Pix representa 1,6% das transações entre empresas: por que as companhias preferem pagamentos via boleto?
Quase cinco anos depois do lançamento do Pix, a ferramenta foi incorporada de modo que é difícil se lembrar da época em que TEDs (Transferências Eletrônicas Disponíveis) e DOCs (Documentos de Ordem de Crédito) dominavam as transações. O atual sistema de pagamentos favorito do País já faz parte da vida de qualquer brasileiro que queira enviar ou receber valores instantaneamente.
No entanto, apesar de não soar exagero, nem mesmo a digitalização acelerada do sistema monetário conseguiu destronar o bom e velho boleto bancário, um documento que permite pagar um valor a um beneficiário até uma data de vencimento, amplamente usado por consumidores e firmas.
Segundo dados inéditos da Qive (antiga Arquivei), apesar de ter perdido popularidade entre os CPFs, ele segue como o meio de pagamento dominante nas transações entre firmas (B2B) no Brasil, um reinado que atravessou a popularização das transferências instantâneas, das carteiras digitais e das plataformas de automação financeira.
Hegemonia do boleto
Em setores como Infraestrutura (92%), Saúde e Farmacêutico (84%), o boleto praticamente monopoliza os pagamentos. São redutos em que a previsibilidade e a segurança ainda pesam mais do que a velocidade, verdadeiros ‘bastiões’ da cultura financeira nas companhias do Brasil.
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Entre 2023 e 2025, o boleto movimentou R$ 2,47 trilhões, com 224,3 milhões de notas fiscais liquidadas. A participação no valor total das operações caiu de 73,2% para 69,3% nesse período, uma perda modesta para quem ainda concentra entre 50% e 80% do volume monetário na maioria dos setores.
Para Isis Abbud, co-CEO e cofundadora da Qive, o contexto crediário atual ajuda a explicar a resiliência do boleto. “Em um cenário de crédito caro e Selic persistentemente elevada, as firmas têm priorizado liquidez e previsibilidade sobre agilidade. O boleto segue como protagonista no ecossistema B2B por uma razão cultural e também de rastreabilidade e confiança na relação com fornecedores.”
O levantamento também mostra que o ticket médio do boleto permanece alto e estável, especialmente em segmentos que exigem controle de fluxo de caixa e previsibilidade. Isso reforça seu papel como instrumento de gestão financeira, mais do que um simples meio de pagamento.
Abbud complementa que essa predileção é retrato fiel da economia firmarial brasileira.
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“A dinâmica dos pagamentos B2B no Brasil é uma tapeçaria complexa, tecida com fios de inovação digital e de tradições analógicas. A coexistência entre boleto, Pix, transferências, cheques e até vales corporativos não reflete atraso, mas sim uma adaptação às necessidades de cada segmento”, diz.
Avanço gradual do digital
As transferências bancárias e os depósitos vêm ganhando força, especialmente em contratos de longo prazo e valores altos, com tickets médios acima de R$ 25 mil, típicos de relações firmariais consolidadas.
Também entre 2023 e 2025, as transferências somaram R$ 374,9 bilhões e os depósitos R$ 318,5 bilhões. Juntas, essas modalidades cresceram de 10,3% para 11,9% na fatia total de valor monetário, um indicativo de que o cenário de pagamentos caminha para um modelo mais híbrido.
No mesmo período, o Pix mais que triplicou seu ticket médio, saltando de R$ 2,8 mil para R$ 8,5 mil, um sinal de amadurecimento do método entre firmas, que passam a usá-lo também em transações de maior confiança, ainda que ele contemple cerca de 1,6% do valor total.
Segundo Abbud, ainda há barreiras para o avanço do Pix entre firmas. “Os desafios do PIX no B2B passam, especialmente, pelo difícil rastreio contábil em grandes operações. O PIX, por ser uma transação instantânea e com menor possibilidade de validação, apresenta maior risco de erro.”
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“Os dados mostram que a digitalização avança, mas no universo B2B a mudança é gradual e estratégica. As firmas não substituem o boleto da noite para o dia porque ele cumpre funções críticas de conformidade e integração”, diz Abbud. “O crescimento de transferências, depósitos e Pix indica que o futuro dos pagamentos será cada vez mais híbrido, combinando eficiência digital com segurança e previsibilidade operacional.”
Desafios e riscos
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) alerta para o avanço das fraudes com boletos falsos, especialmente por adulteração de dados e impressão indevida. Isso reforça a importância de ferramentas de conciliação automática e verificação via DDA (consulta de boletos eletrônicos registrados no seu CPF através do internet banking ou aplicativo do banco), que preservam a segurança e a rastreabilidade que tornaram o boleto tão confiável no B2B.
A executiva alerta, contudo, que a digitalização sem integração pode criar novos riscos. “Adotar Pix ou carteiras digitais sem integração total aos sistemas de gestão é como ter um carro potente sem painel de controle. A falta de conciliação automática abre brecha para pagamentos duplicados e perda de rastreabilidade.”
O estudo Panorama de Contas a Pagar 2026, da Qive, analisou mais de 315 milhões de notas fiscais eletrônicas, somando R$ 3,7 trilhões entre janeiro de 2023 e setembro de 2025.
Apesar da digitalização, o pagamento em dinheiro ainda responde por cerca de 8% das transações B2B no País, um lembrete de que a revolução financeira brasileira ainda convive com hábitos analógicos.
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Além de mapear as formas de pagamento, a pesquisa identificou desafios que afetam o fluxo de caixa e a automação financeira das companhias, como prazos longos de recebimento, erros de dados e inadimplência crescente, especialmente entre pequenas e médias firmas.
Na prática, a fotografia traçada mostra que o futuro dos pagamentos corporativos no Brasil será menos sobre substituição e mais sobre convivência. Enquanto o Pix conquista o país, o boleto continua vivendo seus dias de glória dentro das firmas, e não deve ser destronado tão cedo.
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Esta notícia foi originalmente publicada em:
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Autor: Igor Markevich
