto.
A autoestima virou linha de crédito. E o ego, o ativo mais caro da economia. O crédito, que nasceu como ferramenta de acesso, virou anestesia. O país que passou décadas com medo de gastar agora tem medo de parecer que não gasta. A sociedade trocou o sonho da casa própria pela busca de validação instantânea. O pertencer virou o novo poupar.
A dívida média das famílias brasileiras representa 49% da renda mensal. Isso significa que metade do que se ganha já nasce comprometido. Para piorar, mais de 70 milhões de brasileiros estão inadimplentes, o maior número da história. É a prova de que a sensação de prosperidade é alimentada por uma renda que não existe, apenas antecipada.
O brasileiro compra o futuro para tentar provar que venceu no presente. O consumo deixou de ser necessidade para se tornar narrativa. O banco não vende dinheiro, vende pertencimento. O marketing não promete juros baixos, promete identidade. E a publicidade substituiu o planejamento monetário pela autoestima parcelada.
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A fatura emocional chega antes da financeira. O sucesso virou uma performance permanente. A cada novo post, a régua sobe e o crédito tenta acompanhar. Hoje o país vive a era do endividamento aspiracional. A população se endivida não para ter, mas para parecer que tem. O luxo se democratizou no papel, mas o custo dele continua desigual.
O brasileiro médio trabalha mais horas, paga mais juros e ainda acredita que está construindo um símbolo de vitória. Na prática, está comprando a própria ansiedade em 12 parcelas fixas.
Entre as famílias, 19,2% gastam mais da metade da renda com dívidas, e o principal vilão continua sendo o cartão de crédito, seguido por carnês e crédito pessoal. O parcelamento virou parte da cultura nacional. O brasileiro não faz conta de preço, faz conta de parcela. E quanto mais longas as parcelas, maior a sensação de poder. O crédito dá a ilusão de controle. É como se o boleto fosse uma prova de pertencimento. Só que o que o banco vende como liberdade, o juro transforma em prisão.
O discurso de você merece continua sendo o melhor gatilho de vendas do país. Bancos e fintechs trocaram juros por storytelling. O cliente acredita que está comprando o direito de ser alguém. E o marketing reforça a ideia de que endividar-se é normal, desde que pareça bonito. O problema é que o crédito perdeu o propósito. Não financia mais projetos, financia desejos. Não é usado para crescer, mas para disfarçar. O crédito virou maquiagem financeira.
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O país que sobreviveu à hiperinflação agora enfrenta outro tipo de crise, a da insatisfação permanente. O brasileiro não quer mais apenas pagar contas, quer ser visto como quem venceu. E o preço de parecer bem-sucedido é viver eternamente devendo. A geração que mais fala sobre liberdade financeira é a que menos suporta esperar. Quer retorno rápido, status imediato e validação constante. O juro composto ainda é a oitava maravilha do mundo, mas agora trabalha contra quem ignora o tempo.
Endividamento hoje é mais psicológico do que monetário. É viver em modo parcelado, com tempo, energia, sono e emoção comprometidos. O sucesso de fachada custa caro. Vence no curto prazo, destrói no longo. Enquanto isso, o Brasil continua girando no mesmo eixo: juros altos, crédito fácil e o mesmo comportamento que transforma a população em refém do consumo. Em um país em que o custo de vida cresce mais rápido do que a renda, o marketing vence a matemática todos os meses.
O comprometimento médio da renda das famílias com dívidas está em 27,8%, o maior nível desde 2015. A inadimplência média, em torno de 5,4%, voltou a subir, puxada pelo crédito rotativo e pelo consignado. Em outras palavras, o brasileiro continua gastando o que não tem para manter uma imagem que não existe.
O investidor que observa esse cenário precisa entender que a verdadeira independência financeira não nasce de um investimento, nasce de um comportamento. Quem confunde poder de compra com prosperidade financeira está sempre a um clique de distância de um novo parcelamento e de uma nova dívida.
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A saúde financeira não depende de quanto se ganha, mas de quanto se suporta esperar. O problema é que, na economia da pressa, o tempo virou inimigo. E, sem tempo, o juro composto muda de lado. Ele deixa de trabalhar a favor e começa a trabalhar contra.
A conta não é só financeira, é emocional. Ansiedade, comparação, culpa e cansaço formam a nova planilha invisível da vida moderna. O dinheiro continua sendo o mesmo, mas o significado mudou.
O sucesso verdadeiro é silencioso. Ele não precisa de plateia, nem de like. É o resultado de escolhas simples, de um orçamento honesto e da capacidade de dizer não. O resto é dívida disfarçada de conquista.
O sucesso de verdade não aparece no extrato, aparece no silêncio de quem dorme tranquilo sem dever nada a ninguém.
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Esta notícia foi originalmente publicada em:
Fonte original
Autor: Estadão Conteúdo