O declínio da Walgreens: de empresa de US$ 100 bilhões a projeto de private equity

As coisas não deram muito certo para a Walgreens, a rede de farmácias, na última década.
As farmácias americanas funcionam como grandes magazines – vendem de tudo. Mas nos últimos anos faltou combinar com os clientes, que cada vez mais compram on-line.
Não é só isso. A rede de farmácias fechou acordos com fornecedores de medicamentos e consultórios médicos, mas não seguiu a onda das rivais, incluindo CVS e Express Scripts, que se fundiram com grandes planos de saúde, ganhando o controle dos reembolsos médicos que estavam sufocando as farmácias.
O fluxo de caixa da Walgreens caiu, sua dívida se acumulou e as ações afundaram. E na quinta-feira (6), ela foi vendida para a firma de private equity Sycamore por US$ 10 bilhões, uma queda impressionante de 91% em relação ao pico de US$ 106 bilhões em 2015.
A famosa rede de farmácias caiu ao não acompanhar a preferência dos clientes por compras on-line e não conseguiu enfrentar a concorrência acirrada e as intensas pressões de custo da saúde.
E pode encolher mais após a venda. A Sycamore, firma com sede em Nova York especializada em investimentos de varejo e consumo e, mais recentemente, mais conhecida por negócios menores, deve vender partes do negócio ou trabalhar com parceiros para recuperá-lo, informou o Wall Street Journal.
Globalmente, a transação é classificada como uma das maiores aquisições alavancadas da última década.
A Walgreens foi fundada em 1905, quando o farmacêutico de Chicago Charles R. Walgreen Sr. comprou a loja onde trabalhava. Em 1929, a firma era de capital aberto e operava cerca de 525 lojas, incluindo endereços na cidade de Nova York e na Flórida.
Mesmo durante a Grande Depressão, a rede cresceu graças em parte a inovações como o milk-shake maltado, uma versão mais doce do original.
Charles “Cork” R. Walgreen III, neto do fundador que assumiu o comando na década de 1970, ajudou a criar a farmácia drive-through e tornou a abertura de lojas em locais convenientes uma prioridade corporativa, agrupando pontos de venda em áreas urbanas densas para facilitar o mais possível as compras na Walgreens.
No ano passado, 78% da população dos EUA vivia a menos de 8 quilômetros de uma farmácia de propriedade da Walgreens.
A rede era um rolo compressor do varejo, seu logotipo, com letras cursivas vermelhas, era uma visão comum nas esquinas das ruas das cidades e nos shopping centers dos bairros. O poder da Walgreens começou a diminuir no século XXI.
A Walgreens não reconheceu a situação a princípio. Durante anos, a firma usava suas milhares de lojas e sua base de clientes leais para obter condições favoráveis das poderosas “administradoras de benefícios farmacêuticos” (PBM na sigla em inglês).
[Nota: tratam-se de firmas do mercado americano que atuam como intermediárias entre a indústria farmacêutica e os planos de saúde, definindo a lista de medicamentos cobertos pelo plano – e quanto o seguro-saúde vai pagar de reembolso para a farmácia no caso de um medicamento coberto; cada plano de saúde trabalha com uma PBM].
Em 2011, a Express Scripts, uma das maiores PBMs, entrou em conflito com a Wallgreens por não concordar com os valores que ela pedia como reembolso. Isso gerou uma disputa pública desagradável e a perda de acesso da Walgreens a milhões de clientes – dos planos filiados à Express Scripts.
Foi um passo em falso que deixou os investidores impacientes com a liderança executiva da Walgreens e criou uma abertura para um bilionário italiano chamado Stefano Pessina entrar em cena.
Por meio de negociações, Pessina, formado em engenharia nuclear, transformou o negócio de atacado de sua família na gigante global de saúde Alliance Boots. Ela operava quase duas mil farmácias em todo o Reino Unido, com ênfase em produtos de beleza pessoal.
Em 2012, Pessina orquestrou um acordo de duas etapas, e vários anos, para que a Walgreens adquirisse a Alliance Boots por mais de US$ 10 bilhões em dinheiro e ações. A combinação formou uma das maiores redes de farmácias do mundo. Quando a fusão foi concluída no final de 2014, ele assumiu o cargo de CEO.
Pessina também se tornou o maior acionista da firma, com participações no valor de US$ 12 bilhões.
“É um sonho americano que se tornou realidade”, disse Pessina ao Wall Street Journal em 2013. Ele indicou sua parceira — agora esposa — Ornella Barra, como executiva-chefe de atacado global e operações de varejo internacional da Walgreens. E previu um futuro longo e brilhante para a loja histórica.
Por trás da confiança de Pessina estava seu diagnóstico de um sistema de saúde americano inchado e ineficiente em comparação com os sistemas administrados por governos na Europa. Ele prescreveu a combinação de firmas americanas e europeias como antídoto, apostando que a consolidação impulsionaria anos de crescimento.
Mesmo depois de unir a Walgreens e a Boots, a firma tentou expandir ainda mais sua presença farmacêutica.
Além disso, a Walgreens Boots procurou usar sua força com as prescrições por meio de parcerias com as firmas que distribuíam medicamentos para farmácias. Sob Pessina, a Walgreens se juntou a uma das maiores atacadistas de medicamentos dos EUA, a AmerisourceBergen, agora conhecida como Cencora. O acordo conectou as cadeias de suprimentos de medicamentos da Europa e dos EUA pela primeira vez.
