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Tarifaço de 50% é Trump querendo mostrar ao Brasil quem manda, diz Lia Valls, da FGV

Tarifaço de 50% é Trump querendo mostrar ao Brasil quem manda, diz Lia Valls, da FGV

O bombástico anúncio feito pelo presidente Donald Trump na quarta-feira, estipulando uma tarifa de 50% a todos os produtos brasileiros, é uma declaração de força misturada com um forte conteúdo político – ao citar o processo enfrentado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, um aliado na região. Ou seja, é uma tentativa de criar embaraço para o governo brasileiro. E acrescenta vários graus de incerteza, o que deve obrigar o Brasil a negociar, dado o impacto para os exportadores nacionais. A avaliação é de Lia Valls, pesquisadora associada do FGV/Ibre, em entrevista ao InfoMoney.

Já havia uma dose de perplexidade no comércio internacional, mesmo como o adiamento das tarifas, que deveriam entrar em vigor em 9 de julho, disse a especialista, que destacou por outro lado a oportunidade para que vários países persigam novos acordos e parcerias comerciais para fugir da dependência americana.

LIa Valls também disse que Donald Trump arrisca perder a credibilidade em meio aos anúncios e recuos sobre as tarifas.

Ela destacou ainda que os dados internacionais mostram uma desaceleração da economia, mas não uma “catástrofe” no comércio mundial como alguns economistas estavam prevendo. Neste sentido, a pausa nas tarifas permitiu que os países buscassem se adequar ao que poderia vir pela frente, embora o percentual tarifário seguisse sendo uma dúvida constante.

A projeção da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que a economia mundial cresça 2,8% em 2025, devido ao impacto das tarifas. Em 2024, o crescimento foi de 3,3%.

Donald Trump assumiu o mandato em janeiro deste ano, com uma política protecionista. As novas tarifas recíprocas foram anunciadas no início de abril e, uma semana depois, suspensas por 90 dias. Este prazo seria encerrado na quarta-feira (9), mas houve um novo adiamento, para 1º de agosto.

Valls comentou o cenário do comércio internacional e as perspectivas para o Brasil em meio ao adiamento das tarifas e ao impacto na nossa balança comercial. Confira a entrevista, abaixo.

InfoMoney: O presidente Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, bem acima do esperado. E atrelou a medida econômica a comentários políticos sobre a situação judicial do ex-presidente Jair Bolsonaro. Como isso impacta nosso comércio externo?

Lia Valls: O tarifaco de 50% parece ser uma questão política para embaraçar o governo brasileiro. Está querendo mostrar quem manda e que não aceita a questão do Bolsonaro. Se ficar esse cenário, será um grande baque para exportações brasileiras, porque não tem muita forma de negociação nem de redução das margens de lucro para exportar para os Estados Unidos. Além disso, o Brasil vai sofrer concorrência de outros países que já são mais competitivos. Então é um cenário muito ruim para o Brasil.

IM: Antes do anúncio de ontem, como o Brasil vinha enfrentando as incertezas?

LV: O Brasil até agora não foi totalmente afetado por essa conjuntura do Trump porque as decisões vão e voltam. A indústria está crescendo, não tanto quanto deveria, mas está crescendo. Quando a gente olha a balança comercial deste ano, vemos que o superávit caiu em relação ao ano passado, mas é uma queda muito ligada à China. Aumentamos a importação, em parte por causa do câmbio, o que favorece a compra internacional, e em parte porque talvez nossos importadores estivessem se adiantando às tarifas. Já as nossas exportações, a maioria em commodities, continuam crescendo, embora em ritmo menor. 

O risco maior para o Brasil é no setor siderúrgico, mas isso o governo está tentando negociar porque são tarifas altas, de 25%, que depois aumentou para 50%.

IM: Qual é a perspectiva para o comércio exterior do Brasil?

LV: Nossa grande exportação é commodity, então não temos tantos concorrentes. No setor de carne, nossa exportação havia aumentado muito para os EUA. A siderurgia está com tarifa especial. Nossa vantagem é que exportamos um aço mais bruto, não tem muitos países que exportam isso. A própria indústria siderúrgica americana teria interesse na exportação dos produtos brasileiros, porque lá não vão do dia para a noite começar a produzir em quantidade suficiente este tipo de matéria-prima.

Nós seremos mais afetados pelos efeitos das medidas. Se o comércio internacional desacelerar, se aumentar a tensão entre EUA e China, isso acaba afetando o cenário internacional, as exportações, importações e os investimentos.

IM: Qual a saída para o Brasil melhorar a balança comercial?

