Real fraco, Embraer e aço: como o Brasil quase zerou o déficit comercial com os EUA
De cada US$ 10 que entram no Brasil como receita de exportação, US$ 4 vêm ou da China ou dos Estados Unidos. Os dois são os nossos maiores parceiros comerciais, e a China lidera com folga:
Mas ambos vivem hoje relações opostas com a nossa balança comercial. Enquanto a receita com as exportações para a China caiu 9,5% em 2024, por causa do preço menor das commodities e do mal momento da economia chinesa, o valor total vendido para os EUA subiu 9,2%, ajudando o Brasil a registrar o menor déficit em uma década.
Ainda é cedo para saber se 2025 vai ser diferente, especialmente num cenário turvado pelas batalhas tarifárias de Donald Trump.
Mas a base de comparação será a seguinte: entre janeiro e dezembro de 2024, importamos R$ 40,6 bilhões dos EUA e exportamos R$ 40,3 bilhões para eles, uma diferença de US$ 253,3 milhões – ínfima para esse padrão de grandeza. Trata-se do menor déficit com eles em 10 anos.
O câmbio ajudou. Dólar alto é ruim para quem importa coisas, mas é bom para quem exporta. Se um exportador vendeu R$ 1 milhão em grãos para os EUA no final de 2023, com o dólar a R$ 4,84, o comprador lá fora pagou, em moeda americana, US$ 207 mil. A mesma venda de R$ 1 milhão um ano depois, com o câmbio a R$ 6,18, custou apenas US$ 162 mil – 22% a menos.
Ou seja: quanto mais sobe o dólar, mais competitivos ficam os produtos brasileiros lá fora – sem que o exportador precise baixar o preço em reais. Em 2024, mesmo os que aumentaram para acompanhar a inflação brasileira (4,8% no ano), ainda puderam cobrar bem menos em dólar. Ótimo para os negócios.
Esse fator não foi tão importante para o caso da China, já que o consumo arrefeceu por lá. Nos EUA, que mostraram uma economia pujante 2024 adentro, a história foi outra.
Os setores que mais trouxeram dinheiro foram os de petróleo, produtos siderúrgicos (como lingotes e chapas de aço), e aviões (incluindo peças de aeronaves).
Isso mostra uma diferença fundamental entre o comércio do Brasil com os EUA e com a China. E dá uma ideia do quão nocivo seria um tarifaço Trumpiano para nós.
Um conto de dois países
Na quarta-feira (5), a Embraer recebeu a maior encomenda de jatos executivos de sua história: 182 unidades, de três modelos diferentes. O pedido veio da americana Flexjet, uma firma de fretamento de aeronaves, e inclui contratos de manutenção. No total, o negócio envolve US$ 7 bilhões.
Trata-se de algo emblemático. Apesar de a exportação de matéria prima para os EUA ter um papel relevante, a de produtos de alto valor agregado é bem forte. Com a China, a história é outra.
A agropecuária respondeu por 36% de todos bens vendidos para a China em 2024. Para os EUA, esse setor representou apenas 5,7%. A soja, por exemplo, não entra nem no top 10 americano (o café é o único produto do agro nessa lista).
A indústria da transformação, por sua vez, responde por 78,4% do total:
Com a China, como você vê aqui em cima, são apenas 19,5%. Nosso comércio com o Império do Meio é ao estilo do Brasil do século 16: vender matéria prima e comprar manufaturados. Vale lembrar: apesar do baixo valor agregado, é tanta matéria prima que temos um superávit com a China. Exportamos para eles US$ 30,8 bilhões a mais do que trazemos de lá.
Um caso representativo é o do minério de ferro, a matéria prima do aço. O aço é uma ‘commodity secundária’, que passou por alguma industrialização. O minério de ferro é, claro, o produto cru, menos nobre.
Para a China, mandamos 63% da nossa produção. Para os EUA, só 0,6%. Vai aqui em toneladas de minério de ferro, para visualizarmos melhor, com dados de 2024:
Para a China: 276 milhões de toneladas.
Para os EUA: 2,8 milhões de toneladas
Quando o assunto é aço, o produto semi-acabado, acontece o inverso*:
Para os EUA: 6,6 milhões de toneladas
Para a China: 36 mil toneladas
Isso acontece porque a China é um mamute siderúrgico. Produz um bilhão de toneladas por ano (53% da produção mundial). Os EUA, grosso modo, preferem fazer mais dinheiro com tecnologia de ponta do que com siderurgia. Logo, apesar de ter uma boa produção local, são grandes importadores. Bom para o Brasil, que é um dos três maiores fornecedores desse produto semi-acabado para os EUA – junto com o Canadá e México.
As exportações de aço responderam por US$ 3,5 bilhões de dólares; 8,8% do que exportamos para eles. É o nosso segundo maior produto de exportação para os EUA; atrás do petróleo (US$ 5,7 bi; 14,3%). Ainda assim, é um material básico. O impressionante mesmo é que algo nada básico, aviões e peças de aeronaves, ocupem o terceiro lugar.
Esse setor trouxe US$ 2,6 bilhões; 6,7% do total exportado para os Estados Unidos – por cortesia da Embraer, que tem seu maior mercado lá. Com ela, o Brasil ocupa a quarta posição entre os países que mais exportam aviões e peças aeronáuticas para lá – atrás apenas de Canadá, França e Alemanha (três países com fábricas da Airbus, a maior companhia do mundo da aviação).
E trata-se de uma operação em crescimento. De 2023 para 2024 o salto na receita foi de 36%. E os próximos anos prometem um bom voo de cruzeiro. As vendas só entram na conta de exportação quando as aeronaves são efetivamente entregues.
Vão levar uns bons anos até a Embraer finalizar a venda dos 182 jatinhos da Flexjet. E no ano passado ela recebeu um vultuosa encomenda de 90 aviões comerciais (bem mais caros que os executivos), da American Airlines.
As commodities que nos perdoem, mas produtos de alto valor agregado são fundamentais. São eles que as economias mais sólidas, os melhores empregos e a demanda por edução de ponta. Um ataque tarifário dos EUA que afetasse essa área seria, então, particularmente doloroso.
Agradecimento: Roberto Gianetti da Fonseca, economista que ocupou os cargos de diretor internacional da Fiesp e secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex) do governo federal.
*Dados de 2023 – os dados finais de 2024 não estavam disponíveis para o aço.
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Autor: Ana Carolina Moreno