Sabesp e Aegea estão entre as interessadas no saneamento de Buenos Aires, uma aposta inédita fora do país

A maior privatização de saneamento que atrai firmas brasileiras não está no Brasil, mas sim na Argentina. A venda do controle da AySA (Agua y Saneamientos Argentinos), estatal responsável pelos serviços de água e esgoto da Grande Buenos Aires, despertou a atenção de Sabesp e Aegea, apurou o InvestNews, juntando-se a players internacionais como a japonesa Marubeni e a filipina Manila Water.
Se confirmada, essa será a primeira investida das grandes firmas brasileiras de saneamento em um ativo fora do país — um movimento inédito em um setor historicamente concentrado em concessões domésticas e ainda com o desafio de universalizar os serviços até o início da próxima década. Além de Sabesp e Aegea, bancos de investimento estão sondando outras firmas brasileiras de saneamento para olhar o ativo portenho.
A AySA é considerada o maior sistema urbano de saneamento da América Latina, atendendo 15 milhões de habitantes na Cidade Autônoma de Buenos Aires e em 26 municípios do conurbano. Opera três plantas potabilizadoras, 21 estações depuradoras e uma malha combinada que supera 40 mil quilômetros de redes de água e esgoto.
A AySA teria um peso significativo se fosse incorporada por uma firma brasileira. Para a Sabesp, que atende 25 milhões de pessoas em São Paulo, a aquisição equivaleria a um salto de quase 60% na base de usuários. No caso da Aegea, que soma 33 milhões de clientes em 489 municípios brasileiros, a estatal argentina representaria um acréscimo de 45%.
Em 2024, a AySA entregou Ebitda de US$ 48,3 milhões após 17 anos de resultados negativos, mas a avaliação dos bancos de investimento é que a companhia teria potencial para gerar cerca de US$ 250 milhões de Ebitda por ano. Em termos monetários, o valor poderia corresponder a aproximadamente 10% do resultado operacional de Sabesp e Aegea no ano passado.
Histórico complexo
A privatização em Buenos Aires carrega um peso histórico. Nos anos 1990, durante o governo Carlos Menem, os serviços foram concedidos à francesa Suez, que operava sob o nome Aguas Argentinas. O contrato permitia tarifas dolarizadas e aumentos extraordinários, mas as obras prometidas nunca saíram do papel.
Com a crise econômica de 2001, os atritos se intensificaram. Em 2006, o governo Néstor Kirchner rescindiu o contrato e criou a AySA como estatal, com 90% do capital nas mãos da União e 10% dos trabalhadores. Desde então, a companhia se tornou um dos símbolos da reversão da agenda privatizante dos anos 1990.
Essa memória pesa no debate atual: na imprensa argentina, críticos temem que o país repita a experiência de tarifas elevadas e expansão restrita aos bairros de maior renda.
Sob gestão pública, a AySA de fato ampliou o acesso. Entre 2006 e 2024, mais de 4,5 milhões de pessoas passaram a ter água corrente e 3,6 milhões foram conectadas à rede de esgoto. Obras de grande porte, como o Sistema Riachuelo, ajudaram a reduzir a poluição de um dos rios mais contaminados do continente.
Mas essa expansão veio a um preço alto: entre 2006 e 2023, o Tesouro argentino injetou mais de US$ 13,4 bilhões na estatal. Os déficits eram recorrentes e só foram revertidos em 2024, após um “tarifazo” que quadruplicou as contas de água em um ano. Mesmo assim, a cobertura segue desigual: em bairros centrais, supera 80%, mas em áreas periféricas mal chega a 40%.
A infraestrutura também mostra sinais de desgaste. Partes da rede em Buenos Aires têm mais de 50 anos, e até 40% da água produzida se perde em vazamentos.
Cronograma
Para Javier Milei, a equação é simples: o governo argentino não tem mais capacidade de financiar as obras necessárias. Em julho, ele assinou o Decreto 494/2025, que autoriza a transferência de até 90% das ações da AySA para investidores privados, via licitação pública nacional e internacional.
O desenho prevê que pelo menos 51% do capital fique com um operador estratégico, enquanto o restante poderá ser colocado em Bolsa — um modelo que lembra, guardadas as devidas proporções, a privatização da própria Sabesp no ano passado, quando a Equatorial passou a ser o sócio de referência.

Decretos também habilitaram cortes por inadimplência e reajustes ordinários trimestrais, para preservar a equação econômico-financeira do contrato. O objetivo declarado é tornar a firma mais atrativa a investidores, ao mesmo tempo em que reduz a dependência de subsídios.
O governo iniciou formalmente o processo em no último dia 19 de agosto, por meio da Resolução 1198/2025, com prazo de 8 meses para a venda — o que determina que a privatização ocorra entre março e abril de 2026.
Oportunidade brasileira
A presença de Sabesp e Aegea no radar sinaliza uma guinada no setor brasileiro. Historicamente, companhias de saneamento do país nunca buscaram ativos relevantes fora de casa, ainda mais após o Marco do Saneamento de 2020, que ampliou a competição doméstica.
Para a Sabesp, que passou por privatização em 2024, a entrada em Buenos Aires seria a primeira grande jogada após sua transição para o setor privado. Para a Aegea, consolidada como líder no mercado brasileiro, a aquisição seria uma forma de reafirmar sua escala em nível regional.
Procurada pelo InvestNews, a Aegea disse que não vai comentar. A Sabesp não respondeu ao pedido de entrevista.
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Esta notícia foi originalmente publicada em:
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Autor: Rikardy Tooge