LV: Precisamos continuar acelerando a agenda dos acordos bilaterais e regionais. A resposta ao unilateralismo de Trump é avançar na questão regional. A China está fazendo isso, tem o grande acordo da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP), que integra países como Coreia do Sul e Japão. O Brasil tem o Mercosul, mas faltam acordos mais abrangentes.

IM: O comércio exterior viveu um primeiro semestre turbulento, com o anúncio e a suspensão das tarifas recíprocas dos EUA. Que análise você faz sobre o contexto econômico que estamos vivendo?

LV: É um momento de incerteza e perplexidade, que afeta investimentos e operações e dificulta os países avançarem. É um cenário que, ao mesmo tempo, propicia e dificulta países a fazerem acordos com regras necessárias em ambientes e temas que não têm regras. Mas isso tudo é interdependente, se não vai fragmentar o mundo, precisa ter um mínimo de regulação.

A pausa de 90 dias deu um respiro, mas ao mesmo tempo traz mais dúvidas, como por exemplo se ele [Donald Trump] vai implementar ou não essas tarifas. E chegou ao ponto de que, se não fizer, vai perder completamente a credibilidade.

Mas, se você olhar os dados de comércio no mundo, embora o FMI e a OMC projetem uma certa desaceleração, ninguém está vendo uma catástrofe no comércio mundial como alguns estavam pensando. 

IM: Quando houve o anúncio das tarifas, esperava-se um impacto grande no comércio exterior. Mas, tivemos uma pausa de 90 dias e, agora, mais um adiamento. Deu tempo de os países se planejarem para este impacto ser amenizado?

LV: Tudo é muito complicado, primeiro porque nada garante que o Trump vá realmente entrar com as novas tarifas. Segundo, porque nem todos os países têm nos EUA seu principal parceiro comercial. Terceiro, porque as tarifas estão sendo negociadas. Como Trump deu mais tempo [para as negociações], talvez alguns países estejam conseguindo se readequar, mas os menores ficam mais vulneráveis. Por exemplo: colocar tarifas de 31% na Indonésia? Não sei se dá para eles se prepararem, porque eles não têm escolha. 

Podemos ter mais certeza dos acordos que ele fez com a China, que a tarifa ficou menor do que ele tinha anunciado; e com a União Europeia, que vamos ver se sai nos moldes como ele propôs, porque a UE já falou que poderá retaliar se for lesivo.

Mas, para os outros países, é complicado. Se ele realmente implementar tarifas tão altas, haverá uma redução maior do comércio mundial. 

IM: No quadro geral, acordos multilaterais podem, no fundo, ser positivos para o comércio internacional?

LV: Esta é a grande dúvida, se a multipolaridade é positiva ou não. Porque, no fundo, é disso que estamos falando. E nisso, tem vozes concordantes e discordantes, porque o comércio internacional precisa de regras. Não são só as tarifas. Há normas técnicas, sanitárias, de alfândega. Se cada região resolver fazer sua regra, fica complicado manter o comércio mais fluído entre países. 

Pode ser que os países avancem em mini acordos. Tem as questões ambientais, imposto sobre transmissão de carbono na fronteira. É tentar ver se os países conseguem minimamente criar regras para áreas descobertas. Atualmente, está tudo solto.

Precisa ter um mínimo de consenso, se não os países mais fortes vão sempre ganhar nessa questão de dar subsídio, fazer concorrência mais predatória. Fica um cenário muito desequilibrado. 

Com o Trump inviabilizando a OMC, chegamos ao ponto em que ou vamos fragmentar o mundo ou vamos chegar ao mínimo de entendimento.

IM: Como a imprevisibilidade do Trump pode afetar as relações comerciais no longo prazo?

LV: Trump faz bravata em qualquer coisa. A imprevisibilidade dele é danosa, e o impacto não vai ser no curto prazo. E ela é danosa para a organização do comércio e para os investimentos. 

Ninguém tem bola de cristal, mas tem que ter um cenário, um mínimo de previsibilidade. Porque surpresas e imprevistos sempre vão existir, mas precisa de um cenário base para que, a partir deste cenário, eu possa construir o que é otimista, pessimista. E a gente não tem nem o cenário base.

Quem poderia frear essa política é a pressão interna, os próprios setores americanos questionando as políticas. Alguns setores têm falado, mas ninguém enfrentou ainda de forma mais contundente. Se tiver união das indústrias americanas, por exemplo, pode ser que ele repense porque ele depende do capital.

Além disso, as eleições do ano que vem podem limitar algumas ações, porque hoje ele tem maioria no Congresso. Mas, por enquanto, o Trump ainda tem uma certa popularidade. Esse discurso nacionalista agrada grande parte do eleitorado americano.

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Autor: Élida Oliveira

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