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Nova lei das S/A: ações coletivas contra gestores prometem reforçar governança e baratear o capital

Na sessão de 29 de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou, por 275 votos a 133, o projeto de lei que altera a Lei das Sociedades por Ações (Leis 6.404/1976 e 10.303/2001) para reformar o sistema de responsabilidade civil dos administradores e ampliar mecanismos de proteção aos investidores. O texto pode permitir ações coletivas de investidores minoritários em firmas abertas, um mecanismo inspirado na class action dos Estados Unidos.

Se os administradores fizerem algo lesivo à companhia de capital aberto, o investidor minoritário pode participar de uma ação coletiva proposta em seu benefício e no dos demais minoritários. Em tese, isso reduz a dependência de cada acionista individualmente mover ação judicial, o que muitas vezes é inviável devido aos custos.

O novo texto permite a chamada tutela coletiva privada, uma ação proposta em benefício de diversos investidores que sofreram danos comuns. Tal mecanismo eleva a possibilidade de que perdas relevantes sejam efetivamente ressarcidas por quem assumiu a gestão ou o controle da firma.

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A proposta também amplia os poderes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e cria instrumentos de tutela coletiva privada para investidores minoritários, com base em modelos da OCDE. Isso pode aumentar a qualidade da governança corporativa e reduzir o risco percebido pelos investidores minoritários ao ingressar em firmas listadas.

Segundo André Vasconcellos, diretor de estratégia e de relações com investidores da Fictor Alimentos, a nova lei reduz o “custo da assimetria” entre gestores e investidores e amplia a previsibilidade jurídica das relações societárias. “Isso diminui o custo de capital, pois quanto maior a confiança do investidor em que seus direitos serão protegidos, menor será o prêmio de risco exigido para investir”, diz ele. “As firmas abertas que se anteciparem em fornecer informações mais detalhadas e em adotarem políticas claras de governança tendem a capturar uma percepção de valor maior”, afirma.

Esse é um mecanismo comum nos Estados Unidos. No fim de 2014, acionistas americanos da Petrobras entraram com ação coletiva (class action) contra a firma, alegando que ela divulgou informações enganosas sobre seus contratos e custos e que ocultou esquema de corrupção ligado à operação Lava Jato.

O processo foi resolvido em 2018 por meio de um acordo que obrigou a estatal a pagar uma indenização de US$ 2,95 bilhões, o equivalente a R$ 11 bilhões na época e a R$ 16 bilhões em valores atuais. Esse episódio mostra que, em mercados onde existe ação coletiva, investidores minoritários conseguem obter meios de buscar reparação em massa.

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Diferentemente do sistema americano, o modelo proposto permite processar administradores e acionistas controladores, mas não a própria firma. Essa mudança legal torna as responsabilidades dos controladores e administradores mais claras. Sob o regime atual, muitos investidores minoritários enfrentam barreiras para buscar reparação quando ocorrem atos ilícitos ou omissões graves numa companhia aberta.

No Brasil, até aqui, a via coletiva era limitada, apesar de alguns investidores minoritários terem se organizado esporadicamente para questionar juridicamente gestores de companhias abertas. Ao incorporar essa via de ação civil coletiva, o novo projeto representa um avanço administrativo e regulatório se for aprovado.

Essa mudança pode melhorar o fluxo de investimentos em ações, pois reduz o risco de o acionista minoritário não ser ressarcido em caso de perdas provocadas por atos ilícitos. A consequência pode ser um aumento do interesse internacional por firmas abertas brasileiras, o que vai reduzir o custo de capital. Além disso, as companhias listadas podem ter menor custo para captar, e isso pode repercutir em taxas de juros mais baixas no mercado de crédito, conforme o objetivo do pacote governamental.

Há também o aspecto de governança. Se administradores e controladores sabem que podem responder coletivamente por danos causados aos minoritários, provavelmente vão atuar com maior atenção aos deveres fiduciários, à divulgação de fatos relevantes e à adequação dos controles internos. Isso pode levar a uma melhora generalizada da governança das companhias abertas.

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Para Vasconcellos, da Fictor Alimentos, o novo arcabouço legal muda o papel dos administradores e da própria área de Relações com Investidores. “A possibilidade de ações coletivas impõe uma cultura de diligência reforçada”, afirma. “Cada informação, guidance ou fato relevante precisa refletir não apenas a veracidade, mas também a consistência fiduciária dos dados.”

E as mudanças deverão aumentar o peso do profissional de Relação com Investidores (RI). Esse departamento deixa de ser apenas uma instância burocrática e passa a ser uma linha de defesa estratégica da firma. “O RI terá de antecipar riscos reputacionais e construir um diálogo técnico com o investidor institucional”, diz ele.

Contudo, há limitações importantes. O texto aprovado prevê que a ação será contra o controlador ou o administrador, não diretamente contra a sociedade. Isso impõe uma barreira para a reparação integral em algumas situações — por exemplo, se a firma como pessoa jurídica for essencial para o dano.

Também dependerá do funcionamento prático: prazo, custos, representatividade e procedimentos de liquidação de danos, dentre outros. A experiência internacional mostra que a ação coletiva exige estrutura para a sustentação de litígios de longa duração e custas elevadas. Além disso, nem sempre os valores recuperados superam os custos.

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Exemplo: no caso da Petrobras (PETR3; PETR4), embora a cifra seja alta, houve objeções aos honorários e à composição da classe que reduziram o valor líquido para investidores. “A responsabilização coletiva não deve ser vista como ameaça, e sim como instrumento de amadurecimento do ecossistema”, diz Vasconcellos. “Quanto mais transparente e confiável for a companhia, mais resiliente será sua base acionária. E é essa previsibilidade que atrai capital, sustenta valor e diferencia as firmas que tratam governança como propósito, não como protocolo.”

No entanto, para que o novo mecanismo produza efeitos reais, será necessário que as associações ou entidades representativas dos minoritários sejam eficazes e as regulações da CVM sejam influenciadas de forma consistente. Sem isso, o dispositivo legal pode ficar apenas no papel. Além disso, será necessário desenvolver uma cultura de litígio coletivo, cenário que no Brasil ainda é menos consolidado do que nos EUA.

Para Vasconcellos, a mudança compensa. O executivo avalia que a nova lei reforça a convergência entre governança e credibilidade — fundamentos que sustentam o trabalho de Relações com Investidores em companhias abertas. “Um mercado que recompensa transparência e responsabiliza más práticas é um mercado que precifica o futuro de forma mais justa. E é esse ambiente que o Brasil precisa consolidar para reduzir o custo de capital, ampliar a liquidez e fortalecer o papel estratégico das companhias abertas no desenvolvimento econômico do País”, afirma.

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Esta notícia foi originalmente publicada em:
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Autor: Estadão Conteúdo

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