“Então, como vejo o futuro desta firma?”, Pessina disse ao WSJ em uma entrevista de 2019. “Vejo um futuro que se estenderá pelos próximos dois séculos.”
Porém, as seguradoras de saúde e as administradoras de benefícios farmacêuticos, responsáveis por pagar grande parte dos tratamentos de saúde dos americanos, estavam enfrentando pressão para conter os custos crescentes. As firmas começaram a se conectar verticalmente para garantir que não fossem pressionadas pelo controle de custos.
No início de 2018, a seguradora Cigna comprou a Express Scripts por US$ 67 bilhões e a CVS adquiriu a seguradora Aetna por US$ 70 bilhões.
Os acordos ajudaram a proteger as farmácias das taxas de reembolso mais baixas que as seguradoras de saúde e as administradoras de benefícios farmacêuticos buscavam durante as negociações do contrato.
A Walgreens Boots ficou de fora. Pessina conseguiu a aquisição de milhares de lojas Rite Aid adicionais, mas não a compra da AmerisourceBergen ou uma parceria com a seguradora Humana. O fracasso em encontrar uma seguradora foi, segundo analistas, um erro.
“O maior problema para a Walgreens é o reembolso da farmácia, que, em termos simples, significa que estão recebendo menos das PBMs e pagadores todos os anos para dispensar a mesma receita”, disse Michael Cherny, analista da Leerink Partners.
Pessina procurou compensar o declínio das margens de prescrição das lojas Walgreens reforçando a “frente de loja”, onde os consumidores podiam comprar cosméticos e outros artigos domésticos. Mais e mais clientes, no entanto, estavam comprando produtos on-line.
Enquanto isso, nos bastidores, a Walgreens procurou criar a farmácia do futuro, juntando-se a vários prestadores de serviços de saúde para oferecer atrações para novos clientes.
Houve um malfadado acordo em 2013 para criar dezenas de clínicas de exames de sangue da Theranos em suas farmácias. Em 2020, a Walgreens fez um investimento de US$ 1 bilhão na VillageMD, rede de clínicas que oferece cuidados médicos primários.
As mudanças não compensaram, pelo menos não o suficiente para cobrir as dificuldades em seu negócio principal de farmácias. Em 2021, Pessina deixou o cargo de CEO e foi sucedido por Rosalind Brewer, diretora de operações da Starbucks e uma pessoa de fora da área de saúde.
Brewer viu uma indústria farmacêutica dos EUA presa em modo perpétuo de baixo crescimento, e rivais como a CVS apostando alto na prestação de cuidados de saúde diretamente aos pacientes. A Walgreens deve buscar uma fórmula semelhante, disse ela, capitalizando o esforço do governo para pagar pela eficiência dos médicos em melhorar a saúde dos pacientes, não apenas por cada raio-X e procedimento que realizam.
A firma anexaria mais lojas Walgreens aos consultórios médicos, na esperança de que os pacientes comprassem suas prescrições na farmácia após as consultas.
Sob Brewer, a Walgreens pagou US$ 5,2 bilhões para comprar uma participação majoritária na VillageMD. Em 2022, ela fechou um acordo para comprar um grupo de centros de atendimento de urgência, incluindo o CityMD, por US$ 9 bilhões.
Mas os negócios geraram mais dívidas, ao mesmo tempo em que não conseguiram impedir os danos às margens de lucro das farmácias e ao preço das ações da Walgreens. Ela também entrou em conflito com Pessina. Para piorar a situação, a pandemia chegou, acelerando a mudança dos pacientes de lojas físicas para sites de comércio eletrônico.
Em 2023, Brewer estava fora, abruptamente sucedida pelo veterano da saúde Tim Wentworth. Líder entusiasmado e orgulhoso de suas raízes em faculdades comunitárias em Rochester, em Nova York, Wentworth trabalhou nos níveis mais altos da indústria de PBM por décadas, mais recentemente como executivo-chefe da Express Scripts, onde supervisionou a venda da firma para a Cigna.
Wentworth decidiu cortar custos e devolver a Walgreens às suas raízes com foco na experiência do cliente de farmácia. Ele anunciou planos para fechar 1.200 lojas em três anos e reverter a expansão da firma em cuidados médicos, procurando vender sua participação na VillageMD e explorar suas opções no resto.
Ele também procurou renegociar contratos melhores com seus antigos colegas de seguradoras.
Porém, um ano após o início da administração de Wentworth, os investidores não deram crédito à firma por seus esforços de recuperação. Em novembro, a capitalização de mercado da Walgreens caiu para US$ 7,1 bilhões, uma queda de 93% em relação a menos de dez anos antes.
Em janeiro, a firma disse que suspenderia seus dividendos trimestrais — pagos por 91 anos consecutivos — porque precisava do dinheiro para refinanciar dívidas e enfrentar litígios, incluindo um recente processo do Departamento de Justiça sobre a distribuição de opioides pela farmácia.
Um acordo de private equity, no qual partes da firma — incluindo suas farmácias Boots no Reino Unido — provavelmente seriam vendidas, pode tentar reviver o principal negócio de farmácias dos EUA.
A visão de Pessina para um colosso de farmácia transcontinental havia colapsado. Sua participação na firma perdeu US$ 10 bilhões em valor. Agora com 83 anos, ele reside no paraíso fiscal de Mônaco.
Escreva para Joseph Walker em joseph.walker@wsj.com
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Esta notícia foi originalmente publicada em:
Fonte original
Autor: The Wall Street Journal